Capítulo 57 - Madeira, Palha e Aprendizado
Anayê repassou todos os movimentos de Arghus na mente enquanto percorria por suas falhas também. Infelizmente, não havia mais tempo, pois os poucos raios de sol estavam apressando sua análise.
Ela ajeitou o cabelo e secou o suor da testa, separou as pernas e se preparou para o ataque. Determinada, fitou o boneco de palha com semblante infantil a sua frente e concentrou sua energia nas pernas.
Avançou não tão rápido quanto das outras vezes, pois necessitava poupar sua velocidade no início.
Arghus fez uma careta de deboche como se aquela atitude não fosse dar resultado e então utilizou o mesmo movimento, aparecendo atrás da moça.
Era exatamente isso que Anayê esperava.
Imediatamente, espalhou a energia espiritual para o corpo inteiro e sentiu o fluido aquecendo seus membros.
O boneco de palha desferiu seu famoso chute enquanto Anayê girava em torno do próprio corpo. Ela deu um pequeno passo para o lado sentindo a perna de madeira passar raspando pelo rosto e, em seguida, seu braço avançou e tocou na perna de Arghus.
O boneco pareceu surpreso e ficou sem entender por alguns segundos o que havia acontecido. Ele deu um salto para trás com a perna ainda erguida e se afastou de Anayê.
Ela cruzou os braços e, ao mesmo tempo, exibia um sorriso irônico de orelha a orelha.
Chokhmáh se levantou da cadeira e aplaudiu.
— Muito bem, muito bem, garotinha.
Mas Anayê continuava direcionando seu olhar debochado para Arghus.
— Isso foi um raciocínio muito interessante — Chokhmáh continuou. — Utilizar o movimento do adversário a seu favor é um truque excelente.
— Obrigada — a voz dela carregava a ironia que havia no olhar.
O sol sumiu diante deles e uma breve escuridão tomou todo o cume da montanha até as tochas nas colunas do templo se acenderem sozinhas.
— Você foi… espertinha — Arghus admitiu.
Anayê fez uma mesura.
— Agora devemos descansar um pouco antes do próximo treinamento.
Chokhmáh acompanhou a garota para dentro do templo e Arghus as seguiu. Lá dentro, havia um grande tapete felpudo forrado com travesseiros e lençóis e uma mesa com frutas frescas e variadas.
Anayê se aconchegou em um canto a pedido do pergaminho sagrado e também se serviu de um cacho de uvas. Embora estivesse ali, sua mente continuava fervilhando com a luta. Ela queria tomar mais um frasco de fluido de oração e partir para o treinamento seguinte. No entanto, considerando que quase ficara cega com o uso da substância, provavelmente deveria ficar longe dos frascos por um tempo.
E isso realmente aconteceu.
Arghus ficou encarregado de ensiná-la mais movimentos de luta e conceitos de percepção. O boneco de palha também explicou como deveria olhar ao seu redor para usar o terreno a seu favor na luta e a importância de economizar energia.
— Nunca use sua arma principal de primeira ou um golpe especial na primeira oportunidade — Arghus falou. — Se esgotar em uma batalha é a receita para uma morte rápida.
Anayê aprendeu os principais passos no combate contra as aberrações.
Primeiro, devia sondar o rival, mesmo sendo uma aberração de nível inferior. Verificar se estava sozinho ou se tinha alguma habilidade guardada.
Segundo, devia fazer o bom uso do fluido para não esgotar sua energia. Por isso, o conselho para evitar ataques poderosos demais no início do confronto.
— Testar seus ataques mais simples e ver como seu rival vai reagir. Ele não sentiu o impacto da sua técnica? Então suba o nível de forma adequada.
Arghus também usava a luta entre eles como exemplo. Argumentando sobre os pontos onde Anayê acertara, onde tinha errado e onde tinha perdido muito tempo.
— Em uma batalha, você precisa prever os movimentos e técnicas dos inimigos mais rápido. E usar esse conhecimento para vencer, porque esquivas infinitas não vencem batalhas. Lembre-se, quanto menos energia precisar usar, mais eficiente será sua vitória.
Quando já estava bem tarde, Chokhmáh dispensou Anayê para retornar a sua cabana no pé da montanha. Ela recebeu um frasco de fluido de oração para ser usado no dia seguinte quando subisse o monte.
A garota mal chegou a sua casa nova e desabou na cama de tanto sono e cansaço. Mais tarde, descobriria que esse era mais um preço do fluido de oração.
Anayê acordou num pulo, pois pensara ter dormido demais. Mas não era verdade.
Ela se levantou, tomou um banho e fez uma leve refeição da manhã.
Logo depois, voltou para seu arremesso com a adaga durante uma hora. Infelizmente, não obteve sucesso e sua mira permanecia péssima.
Desconfiou por conta da ausência do mestre, mas depois de esperar por um longo tempo, resolveu subir a montanha.
Tomou o fluido e começou a subida, mas dessa vez, valendo-se dos ensinamentos de Arghus para economizar energia.
Ela chegou ao topo menos cansada e constatou que não havia gastado todo o fluido em seu corpo. Ficou satisfeita com esse resultado.
— Seja bem vinda mais uma vez, Anayê — Chokhmáh cumprimentou em seus trajes finos e coloridos. — Vejo alegria em seu rosto esta manhã.
— Acho que estou evoluindo — Anayê confessou.
— Gosto dessa confiança.
— O poder do Deus sem face nos faz sentir confiantes.
— É uma verdade, mas não é toda a verdade. Sempre coloque a sua confiança no fato de que os três estão com você. Eles não são o poder, mas têm o poder.
Anayê assentiu.
— Como vai, garota violeta? — Arghus apareceu com o braço de madeira erguido.
— Olá, garoto estranho.
— Hoje temos um novo treinamento — Chokhmáh disse. — Uma queda… de corpo.
Anayê franziu o cenho.
— O objetivo do treinamento de ontem era desenvolver tanto a sua habilidade de distribuir a energia espiritual pelo seu corpo quanto usufruir dela para aumentar a sua velocidade. Hoje, no entanto, vamos treinar a sua força.
— Hã… certo.
— Por favor, se posicione em frente ao Arghus.
Ela obedeceu e fitou o semblante tranquilo do boneco de palha. Não pensara ter que encarar aquilo outra vez tão cedo.
Arghus estendeu a mão e Anayê a agarrou.
— Vence o primeiro que derrubar o outro no chão apenas com uma mão — Chokhmáh explicou. — Mas o perdedor vai precisar fazer cinquenta flexões.
Anayê não gostou dessa parte. No treino anterior, ela quase perdera, mas por conta do tempo, sua vitória acabou chegando antes do castigo. Agora, entretanto, era questão de força ou agilidade.
— Se perder terei outra chance? — ela questionou.
— Mas já está pensando em perder? — Arghus zombou.
— É uma hipótese.
— Sim, se aguentar depois das flexões, poderá tentar quantas vezes quiser — Chokhmáh respondeu.
“Então o treinamento não é apenas sobre a força para derrubar o rival”, ela pensou. “É também a força do meu corpo para resistência.”
O fluido de oração estava pulsando em seu corpo como se fosse as batidas do seu coração. Ela ajeitou o cabelo com a mão livre e encarou Arghus com determinação.
“Só preciso ser mais rápida.”
Não ia cometer o erro de subestimar a força do oponente, pois o boneco de palha já se mostrara muito eficiente em velocidade. E, provavelmente, não estaria ali sem ter força necessária.
— Está pronta? — Arghus perguntou.
Anayê assentiu.
A mão de Chokhmáh subiu e ficou no ar por alguns segundos.
O fluido de oração percorreu o braço de Anayê trazendo força e energia consigo. Ela agarrou a mão de Arghus com firmeza e sentiu a mesma pegada ferrenha vinda dele.
Os olhos de ambos brilharam com uma competitividade amistosa.
O braço do pergaminho sagrado desceu.
— Comecem!
É muito bom ter você aqui!
Espero que esteja curtindo a jornada de Anayê.
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