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    Anayê despertou assustada e se levantou rapidamente. Por um instante, pensara que havia caído pela escadaria de novo. Porém, ao olhar melhor ao seu redor, viu o mestre sentado ao seu lado e também um bocado de pães, mel e água numa mesa improvisada.

    Notou, inclusive, a falta das dores e do cansaço que haviam se apoderado dela durante o trajeto. A única coisa realmente persistente era a fome.

    — Seja bem vinda de volta — o mestre saudou.

    — Por quanto tempo eu fiquei…

    O mestre fez um gesto com a mão para parar.

    — Isso não interessa.

    Anayê assentiu.

    — Agora, como pode ver, concluiu a primeira tarefa do treinamento.

    Ela avistou um imponente templo erguido sobre a montanha, suas colunas maciças de pedra e mármore sustentando uma estrutura grandiosa. Belos vitrais, emoldurados por intrincados adornos, enfeitavam as laterais. Na entrada, uma abertura em arco se apresentava convidativa, enquanto no ponto mais alto, uma torre em formato de cunha se erguia desafiadora contra o céu.

    — Este é o templo do pergaminho sagrado. Aqui você vai passar boa parte do tempo aprendendo sobre as responsabilidades do ceifador e o seu relacionamento com os poderes do Deus sem face — ele fez uma pausa dramática. — Mas, por hora, seria bom apenas aproveitar a comida.

    — Santas palavras.

    Anayê se juntou à mesa, embora sentisse o corpo levemente mais pesado do que o normal. Em seguida, pegou pão e mel para comer, porém, resolveu perguntar.

    — Como você chegou aqui tão rápido?

    O mestre sorriu e respondeu:

    — Já foi o tempo em que eu precisava subir a escadaria. Hoje, sou apenas um guia para os novos ceifadores.

    — Todos os ceifadores precisam passar por isso? — ela perguntou de boca cheia.

    — Sim, mas só alguns necessitam aprender a comer de boca fechada — ele ironizou.

    — Desculpe.

    — A jornada dos ceifadores é muito parecida até certo ponto. Todos sobem a montanha de fogo, todos lutam contra a escadaria e todos comem o pergaminho sagrado para adquirir seu conhecimento.

    Dessa vez, Anayê esperou engolir o pedaço de pão para questionar:

    — E depois disso?

    — Treinar para controlar o fluxo de fluido de oração e transformá-lo em poder. Essa parte nunca tem fim. Há sempre trabalho a ser feito e poder a ser melhorado.

    — Está dizendo que tanto Boyak quanto Thayala ainda não estão usando o potêncial completo de seus poderes?

    O mestre assentiu e explicou:

    — Boyak é muito apressado e um pouco irresponsável com o uso do fluido. Às vezes, seu emocional impede de ver a situação com mais clareza. — O velho estalou as costas ao se mover na cadeira. — Thayala é o contrário. A dúvida constante em seu potencial impede de usufruir melhor do poder do fluido.

    — Então as emoções podem influenciar no quanto posso me tornar mais forte?

    — Quanto mais as suas emoções estiverem debaixo dos ensinamentos do Deus sem face, mais você entenderá o poder do fluido de oração. Lembra-se da luta contra o demônio do remorso?

    Ela assentiu.

    — No momento em que atacou a aberração, Boyak não tinha um pingo de fluido de oração no corpo.

    — Huumm… isso é verdade. Então, como ele conseguiu invocar o punho de Deus?

    — Porque ele precisava relembrar desse conceito básico que estou falando com você agora: as falhas não são o fim, os seus poderes são emprestados e, acima de tudo, o Deus sem face continua soberano.

    Anayê ficou calado por alguns segundos ponderando a respeito do assunto.

    — Os ceifadores são um instrumento da vontade dos Três Que São Um. Nós lutamos por uma causa maior do que nós mesmos, mas quando estamos debaixo da adrenalina e embriagados por nossas emoções corrompidas fica fácil esquecer disso.

    — Parece dureza.

    — Na realidade não é tão complicado. Existe sempre uma chance para reconstruir. Os ceifadores não estão sozinhos.

    Anayê assentiu. Havia lembrado disso durante a subida.

    — Bem, me parece que você está pronta.

    O mestre retirou do casaco um frasco com fluido de oração e entregou para ela.

    — Agora você pode beber novamente.

    A garota pegou o conteúdo e bebeu.

    O mestre se levantou e a acompanhou até a porta.

    — Vá, coma do pergaminho para aumentar o seu conhecimento.

    — Obrigado pela comida.

    Após o agradecimento, Anayê caminhou para dentro da gigantesca construção.

    O templo do pergaminho sagrado tinha um piso azulado com várias bandeiras amarelas nas paredes e vitrais com seus adornos. Ao fundo, num pequeno púlpito, havia uma cadeira de ouro ocupada por uma mulher vestida com trajes de seda e linho. Anayê nunca tinha visto nada tão elegante em toda a sua vida.

    — Seja bem vinda, Anayê do Vilarejo Primavera — disse a mulher. — É muito bom finalmente conhecê-la.

    A mulher morena possuía cabelos ondulados extremamente brilhantes e olhos claros como a cor do lago onde Anayê nascera.

    — Quem é você?

    A mulher abriu um belo sorriso com dentes perfeitamente alinhados.

    — Sou conhecida por muitos nomes.

    Ela se levantou, e Anayê notou que seus pés estavam descalços.

    — Alguns me chamam de conhecimento, outros de sabedoria. Quando querem ser mais específicos, a sabedoria antiga que estava com Deus quando ele desenhou este mundo. Os ceifadores gostam de me chamar de Pergaminho Sagrado, pois contenho mais do que conhecimento intelectual ou filosófico.

    Anayê estreitou os olhos.

    — Então… você é o Pergaminho Sagrado.

    A mulher se aproximou e tocou o rosto dela.

    — Sim, querida. Mas pode me chamar de Chokhmáh. Talvez seja o nome mais próximo de definir quem sou e o meu propósito através das eras.

    O templo era iluminado por várias tochas presas nas colunas por pendentes feitos de ouro.

    Chokhmáh se aproximou de um delas e assoprou com delicadeza fazendo a chama ficar mais forte.

    Anayê acompanhou tudo aquilo em silêncio. O ato de vislumbrar um ser de tamanha beleza estava sobrepujando seus objetivos.

    — Vocês são como uma tocha — a mulher falou com sua voz tranquila. — Por si só, não teriam uma serventia válida. Porém, quando receberam o sopro divino, se tornaram chamas para iluminar e guiar nas sombras deste mundo.

    Ela seguiu em frente, soprando sobre as tochas uma a uma. No final, a chama das seis tochas ao longo das seis colunas do templo, ardia com um brilho ainda mais intenso.

    — Agora resta soprar sobre a última chama.

    Chokhmáh se aproximou de Anayê, fitou seu rosto por um instante e então soprou.

    É muito bom ter você aqui!
    Espero que esteja curtindo a jornada de Anayê para se tornar uma ceifadora.

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