Capítulo 25 - A Cidade Neutra
Anayê perdeu o fôlego quando viu a grande entrada da cidade neutra com seus portões magníficos feitos do mais puro metal. No alto dos muros, vigias portavam lanças e arcos, pomposos em suas armaduras completas.
Diferente das outras cidades dos reinos livres, não havia uma inspeção na entrada de Skell. Tirando uma guarnição de seis soldados, todos podiam transitar para fora e para dentro livremente.
Povos de todas as raças vestidos de maneiras diferentes, com brincos, pulseiras, pinturas, máscaras, maquiagens e penteados extravagantes.
Carroças e algumas barracas com utensílios para venda povoavam os portões.
O grupo de Thayala vislumbrou uma grande estátua de uma águia capturando um peixe entre suas garras. A escultura ficava no centro de uma fonte, e a fonte ficava no centro de uma praça que ocupava a primeira parte da cidade. Ao redor do objeto, mais barracas e vendedores com todo o tipo de bugiganga, fossem enfeites de corpo, copos, talheres, pratos, perfumes baratos, poções de qualidade duvidosa, antídotos estranhos, venenos, bebidas estrangeiras, trajes extravagantes ou simples, além de uma variedade incrível de animais: galinhas, pombas, águias, gatos, cachorros, ovelhas, cavalos, bodes e vacas. O lugar fedia a urina de animal com perfume de baixa categoria e vinho de qualidade questionável.
Contudo, a gritaria e a balbúrdia eram mais chamativas. Pessoas se amontoavam em frente das barracas enquanto vendedores frenéticos ofereciam seus produtos com frases marcantes ou hilárias.
A praça do mercado se estendia pela rua principal da cidade neutra, findando próximo do bairro do rei, local separado para nobreza de Skell.
— Cuidado para não se perderem, seus cabeças-ocas — bradou Thayala tentando elevar sua voz mais alta do que a bagunça.
Mas era perceptível demais o efeito de um lugar como aquele em meros escravos recém libertos, era o efeito hipnotizador da praça do mercado, capaz de capturar quase a todos e fazê-los admirar por um bom tempo o ambiente e como ali qualquer coisa poderia se transformar em uma peça para a venda, exceto pessoas.
Sim, talvez esse tenha sido o principal ponto de observação de Anayê, não havia escravos, não se encontrava pessoas à venda. Às vezes, na fortaleza, isso acontecia. Alguém era tomado para ser vendido para outra aberração, um subordinado ou aliado de Astaroth.
Os vendedores desesperados agarravam o braço dos frequentadores na intenção de mostrar-lhes seus produtos.
Felizmente, Thayala havia avisado para não darem atenção a eles nesse primeiro momento.
— Com o tempo, vocês vão aprender a sutil arte de negociar com os comerciantes da praça do mercado de Skell, mas por enquanto seria bom negociarem mais ao centro da cidade, onde é mais calmo.
Mesmo assim, alguns ainda ficaram tentados a comprar algum produto. Essa era a “magia” da praça do mercado, semelhante à hipnose. Uma atração cativante.
Contudo, seguiram em frente. O mais difícil era levar Boyak. Ele estava na maca a contragosto, por ordem de Thayala, carregado por dois homens, um deles era Erlik que insistira em ajudá-lo. Na mente do ex-escravo, havia uma dívida com o ceifador por acalmar a multidão furiosa no dia seguinte.
Passaram por mais atrações. Por ser uma cidade neutra, todos os tipos de entidades eram adorados ali. E, devido a esse fato, vários pequenos templos existiam espalhados na cidade.
Anayê se maravilhou ao ver dois deles. Duas colunas na frente seguravam o teto onde ficava uma estátua de uma mulher com rabo de peixe. A entrada em arco portava nos dois batentes uma lamparina com incenso. Os ladrilhos da parede eram coloridos. No outro, com formato parecido, a escultura era um homem com rosto de lobo e os ladrilhos cinzentos.
Também viu um teatro. O local semicircular onde os atores se apresentavam e o anfiteatro em formato de arquibancada para a plateia.
Finalmente, chegaram a um prédio em formato redondo ao redor de uma escadaria com os dizeres Registro Público esculpidos na própria pedra.
O soldado na entrada os recebeu e depois de Thayala mostrar um pergaminho entregue pelo rei, ele os deixou passar. Lá dentro, prateleiras e prateleiras de pergaminhos, mesas com escribas escrevendo em pergaminhos e homens e mulheres andando pra lá e pra cá com pergaminhos nas mãos.
De alguma forma, depois de muita demora e muita balbúrdia, eles conseguiram fazer seus registros como cidadãos de Skell, pertencentes ao reino livre.
Quando Anayê deixou o prédio viu Boyak sentado nas escadas enquanto Thayala brigava com ele por ter descido da maca.
— Eu não vou ser sua ama de leite para sempre, seu idiota!
— Eu não suporto aquela porcaria de maca.
— Então, da próxima vez, pense bem quando tomar uma atitude estúpida. — ela parou em uma pose dramática. — Ah! Esqueci. Você é incapaz de tomar uma atitude inteligente.
— Ha! Ha! Muita engraçada.
Os dois viram Anayê se aproximando.
— E então, como se sente sendo uma cidadã oficial de Skell? — ele perguntou.
Anayê ergueu os braços e respondeu:
— É excelente. Na verdade, não poderia ser melhor.
— Viu? — Boyak cutucou a perna de Thayala. — Aí está minha atitude estúpida.
— Cala a boca. — A ceifadora revirou os olhos e cruzou os braços. — Fico feliz por você, garota.
— Anayê, o nome dela é Anayê — corrigiu Boyak. — Não repare, ela não é boa com nomes.
— O que pretende fazer agora? — Thayala questionou ignorando o comentário do outro.
Anayê pensou por alguns instantes. Olhou para a cidade ao seu redor e imaginou um mundo de possibilidades infinitas. Basicamente, poderia se tornar uma cozinheira ou ajudante em uma casa, mas gostava de artesanato e escultura. Desejava construir um prédio como aqueles do qual as pessoas olhavam e ficavam maravilhadas.
Nunca revelara aquilo para ninguém. Compartilhar seu sonho com o irmão era permiti-lo esmigalhar cada pedacinho de seu desejo.
— Gostaria de ser uma dessas pessoas que desenham o formato dos prédios e das esculturas.
Revelou com vergonha, a voz e o olhar baixos. Esperou os comentários maldosos.
— Uou! Isso é bem diferente do que eu imaginava — Boyak falou.
— Arquiteta é, com certeza, uma profissão que se encaixa com você — disse Thayala. — Talvez não seja fácil, mas comparado com toda a sua vida anterior vai ser moleza.
Piscou para ela.
Boyak observou os outros saindo do prédio e se sentando nas escadas, conversando e esperando por Thayala. Então teve uma ideia.
— Você tem dinheiro aí? — cutucou a perna da ceifadora outra vez.
Ela afastou-se e fitou-o.
— No que está pensando?
Boyak piscou e tentou se levantar, mas lhe faltaram forças nos joelhos e precisou continuar sentado. Soltou um resmungo de frustração.
— Diga logo o que está pensando — Thayala insistiu.
— Vamos levá-los para um evento — o ceifador revelou com o semblante radiante pela ideia.
Thayala quase retrucou, porém, foi convencida pela felicidade no olhar dele.
— Huummm… — ela disse fazendo suspense. — Finalmente alguma coisa boa saiu da sua cabeça-oca.
— Sou o mestre das ideias geniais, querida. Pena você não admitir.
E assim foi.
Depois de um tempo de espera, eles foram até o teatro assistir uma apresentação de comédia que acontecia sempre nos fins de tarde.
Anayê ficou encantada. Havia música, risos, palhaçadas e lutas encenadas. Riu como nunca havia feito em sua vida. Se divertiu como nunca antes. Viveu como nunca.
Quando a peça terminou, eles aplaudiram e assobiaram enquanto os atores se curvavam e agradeciam. Alguns ainda riam, comentando seus momentos favoritos e repetindo as cenas mais hilárias.
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