Capítulo 81 - A Aluna e O Mestre
O breu ainda dominava o mundo quando Anayê se levantou e se arrumou para sair. Desde a confissão de Miriã sobre as outras crianças, sua mente não descansara e nem permitira pensar em outro assunto. Então, foi um longo dia em que ela reuniu informações, separou suprimentos e frascos com fluido de oração, tudo secretamente.
Miriã contara a respeito do local, penhascos semelhantes a bicos quebrados e uma caverna entre eles.
O mestre e Finney achavam ser os picos quebrados em Brakivad. E essa era a pista necessária para Anayê começar a sua busca.
Conseguira um velho mapa com as fronteiras de Skell e Brakivad. Em alguns dias, estaria no reino vizinho e, poderia encontrar os picos quebrados apenas perguntando para as pessoas ou em uma taverna. Essa era a parte fácil.
Assim que pisou o pé fora da casa e procurou por Juno, ouviu uma voz conhecida soando ao seu lado e tomou um susto.
— Pensando em sair sem se despedir?
Era o mestre.
— Você… sabia? — ela franziu o cenho.
O velho estava sentado na sua típica cadeira de balanço com o cajado repousado nos joelhos.
— E você estava mesmo disposta a ir para um reino desconhecido sozinha para enfrentar um bando de maggs?
— Aquelas crianças precisam de ajuda — Anayê falou, erguendo a voz.
— Eu nunca neguei isso.
— Mas parece que sim.
— A sua interpretação sobre alguém não a torna fato.
— Você quer me impedir de ajudá-las! — ela não poupou a autoridade no tom.
— Ora, me diga, quantos maggs você acha que tem lá?
Anayê abriu os braços e disse:
— Isso é importante?
— Será que você já se esqueceu do seu treinamento?
— Os maggs são uns fracotes, eu basicamente acabei com eles em um piscar de olhos. E nem precisei usar a rajada de vento cortante.
O velho riu com ironia.
— Realmente, apagaram da sua memória todo o meu ensinamento.
Ela sabia do que ele estava falando. É óbvio que se lembrava: jamais subestime seu oponente.
Enquanto ainda pensava, o cajado do velho voou em sua direção com velocidade insana e ela se esquivou mais por instinto do que por percepção. Seus joelhos deslizaram na grama para aparar sua queda e seus olhos se voltaram para o mestre.
O bastão simplesmente fez uma volta no ar e retornou para as mãos do velho.
— O que… foi isso?! — ela indagou se colocando em pé.
Não houve resposta, mas o cajado arremeteu na sua direção outra vez. Seu corpo girou no ar e o objeto passou por baixo a poucos centímetros. O mestre fez um simples gesto de mão e o bastão disparou contra ela. Anayê saltou para a direita e depois para a esquerda quando o objeto retornou.
— O que significa isso?!
Silêncio.
O cajado fez uma finta, porém, as mãos de Anayê foram mais rápidas e agarram-no. Seus olhos caíram sobre o velho em desafio.
— E então?
O mestre usou as duas mãos e fez um gesto como se estivesse puxando o ar. Anayê sentiu uma força se contrapor à sua e tentar arrancar o objeto de suas mãos. No entanto, ela não largou o bastão e reuniu sua energia para segurá-lo.
Por um momento, enxergou surpresa nos olhos do velho sentado na cadeira e isso foi suficiente para enchê-la mais coragem.
Sua coragem, entretanto, não era o bastante, pois seus pés começaram a ser arrastados na direção do mestre. Ela tentou firmá-los no chão, mas eles deslizaram através da grama e da terra formando uma marca no solo.
Anayê teve uma ideia. Invocou sua adaga para a mão direita e segurou o bastão com a esquerda, reuniu toda a sua energia espiritual e fincou a sua lâmina no chão. O cajado forçou seu ombro e os músculos dos seus braços, mas ela não soltou.
O cabo de guerra invisível finalmente encontrara um equilíbrio, pois o bastão estancara na metade do caminho entre Anayê e o mestre.
A garota juntou os dentes e, mesmo começando a sentir os nervos arderem, reuniu energia para mirar o velho e sorrir. Porém, só conseguiu sustentar seu olhar de desafio um momento porque em seguida vislumbrou uma aura esverdeada aparecendo em torno dele.
A energia espiritual? Até então jamais tivera a oportunidade de enxergar a aura do mestre, nem mesmo durante os treinamentos. Devo estar sonhando.
De repente, o bastão contraiu com violência e o braço dela não suportou a dor e largou o cajado.
O ato seguinte foi questão de segundos.
Anayê lançou mão da adaga e se impulsionou contra o objeto, conseguindo alcançá-lo e estancá-lo a três metros da cadeira. Contudo, não havia possibilidade de mantê-lo.
Seu rosto se encheu de suor, seus braços começaram a tremer e seus pés voltaram a deslizar.
Anayê invocou sua adaga novamente. Soube que não poderia sustentar o bastão com uma mão, mas ela necessitava apenas de um segundo. Quando a lâmina surgiu, ela lançou-a contra o velho que arregalou os olhos. A ação durou tempo suficiente para que ela agarrasse o bastão e, usando toda a sua força, fincasse-o no chão.
A adaga acertou a parede atrás da cadeira.
O mestre a fitou, intrigado.
— Entendo… sua intenção não era me acertar, apenas me distrair.
Anayê abriu um sorriso debochado.
— Humpf… me lembrei de quando você chegou aqui. Assustada, intimidada, silenciosa.
A recordação também acometeu a mente dela.
— Agora você está aí, discutindo e questionando as minhas decisões.
O mestre firmou os joelhos e se levantou, caminhando até ela.
— Está bem — ele disse retomando seu bastão.
O velho se virou rumo à casa.
— Antes de partir, tenho algo para você.
Ela seguiu-o até um dos quartos da casa onde ficou surpresa ao ver Fenrir. Ele estava sentado na cama descascando uma laranja.
— Olá — ele disse de modo tímido.
— É bom vê-lo outra vez.
Fenrir assentiu.
— Ele retornou pela manhã, mas passou algum tempo na ilha flutuante com os três — o mestre explicou.
— Então, isso quer dizer que…?
— Sim, temos aqui um novo ceifador — o mestre revelou.
— Isso é ótimo! — Anayê disse. — Meus parabéns.
— Obrigado. Eu… ainda não sei como reagir a tudo isso.
— Você vai se sair bem — ela garantiu.
— Eu concordo com Anayê.
— Obrigado pela gentileza.
— Mas ainda não acabou — o mestre falou. — Ele irá te acompanhar até Brakivad.
Anayê franziu o cenho.
— Vocês vão salvar as crianças, devolvê-las para suas famílias e derrotar os maggs.

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