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    Quando o sol se aproximava da linha do horizonte, os pés de Anayê clamavam por descanso, sua garganta suplicava por água e seu corpo tinha dobrado de peso.

    Dar um passo havia se tornado uma tarefa hercúlea e os degraus se tornavam cada vez mais inclinados e estreitos.

    Alguns fios de cabelo grudavam na sua testa, assim como sua roupa colava no corpo.

    Ergueu os olhos e buscou o topo mais uma vez. No entanto, diferente de quando estava embaixo, o topo parecia ter sumido da sua vista. Apenas enxergava a montanha e a escadaria em seu ziguezague infinito.

    Se sentou em um degrau outra vez para recuperar o fôlego. O sol já na linha do horizonte, próximo de se despedir. Ao menos, não seria mais castigada pelo calor.

    Porém, também perderia a luz. Isso era bom ou ruim? Por enquanto, era incapaz de decidir.

    Outro ponto veio a sua mente: ela ia dormir ou continuaria? Na verdade, se perguntava se podia dormir. O mestre esquecera de mencionar esse detalhe.

    Talvez o sono restaurasse uma parte da sua força. Ao mesmo tempo, ficaria ainda mais cansada quando acordasse.

    Decidiu continuar e deixar o sono para depois. Quanto essa decisão custaria, ela não sabia, mas esperava estar fazendo a escolha correta.

    O sol finalmente se fora, assim como a luz, e dera lugar a lua e as sombras.

    Anayê não esperava que seria tão complicado enxergar, mas havia se enganado. Até mesmo ficara difícil para ver os degraus.

    Porém, conforme prosseguiu, seus olhos foram se acostumando ao breu.

    E, ao observar a grande lua cheia nos céus, começou a questionar a natureza daquele lugar. Seria realmente um local físico ou uma dimensão diferente? Se parecia com a ilha flutuante, então fora criado pelos Três? E tal qual a natureza dos Três, o lugar também seria complexo?

    Bem, o ar era respirável e o chão semelhante ao do seu mundo. Não enxergava nada de anormal, exceto ter entrado por um portão no meio do  nada e saído em outro lugar. Então o portão seria uma passagem ou atalho para aquele local? E, na verdade, a localização verdadeira era um segredo?

    Essas indagações permaneceram muito tempo em sua cabeça e fizeram esquecer do cansaço do corpo.

    Entretanto, quando a lua cheia estava no centro do céu, ela estava dando um passo a cada um minuto. Sua respiração estava mais pesada, seu corpo mais exausto, sua fome mais aguçada.

    — Eu vou desmaiar a qualquer momento — disse em voz baixa.

    Não sabia porque estava falando ao invés de apenas pensar, mas naquela altura não fazia sentido ficar pensando. Ela só queria mais forças para continuar subindo.

    Então mais um passo.

    E foi um passo em falso.

    Seu pé tropeçou na ponta do degrau estreito fazendo perder o equilíbrio. Seus olhos se arregalaram e suas mãos buscaram um apoio que não existia.

    Anayê se viu caindo enquanto os céus e a lua enchiam a visão.

    Ela rolou escadaria abaixo batendo as costelas e a perna na queda.

    — Arrghh!

    Soltou um grito de dor enquanto por instinto seus pés recuperaram o equilíbrio e conseguiram evitar que continuasse caindo.

    Ela ficou parada por alguns segundos com os olhos arregalados e o coração cavalgando no peito. Em seguida, caiu no chão, desmaiada pela exaustão.

    — Você deveria ter ficado em Skell, a cidade neutra — ela ouviu a voz do irmão na cabeça. — Não percebe quão tola é sua decisão? Se tornar uma ceifadora? Você?

    Mesmo inconsciente, as mãos de Anayê se fecharam em punho.

    — Por que você está insistindo? Você é fraca.

    Os olhos de pena de seu irmão apareceram em sua mente. Relembrando aquele sentimento de derrota típico de quando a olhava assim.

    Porém, ela firmou os pés.

    — Pare! Pare aí mesmo! Por que está fazendo isso? Por que continuar, se você vai fracassar?

    Anayê ficou de joelhos e abriu os olhos.

    — Porque eu escolhi — ela sussurrou em resposta à voz de seu irmão.

    A garota de olhos roxos se ergueu e fitou a escadaria. Devia ter caído uns vinte ou trinta degraus. Não importava. Tudo o que não queria era dar o gosto da derrota para Zafael. Nunca mais ia se render ao olhar de pena dele.

    Aquela voz na sua cabeça que guardara como uma lembrança de seu irmão não guiaria mais a sua vida.

    Um passo de cada vez, com muita dificuldade, e com mais cuidado, Anayê prosseguiu na sua subida.

    Sua mente divagou sobre muitos fatos e informações enquanto seu corpo reagia por puro instinto. Ela viajou para sua infância com os pais, pelo ataque devastador no seu vilarejo e a sua prisão pela mão dos maggs, e também pela vida maldita levada na fortaleza de Astaroth.

    Ao mesmo tempo, a subida estava se tornando mais íngreme. Em certo ponto, ela precisou começar a escalar as escadas, pois tudo tinha virado um grande paredão.

    Suas mãos doíam, seus pés reclamavam, suas costas machucadas.

    Outro imagem assaltava a mente de Anayê quando as dores e o cansaço vinham em doses mais fortes. O quanto Boyak persistiu. Fosse nas ruínas da lamentação onde conseguira combater aqueles amaldiçoados sozinho e ainda trazê-la em segurança, fosse confrontando a aberração invocada por Rom, ou mesmo na batalha contra o demônio do remorso.

    De algum modo, ele tirava forças para continuar.

    E ela havia colocado em sua cabeça que seria assim. Desde seu salvamento, ela desejava ser imponente e forte como aquele ceifador.

    E parecia a hora perfeita para provar seu ponto.

    Por isso, continuou subindo.

    Nesse período de inconsciência somado a persistência, ela perdeu realmente a noção do tempo passando. E só voltou a se dar conta quando alguns raios de sol surgiram por trás de si.

    — Subi a noite inteira… — ponderou com a voz fraca.

    De alguma forma, aquilo a deixou orgulhosa.

    Mas então percebeu outro fato mais importante.

    Chegara ao último degrau.

    Anayê projetou o corpo para frente e alcançou o topo da montanha.

    Logo depois, desabou no chão com a cara no chão.

    Pouco antes de se entregar à escuridão, ela sorriu.

    Havia provado seu ponto.

    O mestre apareceu em seguida com um jarro de água e alguns pedaços de pão. Estendeu um lençol e arrastou com cuidado o corpo da garota até lá. Depois, derramou gotas do fluido de oração nos ferimentos e aguardou.

    Assistindo o sol surgir no horizonte com Anayê desmaiada de cansaço, ele sorriu sem abrir os lábios. Recordou brevemente de Boyak desmaiado aos seus pés, mas com uma determinação semelhante.

    — Pois é, garoto estúpido, parece que você finalmente gerou uma boa semente — pensou.

    É muito bom ter você aqui!
    Espero que esteja curtindo a jornada de Anayê para se tornar uma ceifadora.

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