Índice de Capítulo

    Anayê acordou e, como de costume, foi apreciar a vista das Colinas. Era incrível aquele silêncio no início do dia no topo da colina, vislumbrando o mundo inteiro de cima. Parecia que o horizonte não tinha fim.

    Depois, quando foi fazer a refeição da manhã, ela ficou sabendo da partida de Boyak durante a madrugada.

    — Ele não gosta muito de despedidas — o mestre contou.

    O ceifador havia falado que ia atrás de sua esposa, uma busca motivada pelos acontecimentos do dia anterior e o retorno de sua confiança no Deus sem face. Entretanto, Anayê não esperava que fosse tão repentino.

    — Sabe como ele é apressado. Quando coloca uma ideia na cabeça, ninguém consegue mudar.

    Ela ficou um pouco triste. Não havia se despedido e poderia ficar sem ver o ceifador por meses. Lembrou-se do irmão que a havia deixado também e a recordação pesou em sua tristeza.

    — Ele vai voltar em breve — o mestre pegou uma folha de hortelã para mascar. — O garoto é estúpido, mas sabe se cuidar.

    Anayê assentiu. Na verdade, não estava preocupada com Boyak, mas com a sua insegurança costumeira. Precisava continuar lutando para perder o costume de se sabotar.

    — Você terá seus próprios problemas para se preocupar agora.

    Ele estava falando do primeiro dia de seu treinamento. Anayê pensara nisso até pegar no sono durante a noite. O que faria? Como seria? Ela ia conseguir?

    Seu conforto estava no fato de que teria ajuda de Boyak, mas agora estava realmente sozinha. Sozinha de novo.

    Ela ignorou o pensamento. O mestre estava ali. O Deus sem face continuava com ela.

    Quando Anayê terminou a refeição, o mestre a acompanhou para fora até a fonte atrás do casarão.

    O velho pegou um frasco parecido com aquele usado por Thayala e Boyak e encheu com o fluido emanado pela fonte.

    — Tome tudo — ele falou.

    Anayê obedeceu.

    — Agora venha.

    Ela seguiu até a outra ponta da colina onde enxergou um portão de bronze com cerca de dois metros de altura. Anayê ficou espantada por ter percebido aquilo antes.

    — Não é que você não percebeu — o mestre falou. — Apenas não tinha o discernimento para vê-lo.

    Ela assentiu se lembrando da experiência com a ponte flutuante.

    — O fluido de oração não afeta apenas seu corpo, ele abre a sua mente para uma realidade nova.

    Eles passaram pelo local da batalha do dia anterior. As plantas mortas eram a lembrança do toque maldito do demônio do remorso, mas o fato de estar viva era a lembrança do toque bondoso dos Três Que São Um.

    — Agora, seu corpo precisa se adaptar ao uso do fluido de oração — o mestre continuou explicando enquanto se aproximavam do portão. — O uso sem sabedoria vai te fazer acreditar que é o próprio Deus sem face. Não vai saber quando parar ou quando continuar, e isso vai te matar.

    Anayê parou de frente ao portão e o mestre usou uma das mãos para empurrá-la.

    Do outro lado, Anayê enxergou uma pequena casa com paredes de madeira e telhado de palha. Posicionados na parede, havia um punhado de lenha e um machado, além de uma rede.

    Caminharam na direção da casa. Do lado direito, um lago tranquilo e cristalino cercava a casa e, do esquerdo, uma escadaria de pedra em ziguezague que levava ao topo de uma montanha. Anayê sequer conseguia contar tantos degraus.

    — Bem vinda ao quarto do ceifador.

    Os olhos roxos e grandes de Anayê estavam deslumbrados com a beleza e tranquilidade daquele lugar. Próximo do lago, alguns esquilos se esgueiravam e passarinhos recolhiam plantas para se alimentarem. Ela viu também uma goiabeira e uma laranjeira na frente da casa.

    Voltando sua atenção para a grande escadaria, percebeu a ponta triangular de uma construção no alto da montanha.

    — Este é o Sinai, a montanha de fogo — o mestre contou. — E lá em cima, o templo do pergaminho sagrado.

    — E o que devo fazer agora?

    O mestre abriu um sorriso e caminhou lentamente até a rede.

    — Venha, sente-se.

    Ela encontrou uma cadeira e sentou-se ao lado dele enquanto via um esquilo correndo com uma noz.

    O mestre se ajeitou na rede, pegou uma folha de hortelã para mascar e fez todos os movimentos seguintes da maneira mais lenta possível.

    A perna de Anayê não parava de balançar na cadeira.

    O velho continuou mascando e suspirou fundo.

    — Você vai passar os próximos meses aqui — ele anunciou.

    — Como assim?

    — Digamos que o tempo passa de uma maneira peculiar neste lugar.

    — Isso parece confuso.

    — Você vai entender no futuro.

    — E não vou poder sair daqui?

    — Basicamente, não. Essa é uma das vantagens do quarto do ceifador, sua mente estará totalmente focada no seu treinamento, sem tempo para muitas distrações.

    — Faz sentido.

    — Todos os dias, você deve subir a escadaria até o templo para encontrar o pergaminho sagrado.

    Anayê franziu o cenho.

    — Todos os dias?

    — E não deve falhar nenhum dia. Isso é muito importante.

    — E quem vai estar me esperando lá em cima?

    — O pergaminho sagrado. Ele servirá para ampliar seu conhecimento sobre o poder do fluido do oração e vai te orientar a respeito do seu treinamento. Será assim durante um tempo.

    Anayê vislumbrou a enorme escadaria imaginando a canseira de subir aqueles degraus todos os dias. De tudo o que tinha pensado sobre o treino, nada havia sido como aquilo.

    — Achei que o treinamento teria a ver com aprender sobre lutar e dar aquele soco poderoso nas aberrações. Subir escadas não me parece ser… útil — ela admitiu.

    — Todos falam a mesma coisa — o mestre se levantou da rede. — Subestimam os resultados de um bom fundamento. — O velho colocou as mãos atrás das costas. — Mas por enquanto, basta obedecer.

    — Eu irei — a moça disse com firmeza.

    — Então pode começar fazendo isso agora. Aproveite que o fluido de oração está fresco no seu corpo.

    Anayê se levantou e amarrou os cabelos num coque.

    — Bom, vamos começar.

    Chegamos ao capítulo 50! Que maneiro.
    Se você esteve acompanhando esse história desde o início, fico muito grato.
    Um grande abraço!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota