Índice de Capítulo

    Anayê bebeu um pouco de água do lago e entrou na casa à procura de um odre para levar água. Lá dentro, havia apenas uma cama, um fogão a lenha e alguns utensílios para comida. E, no canto, um armário feito de boa madeira com algumas roupas.

    — Você não pode levar água, se é o que deseja — o mestre falou do lado de fora.

    Ela estreitou os olhos.

    — Quer que eu suba aquele escadão e não leve um pouco de água?

    O silêncio dele foi a resposta.

    A garota hesitou por um momento e depois deu de ombros, saindo da casa.

    — Ninguém disse que seria fácil, né? — ela comentou, sem graça.

    — E não será. Nesse primeiro momento, toda a sua vontade está sendo colocada à prova. Você quer mesmo se tornar uma ceifadora? A resposta está lá em cima.

    Anayê engoliu a saliva.

    — Quanto mais se aproximar do topo da montanha, mais parecerá difícil, pois o ar vai ficando pesado e a gravidade puxando o seu corpo para o chão. O calor da montanha de fogo junto com a fome e a sede irão te fazer repensar essa escolha.

    Ele fitou os olhos roxos dela.

    — Então pergunto novamente, você quer se tornar uma ceifadora?

    Anayê retribuiu o olhar com mais firmeza.

    — Eu vou me tornar uma ceifadora.

    O mestre sorriu.

    — A escadaria é toda sua. Que o Deus sem face esteja com você.

    A garota assentiu e  começou a subir a escada. De início, olhava constantemente para trás, observando o mestre mascando a folha de hortelã deitado na rede. Ele acenou para ela duas ou três vezes.

    Se perguntava se ia encontrá-lo quando retornasse. Porém, ao olhar para o enorme número de degraus, duvidava de seu retorno tão cedo. Então, ignorou esses pensamentos e focou no seu objetivo.

    Os degraus eram grandes e largos, feitos de pedra, mas Anayê percebeu que eles ficavam mais estreitos conforme se aproximavam do topo.

    O som dos sapatos se tornaram a sua única companhia, até mesmo o canto dos passarinhos no lago ficaram distantes demais para escutar.

    O sol já estava alçando os céus, imponente e poderoso, trazendo seus raios sob a cabeça dela. E, mesmo com o coque, o suor se tornou inevitável no pescoço.

    Logo, tudo começou a incomodar. Os sapatos pareciam apertados demais, as calças grossas demais e a blusa quente demais.

    Passou a mão no pescoço tentando se livrar do suor que insistia descer pelas costas.

    Recordou de quando trabalhava na fortaleza e o dia cinzento castigava suas costas com os raios quentes. O suor descia pela testa até os olhos, molhando a roupa inteira, e ninguém podia parar para sequer limpar.

    Ao fim do dia, se os maggs estivessem de bom humor, eles podiam se lavar. Mas se alguém tivesse dado muito trabalho, todos pagavam juntos, sendo privados de um banho. O local onde dormiam se tornava uma sauna fedorenta e atrativa para ratos, fato que não incomodava os maggs porque eles comiam os roedores.

    De vez em quando, os maggs proibiam os banhos por pura diversão porque adoravam vê-los sujos e fedendo, tendo como objetivo apenas a desesperança.

    Olhando em retrospectiva, Anayê considerava que esse era o real objetivo daqueles porcos, desestimular os prisioneiros ao ponto de abandonar qualquer resquício da vida lá fora.

    Dentro da fortaleza de Astaroth se tornava fácil esquecer que a liberdade era real.

    Quantos dias tivera esse mesmo pensamento? Imaginando sua vida anterior como um mero sonho. Desejando ver o mundo lá fora, mas tendo a certeza de que seu mundo era a vida escrava. Procurando se conformar com a vida miserável tal qual seu irmão recomendara.

    Por isso, todos os dias, adorava olhar o mundo de cima das Colinas Verdes. Era um lembrete incrível e maravilhoso de que existia sim um mundo além das muralhas podres de Astaroth.

    Portanto, ela se agarrava ao seu objetivo de ser uma ceifadora para levar a esperança dos Três Que São Um até os prisioneiros daquele lugar terrível.

    O sol estava no alto quando Anayê precisou sentar para recuperar o fôlego. Daquela posição, ainda era possível ver a casa, mas a rede e o mestre haviam sumido de seu campo de visão.

    Ela ponderou onde Boyak poderia estar naquele momento e quanto tempo demoraria para encontrar Ingrid. Ao mesmo tempo, também pensou em Thayala que reencontraria a irmã depois de anos.

    — Espero que dê tudo certo — ela murmurou.

    Se sentiu uma idiota por falar sozinha em voz alta. Notou como a garganta estava seca e suplicava por um pouquinho de água.

    Não vale a pena ficar aqui pensando no quanto estou com sede, pensou.

    Levantou, sacudiu a poeira da roupa e prosseguiu.

    ***

    Muito longe dali, em uma das altas torres da fortaleza de Astaroth, um dos generais do lorde sombrio se encontrava com uma mulher.

    Ela era pálida e não possuía um fio de cabelo. Descruzou os braços quando viu o general entrando.

    — Senhor Zafael — Fez uma mesura.

    — Agnatha, o que descobriu?

    Com os olhos brancos e fundos admirou a bela armadura de aço usada pelo general.

    — Ela foi levada para as Colinas Verdes, meu senhor — ela hesitou e engoliu a saliva. — Lá, meus poderes de espionagem não funcionam.

    — Maldito seja o Rom — Zafael resmungou com os cabelos pretos e ondulados reluzindo diante do brilho da tocha na parede. 

    Agnatha ajeitou seu colete preto se sentindo um pouco incomodada diante da imponência do general. Ela sempre ficava assim diante dele.

    — Entreguei a localização exata do ceifador responsável pelo ataque à torre para ele, senhor. Mas Rom falhou tanto em matar o ceifador quanto em trazer sua irmã de volta. E se me permite, eu lhe disse que ele era um imprestável.

    — Sim, você disse. Mas eu precisava que parecesse uma simples vingança e não um sequestro. Se lorde Astaroth descobrir que estou quebrando o acordo feito com os reinos livres por minha vontade, ele vai me rebaixar ao pior dos escravos.

    Agnatha meneou a cabeça.

    Zafael atravessou a sala com as mãos nas costas e observou a fortaleza pela única janela do quarto.

    — Esse ceifador não passa de um verme, pronto para ser esmagado — ela afirmou.

    — Agnatha, os pernilongos realmente não são uma ameaça comparados a nós, mas mesmo assim eles incomodam com suas picadas e seus zumbidos.

    — O senhor tem razão.

    Zafael se virou para ela. Os olhos roxos pareciam julgá-la com imensa penitência. Agnatha se perguntava se era a pressão espiritual do general que causava aquele desconforto.

    — O que devo fazer agora, senhor? — ela perguntou.

    — A minha irmã é uma pessoa sentimental e fraca. A força de vontade dela é um galho podre. Vamos usar isso para tirá-la das mãos demoníacas desses ceifadores.

    É muito bom ter você aqui, ainda mais depois de 50 capítulos!
    Espero que esteja curtindo a jornada de Anayê.

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