Índice de Capítulo

    Chokhmáh colocou a mão no queixo e falou:

    — Isso foi… inesperado.

    Anayê ainda estava surpresa. Se aproximou da adaga e a segurou com cautela temendo uma nova onda de vento. Aquilo havia sido um pouco assustador para ela. Quase podia sentir a pele esquentando no cabo da lâmina.

    — Eu fiz isso? — ela perguntou.

    Chokhmáh assentiu e acrescentou:

    — Parece que sua adaga possui uma habilidade especial para derrotar aberrações. Quando imbuída com sua energia espiritual ela consegue emitir esses cortes que empurram até mesmo o ar, criando rajadas de vento.

    Anayê fitou a lâmina novamente um tanto incrédula. Como podia uma arma tão comum fazer aquilo?

    — A questão vai ser controlar esse poder sem nos deixar aleijados — disse Arghus.

    Anayê lançou um olhar cínico para ele.

    — Isso virá em breve. Ela tem tempo — retrucou Chokhmáh — Mais importante é continuar treinando.

    Anayê assentiu e segurou o cabo da lâmina com firmeza. Pensou em enviar uma dose menor de sua energia para a adaga, talvez assim pudesse controlar as rajadas de vento.

    Arghus tocou a árvore e as folhas caíram.

    Anayê fez conforme o planejado e, dessa vez, sentiu um pequeno choque subindo pelo punho. 

    Balançou a arma uma vez para acertar as folhas, porém, o resultado foi diferente. O golpe da adaga gerou uma rajada grande que desintegrou as folhas e deixou uma marca na árvore no local atingido.

    Anayê arregalou os olhos e tampou a boca com uma das mãos.

    — Ei! Cuidado aí! Eu estou bem aqui embaixo — Arghus reclamou.

    — Desculpe — ela falou entredentes.

    — Está tudo bem, minha querida — Chokhmáh tranquilizou. — Essa árvore aguenta o tranco… e o Arghus também.

    O boneco de madeira olhou desconfiado para o pergaminho sagrado sem entender bem o significado dessa frase.

    Anayê concordou com a cabeça e se preparou para outra tentativa.

    Arghus tocou a árvore, as folhas desceram e a garota de olhos roxos atacou.

    A rajada de vento veio menor, mas com a mesma intensidade e deixou as folhas em pedacinhos.

    Anayê segurou o cabo da arma com firmeza ponderando onde estava seu erro.

    — Por que você não tenta cortar as folhas sem seu poder para começar? — Arghus perguntou.

    Anayê estava prestes a falar, no entanto, foi interrompida por Chokhmáh.

    — Arghus, esse é o momento dela. Permita a garota encontrar seu próprio caminho. Apenas ela tem o poder da adaga, portanto, será inútil opinar sobre algo que pertence apenas a ela.

    — Tudo bem, me perdoe, senhora. Acho que me excedi no comportamento.

    — Caso ela queira, poderá pedir a sua ajuda — Chokhmáh inteirou.

    Arghus balançou a cabeça.

    De certa forma, Anayê se sentiu feliz. Depois de Boyak e Thayala, a satisfação sempre emergia quando ela era vista, defendida e ouvida.

    Além disso, imaginar que era capaz de resolver uma dificuldade por conta própria tinha seu charme. O fato da adaga ter sido forjada para si também contava muito e a frase de Chokhmáh a respeito do poder da adaga lhe pertencer ficaria em sua mente por um longo tempo.

    — Você pode tentar outra vez, se quiser — Chokhmáh falou. — Você pode pensar também até adquirir uma estratégia que te pareça melhor.

    — Obrigada. Gostaria de tentar mais uma.

    — A seu pedido, mileide — Arghus disse.

    As folhas despencaram e Anayê disparou, mas obteve o mesmo resultado.

    Ela pediu nova tentativa e procurou imbuir ainda menos da sua energia espiritual gerando uma rajada de vento menor, mas com intensidade maior.

    “Isso não faz o menor sentido”, ela pensou. “Basta…”

    Então uma ideia surgiu em sua mente.

    — Mais uma vez, por favor, Arghus.

    Quando as folhas vieram, ela arremeteu e a rajada saiu. Porém, desta feita, o poder não passou de sopro de vento que sequer balançou as folhas.

    Anayê coçou a cabeça. Havia mudado a estratégia equiparando a energia espiritual com a sua voracidade de acertar as folhas.

    “Eu estou perto”, ponderou.

    — Outra vez.

    Se concentrou um pouco quando as folhas começaram a cair. A energia espiritual fluiu por seu braço, encontrou a lâmina e causou um formigamento em seu braço por alguns segundos. 

    Em seguida, disparou para o alvo e dedicou uma intensidade de pensamento mais suave sem o seu ímpeto costumeiro. Antes, estava agindo como se acertar as folhas fosse o fim do mundo e agora procurava um caminho intermediário entre a calma de quem é bom de mira e a ferocidade apenas para alcançar seu objetivo.

    Quando ela cortou, uma rajada de vento em diagonal investiu e rasgou todas as folhas em duas partes.

    Anayê observou seu feito com um sorriso no rosto.

    Chokhmáh piscou e retribuiu o sorriso.

    ***

    Anayê pediu para continuar praticando sua habilidade especial e Chokhmáh permitiu enquanto Arghus não ficou muito feliz com a ideia de permanecer tocando na árvore, mas se interessou no modo como a garota tentava adaptar o corte.

    Quando o sol estava no centro do céu, Chokhmáh retornou e eles foram fazer uma refeição com carne, mel, pães e sopa de legumes.

    Enquanto comia, Anayê observava Arghus sentado de pernas cruzadas ao lado de Chokhmáh. Então tomou coragem para perguntar:

    — Por que você não participa da refeição?

    — Um boneco de madeira não precisa de comida.

    — Não é necessário, mas também não é proibido.

    Arghus bufou porque se sentia bobo quando subestimava a inteligência daquela garota.

    — E então? — ela provocou erguendo a sobrancelha.

    Arghus mexeu a língua na boca, nitidamente incomodado.

    — Não gosto da comida humana.

    — Por que não?

    — Tudo é muito estranho para mim.

    Anayê deu de ombros e mastigou mais um pedaço de carne.

    — Você é estranho para mim — ela resmungou entre uma mordida e outra. — Mesmo assim, acho você uma pessoa bacana.

    Ele se mexeu novamente, pois não esperava essa afirmação.

    — Então, talvez deva dar mais uma chance para a comida humana.

    — Quem sabe… — ele falou.

    — Pode ser que dessa vez você goste.

    Arghus soltou um sorriso sem abrir a boca.

    — Às vezes, a sua astúcia me impressiona.

    — Oh! — os olhos roxos reluziram com sagacidade por um momento. — Muito obrigada. Isso foi um elogio?

    — Tá, não abuse da sua sorte.

    — Que tal dizer o quanto estava boquiaberto com as minhas tentativas com a rajada de vento cortante?

    Arghus deu um riso sarcástico.

    — Estava na sua cara — Anayê insistiu. — Seus olhos brilhavam de admiração com a minha habilidade e criatividade.

    — Por acaso, você está se ouvindo? — ele fez um movimento com o dedo ao redor do ouvido. — E que porcaria de nome é rajada de vento cortante?

    — Foi assim que nomeei a minha habilidade especial. Se o Boyak tem o punho de Deus e a Thayala tem as adagas de vento, então eu também preciso de um nome.

    — Você é péssima nesse negócio de nomes.

    — Espere até ouvir o apelido que inventei para você. Ah! Ah!

    Arghus arregalou os olhos.

    — Como assim você inventou um apelido?

    — Já te disse, faço isso o tempo todo.

    Na verdade, ela não fazia. Tudo o que queria era deixar o boneco de palha irritado. E, sem consciência da razão pela qual fazia isso, não se dava conta de estar seguindo os passos de seu salvador das terras de Astaroth.

    É muito ter você aqui!
    Espero que esteja curtindo a jornada de Anayê para se tornar uma ceifadora.

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