Capítulo 69 - A Curandeira do Ribeiral
Anayê estava prestes a entrar na casa onde ficaria hospedada durante sua estadia em Ribeiral quando Fenrir disse:
— Aquilo que você fez… foi impressionante. Obrigado.
Ela se reconheceu nele. Olhava para Boyak exatamente da mesma forma, com o semblante esculpido da gratidão. Então assentiu e entrou.
A casa onde estava hospedada era simples e organizada. Um cômodo com cama, mesa, armário pequeno e local para tomar banho.
Ela se adiantou em arrumar seus pertences o mais rápido possível. Mas antes de terminar, ouviu alguém batendo na porta. Ao atender, viu uma menina negra aparentando ter oito ou nove anos de idade, usando um vestido que mais parecia um saco de pano. Ao lado dela, estava o menino curado por Anayê quase meia hora atrás.
— Moça, foi você quem ajudou o meu amigo Ezec?
Os olhos caramelos da menina fitavam Anayê com grande expectativa.
— Sim, fui eu.
A menina cutucou Ezec e sussurrou:
— Vá, peça para ela.
— Você pode ajudar a mãe dela também? — ele perguntou.
— Sim, igual você fez com ele — a pequena assumiu a fala. — Ezec ficou perfeito! Ele não me reconhecia mais e chorei muito porque somos amigos. Amigos desde que encontramos morcegos na floresta juntos. Sabe, eu gosto de morcegos, acho todos eles muito engraçados. Então descobri que Ezec também gostava deles e ficamos amigos, de verdade. Pode perguntar para ele, se quiser.
— Sim, ela está contando a verdade.
— Acredito em vocês.
— Então, você pode ajudar a mãe dela, por favor — Ezec pediu.
Anayê esboçou um sorriso sem abrir os lábios.
— Me mostrem onde ela está.
E os dois levaram a ceifadora até uma casa que ficava ao lado de um grande carvalho com troncos parrudos e folhas murchas. A menina, chamada Ailu, agradeceu durante todo o caminho e contou outras curiosidades a respeito de morcegos, como o fato de serem noturnos e vegetarianos.
Anayê usou uma gota do fluido tal qual fizera anteriormente e imediatamente a mãe da menina abriu os olhos. Ailu soltou um grito de felicidade e pulou em cima da mulher que ainda estava desnorteada com a situação.
Ailu fez questão de explicar tudo desde a chegada de Anayê, a cura de Ezec, o pedido deles e a cura de sua mãe.
Bastou Anayê pisar os pés fora da casa de Ailu para outras três pessoas aparecerem pedindo ajuda. Ela os acompanhou e curou mais pessoas afetadas pela doença.
E quando saiu da terceira casa, havia quase uma dúzia de moradores.
— Ailu nos contou tudo — um deles disse.
Anayê seguiu cada um e usou o fluido para restaurar a saúde dos doentes. Muitos pareciam quase mortos com uma respiração fraca, o corpo magro e manchas cinzentas por toda a pele. Outros possuíam apenas sintomas leves da doença como fraqueza e manchas cinzentas pequenas.
E depois de uma cura, mais pessoas apareciam.
Até que ouviram uma voz no meio da multidão logo após Anayê ajudar uma família inteira – pai, mãe e dois filhos.
— O que está acontecendo?! Por que estão fora de suas casas?!
Ela reconheceu a voz. Era o sujeito que a recebera mal na entrada do Ribeiral. Ele abriu caminho pela multidão e fechou o cenho ao enxergá-la.
— Humpf! Você…
Ele mastigou como se houvesse comida na boca.
— Ela está nos ajudando — declarou alguém na multidão.
— Sim, curou meu pai e meu irmão — revelou outra.
— A curandeira do Ribeiral! — berrou uma voz masculina.
Wliff e Anayê estavam ficando vermelhos, embora por motivos diferentes.
— Quem te deu o direito de fazer essa bagunça?
Antes mesmo de abrir a boca, Anayê foi interrompida por Ezec:
— Fui eu que espalhei a informação.
— E eu também! — bradou Ailu do outro lado. — Minha mãe voltou a si depois que ela usou o poder do fluido.
— Vocês são apenas crianças — Wliff retrucou. — Não sabem nada sobre os poderes desse mundo. — E se virou para a multidão enquanto erguia as mãos e aumentava o tom de voz. — Escutem! Todos vocês! Não sejam tolos. Anteriormente já havia falado a respeito dos ceifadores e suas artimanhas. Pode parecer que estão ajudando nesse momento, mas amanhã essa caridade cobrará seu preço. Não sabemos de onde vem seus poderes e nem se essa magia também nos prejudicará no futuro.
— E você tem alguma ideia de como nos curar, Wliff? — questionou uma voz feminina com autoridade.
Ele fitou a multidão e encontrou Zátia de braços cruzados.
— Por trás da sua fala não existe apenas preocupação genuína, existe? Sabemos seus motivos reais, Wliff.
— Se sabem, então deveriam concordar comigo.
— Não deixe que sua mágoa te cegue. Ribeiral precisava dos ceifadores. E aqui está a prova — apontou para os presentes, inclusive para seu irmão Ezec.
Wliff deu de ombros.
— Depois não digam que eu não avisei.
Olhou para Anayê e ela não soube se via desprezo ou raiva.
— Quando chegar a hora, eu não vou te poupar por ser mulher — Wliff disse.
— Com licença, pessoal. Com licença, por favor — era Fenrir.
Mal tinha passado pela multidão e deu de cara com Wliff. Os dois se encararam por um instante curto.
— E isso tudo é culpa sua — Wliff cuspiu no chão e foi embora.
Fenrir não pareceu se importar e se voltou para Anayê perguntando se estava bem. Ela assentiu.
— Está bem, meu povo — ele falou. — Já está escurecendo. A ceifadora Anayê irá ajudá-los pela manhã. Por enquanto, peço que fiquem em suas casas.
Entre murmúrios e comentários, a multidão se dispersou. Zátia fez um aceno para a ceifadora quando foi embora e chamou Ezec para casa. Ailu também desapareceu com eles, deixando apenas Anayê e Fenrir para trás.
— O que você fez pelo meu povo foi maravilhoso — disse com um tom levemente emocionado.
— Por que Wliff me odeia? Na verdade, por que odeia os ceifadores?
Fenrir coçou a cabeça e contou:
— Por causa do pais dele. Quando Wliff era um adolescente, Celina, sua mãe, contraiu uma doença que ninguém em Ribeiral conseguia entender. Desesperado, Gliff, seu pai, procurou a ajuda de um ceifador que veio até aqui e ajudou a reverter a doença de Celina. Porém, para surpresa de todos, Celina fugiu com o ceifador um mês depois.
Anayê estreitou as sobrancelhas.
— É verdade — Fenrir afirmou percebendo o espanto dela. — Gliff não se conformou com a situação, sempre jurando que a mulher havia sido enfeitiçada pelo ceifador. Era mais fácil acreditar em magia ao invés de crer na escolha espontânea de Celina de deixar o marido. Bem, Gliff soube da localização dos dois, perseguiu a mulher e confrontou o ceifador, o que resultou em sua morte.
Anayê baixou a cabeça por um segundo tentando processar o absurdo da história. Um ceifador saindo com uma mulher casada e matando um homem inocente. Imaginou se tivesse encontrado um ceifador desse tipo ao invés de Boyak.
— Desde então, Wliff odeia os ceifadores e qualquer tipo de magia. Ele não consegue separar uma pessoa ruim de uma classe inteira. E é impossível argumentar com ele.
— Acho que faz bastante sentido agora.
Anayê voltou para a casa onde estava alojada com a história na cabeça. Será que algum dia cometeria um erro tão terrível a ponto de prejudicar a opinião das pessoas a respeito dos ceifadores? E o que poderia fazer para mudar a cabeça de Wliff?
Quando deitou para dormir, concluiu que bastava continuar realizando seu trabalho. Talvez, depois de ajudar Ribeiral, Wliff pudesse vê-la diferente.
É muito bom ter você aqui!
Espero que esteja curtindo a primeira missão de Anayê como ceifadora.
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