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    — Covarde, você é apenas um covarde!
    Boyak estava diante de Ingrid. Muito embora ela estivesse ofendendo-o, ele não reparava na ofensa. Seu foco estava nos olhos cinzentos, no cabelo cacheado e no belo rosto habilmente ou simetricamente encaixado. A saudade atropelou seu peito e ele desejou o abraço dela desesperadamente.

    — Eu não devia ter desistido de te procurar — o ceifador lamentou.

    Ingrid arregalou os olhos, surpresa.

    — Mas agora, eu imploro… fica…

    Ela hesitou por um breve instante e depois falou:

    — Como você é patético.

    E tão repentinamente, desapareceu. Ele gritou e desejou correr atrás dela, mas suas pernas não obedeceram o movimento. Mesmo assim, ele insistiu, levando toda a sua força para os pés.

    Não ia deixá-la. Iria procurá-la até que todo o fôlego de seu corpo acabasse, até que não restasse outra alternativa senão a morte. Devia isso a ela depois de ter falhado em proteger e vingar Isabela.

    — Mova-se, corpo, mova-se — ele murmurou entre os dentes.

    Porém, continuava no mesmo lugar.

    Ele não se conformou e olhou para baixo na intenção de destruir os próprios pés. Mesmo se fosse arrastando, ele iria atrás de Ingrid.

    Entretanto, o que viu foi um laço amarelo preso entre seus dedos. Apenas nesse momento percebeu o quanto todo o resto do cenário era cinza e somente o laço mantinha cor.

    E, repentinamente, como uma onda atingindo a praia, ele se lembrou de tudo.

    Quem trouxera o laço fora Anayê. E era um presente do Deus Sem Face.

    Ele se pegou pensando no quão específico aquilo havia sido. Logo um laço amarelo tão parecido com aquele de sua filha.

    Depois de sua tragédia, Boyak havia se recusado a falar com Os Três. De certa forma, se sentia abandonado e lá no íntimo também traído. Ele se empenhara em derrotar as aberrações e trazer a justiça do Deus Sem Face ao mundo, mas sua retribuição fora uma filha morta e uma esposa desaparecida.

    Entretanto, direcionou essa culpa para si e para as aberrações, principalmente, para o líder delas, Astaroth. E nunca sequer parou para tentar tratar essa questão com o Deus a quem jurava servir.

    Boyak se sentia intimidado. Como se faz esse tipo de acusação contra um ser tão poderoso? E ao mesmo tempo se sentia preso. Como se luta a causa de um Deus que você não confia mais tão fielmente?

    Para não pensar nessas questões, ele escolhera seu sarcasmo e sua alegria como defesas. E, conforme se aproximava o dia de atacar a fortaleza de Astaroth, ele tinha mais certeza de sua morte evidente.

    E, portanto, a morte traria fim às suas questões.

    Ao menos, ele pensava assim.

    O ceifador fitou novamente o laço amarelo e uma onda de conforto acalentou sua mente. Não, o Deus Sem Face não estava alheio às suas dores e questões. O próprio Boyak se colocara nessa bolha ao rejeitar se apresentar diante dos Três.

    Talvez o conforto que precisava sempre estivesse lá.

    E agora estava ali, representado por um laço amarelo.

    Boyak ergueu os olhos e enxergou uma lembrança mais antiga de quando sua filha tinha apenas três anos. Ele estava sentado ao lado dela na varanda da casa brincando com os cachos de seu cabelo.

    — Hoje a mamãe disse que meu sorriso é parecido com o seu pai — Isabela revelou.

    — Então é um sorriso de derreter corações, filha — ele sorriu para ela.

    A menina retribuiu.

    Porém, lentamente, ela se virou para o Boyak do presente.

    — Seu sorriso é parecido com o meu agora — Isabela falou.

    Enquanto a lembrança se dissipava, Boyak teve a certeza de que estava tudo bem. Uma confiança preencheu seu coração: ele nunca estivera sozinho. E, mesmo os seus momentos sombrios, nunca estavam ausentes da presença do Deus Sem Face.

    E, como ele confiava no caráter desse Deus, então tudo estava bem. Talvez algum dia, perfeitamente e soberanamente bem. Mas, por enquanto, estava bem na mão dos Três.

    Boyak suspirou e amarrou com cuidado o laço amarelo em volta da mão.

    Então fechou os olhos e sussurrou:

    — Permita que seu poder flua em mim mais uma vez.

    Imediatamente, sentiu um calor subindo pela mão onde seu presente estava fixado e percorrendo seu corpo inteiro.

    O ceifador esboçou um sorriso.

    — Agora, Você e eu vamos botar pra quebrar!

    Seu punho fechado começou a ser iluminado por uma luz dourada. E, conforme ela crescia, a fumaça cinzenta era afugentada.

    — Você?!
    Dessa vez, trajava uma capa feita de fumaça, e seus olhos brancos se destacavam em seu rosto escuro. Mesmo assim, Boyak reconheceu-o.

    — Aruyo, o demônio do remorso…

    O monstro sorriu, um sorriso terrivelmente amarelo e macabro.

    — Eu pensei que tinha acabado com você na propriedade do barão.

    Aruyo levantou um dedo esquelético e gesticulou negativamente.

    — Na verdade, você quase acabou comigo. E, pelo lorde Negro, eu jurava que iria perecer. Mas, no último momento, uma centelha de remorso vinda de você me fez ter a ideia que me salvou — ele soltou uma risadinha maliciosa. — Me escondi dentro do seu remorso, garoto.

    Boyak franziu o cenho, incrédulo.

    — Não faça essa cara, por favor — Aruyo juntou as mãos como se estivesse fazendo uma oração. — Se não fosse pelo seu lindo e maravilhoso remorso, eu não teria sobrevivido. Mas, graças a essa tragédia espetacular, eu me alimentei e consegui fazer com que sua culpa crescesse para me tornar ainda mais poderoso. Há tanta culpa em você, meu garoto. Nada poderia deixar um demônio mais feliz do que se alimentar do remorso de um ceifador!

    Ele aplaudiu, sorrindo.

    — Desta vez, vou fazer o serviço completo — Boyak falou, determinado.

    — Vai mesmo? Tem certeza? Será que não sobrou mais uma refeição para mim? Só mais uma, vai!

    O ceifador posicionou o punho para o ataque.

    Aruyo simulou uma feição de medo.

    — Por que você ainda quer lutar por ele? Você foi abandonado no momento mais delicado de sua vida! — O sorriso do demônio retornou, repentino. — Por que um ser tão poderoso não me impediu de destroçar uma garotinha?

    Boyak baixou os olhos por um momento e o sorriso de Aryuo cresceu.

    — Eu realmente não sei as respostas para essas perguntas — o ceifador disse.

    — Então por que continuar lutando, garoto? Olha, vamos fazer um trato, que tal? Posso te fazer poderoso, mais forte do que o tolo do Astaroth. Não é exatamente isso que você deseja? — Aruyo estendeu a mão. — Basta me deixar ficar dentro de você. Me alimentarei da sua culpa, da culpa dos seus inimigos, dos remorsos de todos os que te abandonaram. E você será o ser mais poderoso deste mundo. Que tal?

    — Você fala demais, hein! — Boyak reclamou. — Nem me deixou terminar a minha fala anterior com uma frase épica.

    Aruyo recolheu a mão sem entender.

    — Eu não sei as respostas das perguntas. — O ceifador ergueu os olhos. — Mas o Deus Sem Face sabe, e isso é o suficiente para mim agora!

    O demônio cerrou os dentes.

    — Esse seu Deus não podia ficar de fora, não é mesmo? Ele sempre quer se intrometer nos negócios alheios. Vocês, humanos, só querem sofrer, causar sofrimento e lamentar pelo sofrimento, e ele continua intervindo em seu favor.

    — É por isso que luto por ele!

    Recordando da frase de sua filha, Boyak esboçou o melhor sorriso que pôde e arremeteu para o ataque. Mais uma vez, o punho de Deus.

    Aruyo invocou suas fumaças e uma barreira se formou à sua frente.

    O punho do ceifador atingiu a barreira e ficou paralisado por um instante. Porém, no momento seguinte, a fumaça evaporou pelo ar e Aruyo arregalou os olhos pouco antes de ser atingido no rosto pelo golpe.

    É muito bom ter você aqui!
    Espero que esteja curtindo a jornada de Boyak e Anayê.

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