Índice de Capítulo

    Anayê acordou num salto. Primeiro, notou uma mesa destruída e vários utensílios quebrados no chão, inclusive uma pintura que fizera junto com a mãe. Ela franziu o cenho se perguntando onde estava.

    Segundo, percebeu o rosto molhado. Havia chorado recentemente. Por quê?

    Ela se colocou sobre os pés e sentiu a bochecha esquerda arder.

    “O que está acontecendo?”, indagou na mente enquanto as batidas do coração ficavam mais rápidas.

    Terceiro fato, constatou que era criança novamente e, ao identificar isso, engoliu a saliva.

    “Estou dentro de um sonho ou de uma memória?”, pensou se segurando para não estremecer.

    As duas coisas, algo falou em sua cabeça.

    Ela correu, atravessou os itens destruídos e capturou de soslaio um colar feito de pérolas pertencente ao seu pai caído no chão. Alcançou a porta e seus olhos se esbugalharam com a visão.

    Maggs com suas armaduras empunhando espadas matavam seu povo. Viu o líder da aldeia sendo empalado e sua melhor amiga — qual era mesmo o seu nome? — levando um soco no rosto. Outro magg lançava uma tocha pela janela da casa da senhora Illuzia que costumava fazer bolos deliciosos.

    A mão de Anayê se moveu até o seu peito, pois parecia que seu coração pularia para fora a qualquer momento.

    — Anayê! — alguém gritou chegando às raias de esgoelar a garganta.

    Seus olhos se desviaram para um palco que ficava na praça central da aldeia. Aquele local marcava o centro do vilarejo e também abrigara recentemente a festa do solstício de verão.

    Ali todo o povo deixava fitas coloridas como votos para comemorar a chegada do verão e desejar uma colheita próspera.

    No entanto, os maggs haviam arrancado as fitas, destruído a fonte de água e pendurado várias das vítimas.

    — Corre!

    Junto ao maggs na praça, enxergou uma jovem pálida com longos cabelos pretos que formavam uma bela franja em sua testa. Seus olhos e lábios pequenos e nariz afilado desenhavam uma aparência jovial e quase perfeita.

    Aos pés da garota, Anayê viu sua mãe. O rosto machucado com um grande corte no olho e os dentes da frente quebrados.

    A jovem pálida segurava os cabelos da mãe de Anayê com muita firmeza enquanto sua mãe tentava se livrar.

    — Foge, Anayê! — ouviu a voz desesperada gritar.

    Porém, a cena seguinte fez a força das pernas de Anayê fugirem.

    A parte esquerda do rosto da menina começou a derreter e conceber a metade de outro rosto igualmente pálido e com dois olhos fazendo a intersecção entre eles.

    Uma lágrima escorreu pelo rosto de Anayê diante do horror.

    Agora havia a metade de dois rostos, com quatro olhos e duas bocas, e uma pele repuxada formando a ligação.

    A garota pálida ergueu sua mãe pelos cabelos e abriu as bocas. A cena relembrou a Anayê uma cobra alongando as mandíbulas para comer.

    Anayê fitou o olhar amargurado de sua mãe e soube que aquele era o fim.

    Mas então sentiu as mãos fortes e grandes de um magg agarrarem seu pescoço e, em seguida, seu corpo foi arremessado contra a parede.

    As costas e a parte de trás da nuca arderam, mas ela mordeu os lábios e buscou sua mãe. O monstro, no entanto, tomou toda a sua visão e desferiu um chute no seu rosto.

    “Mãe! Mãe! Eu não posso deixar”, sua mente lutou pela consciência.

    Seus olhos procuraram pelos volumosos cabelos de sua mãe, mas a praça completa estava fora da sua visão e quando tentou se levantar, o magg acertou seu estômago gerando um grito de seus lábios.

    “Mãe..”

    As lágrimas brotaram. Seus dedos se fincaram no chão. Seus pés ajudaram seu corpo a se arrastar.

    — Você é do tipo teimosa, hein — ouviu o magg dizer.

    Ele se abaixou para pegá-la outra vez e Anayê desferiu um chute no peito do monstro, mas a criatura pareceu nem sentir. Pegou a garota e jogou sobre os ombros como se fosse um pedaço de graveto.

    Anayê gritou e esperneou, bateu e mordeu. De nada adiantou.

    “Preciso salvar a minha mãe”.

    Lançou um olhar para o palco no centro da praça e o peito flamejou ao perceber que não havia mais vestígios de sua mãe.

    “Não pode ser, não pode ser, não pode ser”. E ficou sussurrando essa frase com os olhos cheios de água.

    Quando o magg a prendeu junto com outros jovens de sua aldeia, Anayê estremecia como uma folha ao vento. Em sua mente, a cena da garota pálida passando pela bizarra mutação estava se alongando e ela imaginava as bocas se alimentando do rosto de sua mãe.

    — Não pode ser!

    Quando seu pulmão inflou para sugar o ar, ela tossiu e vomitou um pouco de sangue. Então ouviu os choros e lamentos ao seu lado, notando o quão terrível era tudo. Alguns rostos conhecidos estavam ali, e todos compartilhavam do mesmo sentimento. Um menino que ela vira colocar a fita na praça agora jazia morto nos braços da irmã mais velha. Outro segurava o cotovelo quebrado e um terceiro havia tapado um buraco no olho com um pano sujo.

    — Não pode ser! — Anayê gritou.

    — Cale essa boca!

    Um magg veio, deu um soco em seu rosto e o gosto de sangue subiu em sua boca novamente.

    Mas o torpor de sua angústia não fazia com que sentisse completamente a dor. Sua boca ferida só seria um problema mais tarde durante a alimentação.

    — Para com isso!

    Outro jovem se levantou e tentou atacar o magg, mas o monstro apenas empunhou a espada e matou o coitado como se fosse nada.

    — Alguém mais quer morrer?

    Ele fizera a pergunta com um sorriso doentio no rosto.

    Anayê fitou o sangue do jovem escorrendo e afastou os pés para não tocá-lo. 

    De repente, foi tomada por um intensa letargia que levou sua mente de volta para a cena da morte da mãe e para o monstro esquisito.

    “Que tipo de demônio era aquele?”, todo o seu corpo vibrou só de pensar.

    E voltou a chorar porque era a única coisa que trazia algum alívio.

    “Isso não pode ser verdade, deve ser sonho”, ela pensou e colocou toda a sua energia naquele pensamento como se fosse uma espécie de mantra capaz de fazê-la acordar do pesadelo.

    Fechou os olhos, mas ao abri-los ainda estava presa junto aos outros.

    Repetiu o processo e obteve o mesmo resultado.

    “Tem que funcionar! Tem que funcionar”.

    E tentou mais uma vez.

    De repente, houve silêncio. O choro e os lamentos cessaram e sobraram apenas os sons de sua respiração ofegante e o compasso veloz de seu coração.

    “Deu certo?”, ela se perguntou, mas tinha medo de abrir os olhos e retornar ao seu vilarejo massacrado.

    Abriu um dos olhos, devagar. 

    “Por favor…”

    Enxergou a coluna de um templo e, logo depois, viu Arghus se aproximando.

    — Ela está acordando!

    É muito bom ter você aqui!
    Espero que esteja curtindo a jornada de Anayê para se tornar uma ceifadora.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota