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    Boyak analisou o ambiente a sua esquerda e, mesmo no breu, ele viu a silhueta de uma mulher baixa correndo por entre aqueles galhos retalhados.

    Sem hesitar, alterou a direção da carroça fazendo Anayê se segurar para manter o equilíbrio.

    — O que está fazendo? — ela perguntou.

    O ceifador indicou a direção onde enxergava a mulher perseguida.

    — Tem alguém em perigo! — ele falou.

    Ela apertou os olhos e, mesmo assim, não viu nada.

    — Você acabou de me falar que estava com muito pouco daquele líquido azul.

    — E daí?

    — E se for uma aberração? O que vai fazer?

    Boyak deu de ombros.

    — Você nem pensou nessa possibilidade? — ela indagou, surpresa.

    — Tem alguém em perigo, preciso ajudar.

    — Mas e se for mesmo uma aberração?

    — Eu vou dar um jeito.

    Anayê não gostou nada daquela resposta. Colocar-se em perigo outra vez era pedir má sorte.

    — E se fosse você lá? — ele questionou.

    A pergunta foi uma porrada em seu queixo. 

    E se fosse eu? É claro que gostaria de ser salva, mesmo se isso fosse uma possiblidade pequena. 

    Quantas vezes, ainda adolescente, sonhava com a chegada de um príncipe valente que destruía Astaroth e seus asseclas e libertava a todos? E óbvio, no fim, o príncipe valente se apaixonava por ela.

    Dentro da fortaleza não se leva muito tempo para descobrir que príncipes nobres não existem. Na verdade, não existe ninguém que se importa com os fracos e indefesos. Exceto ele…

    Vislumbrou o rosto do ceifador. Seu semblante transbordava determinação e coragem. Nenhuma hesitação.

    Por que ele se importa com uma mulher desconhecida no meio do nada? Por que se arriscar para salvá-la? Ser um ceifador significa isso?

    A carroça avançou rapidamente com os cascos soando cada vez mais altos no ambiente.

    Finalmente, ela viu a mulher. E, mais do que isso, percebeu que uma criança corria ao lado dela. Eu não esperava por isso. Se a gente não tivesse interferido, aquela criança seria morta? Ou pior, levada para uma vida de cativeiro?

    Poucos metros atrás deles, notou uma movimentação. Eram pequenas criaturas corcundas com um metro e meio de altura que faziam barulhos esquisitos.

    — Aquilo são gors? — ela apontou.

    Boyak concordou.

    Já tinha visto algumas dessas criaturas pequenas e nojentas. Elas eram usadas como mineradores na fortaleza, tratadas de maneira ainda pior do que os escravos comuns. Os gors trabalhavam no subterrâneo porque seus corpos resistiam a altas temperaturas. Graças a eles, a pedra mercúrio era levada até a torre do maquinário e transformada em líquido.

    A mulher fugitiva percebeu a chegada dos estranhos na carroça e ficou ainda mais desesperada. Pegou sua criança no colo e tentou correr mais depressa, no entanto, tropeçou no quarto passo indo parar no chão.

    O grupo de gors se apressou preparando uma rede para capturá-la.

    — Cães! — Boyak bradou chamando a atenção deles.

    As rodas da carroça passaram por cima do primeiro da fila enquanto os outros largavam a rede para desviar. Rolaram para o lado e se levantaram com as adagas com lâminas de ossos em mãos.

    — Ajude a mulher e a criança — o ceifador pediu. — Coloque na carroça e vá embora, eu alcanço vocês.

    Em seguida, saltou da carroça antes mesmo que ela parasse e se voltou para as criaturas. 

    Sua pele era esverdeada, suas pernas e pés pequenos, sua cabeça tinha uma cabeleira preta presa num coque e seus dentes eram como facas afiadas.

    — Olá, garotos, bela noite para dilacerar alguém — Boyak falou. — Infelizmente, terei que ser um estraga prazeres e exigir que deixem a garota ir.

    Todos as criaturas olhavam-no com dúvida e receio.

    — Ninguém sairá ferido — ele garantiu. — Exceto aquele ali que atropelei para fazer minha entrada dramática.

    — Você está muito seguro para alguém que caiu em uma armadilha — disse um dos monstros rindo.

    Ele olhou para o lado e percebeu que a mulher fugitiva estava com uma adaga na garganta de Anayê.

    — Isso é sério? Gors? Você se uniu aos gors? — disse para a mulher, revoltado.

    — E há escolha nesse fim de mundo? Meu menino precisa comer — a mulher falou. — E a barriga de muitos gors precisa ficar cheia. Apenas unimos o útil ao agradável.

    As criaturas começaram a rir.

    — Aqui quem tenta ser herói acaba virando comida — disse um gor mais alto usando um colar feito de dentes, aquele era o líder do bando.

    Dois deles se aproximaram para prender os braços do ceifador com cordas.

    — É melhor aceitarem minha oferta de paz. Normalmente, eu mato qualquer aberração em meu caminho sem hesitar, mas estou cheio de assuntos sérios para resolver.

    — Quem você pensa que é para falar com a gente desse jeito? — inquiriu o líder. — Se fizer qualquer movimento, sua companheira morre. Não ouviu?

    — É impossível dialogar com um monstro — Boyak bufou.

    — E só porque vocês mataram o Yorlg ali — o líder apontou para aquele que tinha sido atropelado. — Vão passar dias sofrendo antes de morrerem.

    O menino levava a corda para sua mãe quando Anayê conseguiu desferir uma cotovelada na mulher, tomou sua adaga e agarrou a criança colocando a arma na garganta dela.

    — Não! — a mãe do garoto gritou. Recebeu um chute em seguida e caiu no chão.

    Todos ao redor se assustaram com a reação tanto da mulher quanto de Anayê.

    — Se alguém se aproximar, ele morre! — vociferou.

    Os gors ficaram perplexos com a audácia.

    — Anayê, não faça isso — Boyak pediu.

    — Eu não vim tão longe para virar comida desses imundos — ela retrucou. — Eu nunca mais vou ser escrava. Corto a garganta dessa criança se for preciso.

    — Se matar o garoto, você também morre — um dos monstros disse.

    — Mas levo o menino comigo – ela apertou ainda mais a adaga no pescoço dele fazendo um curto fio de sangue escorrer.

    — Por favor, não faça isso! — a mãe do menino berrou.

    — Você fica parada e calada! Traidores, enganadores, eu nunca vou perdoar esse tipo de gente. Pessoas como eu sofrem todos os dias por causa de pessoas como vocês! — os olhos dela exalavam uma loucura sutil.

    — Larga essa arma, Anayê. Ninguém vai te ferir, está bem? E essa criança não tem culpa do que eles estavam fazendo aqui. Não é justo puni-la.

    — Ninguém foi justo comigo, Boyak! Por que eu deveria ser justa agora? Eu sou o que me ensinaram ser!

    — E estamos ensinando essa criança a ser o quê? — ele retrucou.

    Ela não soube responder, mas continuava segurando o garoto com ferocidade.

    O ceifador não via jeito de acalmá-la, mas não duvidava da promessa. Se alguém realmente fizesse um movimento brusco, ela poderia matar a criança.

    Um gor direcionou a ponta da adaga para ele.

    — E se eu matar seu amigo agora?

    — Bah! Com essa faca de brinquedo? Cale a boca, seu estúpido — Boyak repreendeu. — Quer que a criança morra?

    O gor ficou aturdido com a resposta.

    — Agora eu vou subir na carroça com o menino e com ele — ela apontou para o ceifador. — Se alguém tentar qualquer coisa, vai ser culpado pelo fim dessa criança.

    Vamos lá, eu só preciso de uma brecha, Boyak pensou.

    Os gors também esperavam um vacilo. 

    E, mesmo sem ninguém concordar, Anayê começou a se afastar para a carroça.

    Entretanto, o estampido de cascos se aproximando chamou a atenção de todos os presentes. 

    Boyak olhou para o horizonte e viu a bandeira da oitava legião. 

    Agora era tarde demais.

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