Capítulo 10 - A Voz que Silencia Monstros.
Enquanto Okawara me conduzia pelos corredores da escola, a única coisa que passava pela minha cabeça era a fome que eu estava sentindo. Ele tinha dito que comeríamos em breve, mas o “daqui a pouco” já havia se estendido por tempo demais.
O que me restava era observar o local ao meu redor. Passamos por mais um corredor e seguimos direto para a saída.
Do lado de fora, havia várias crianças conversando em pequenos grupos, enquanto outras corriam e se divertiam, enchendo o ambiente de vida e movimento.
Será que vou me dar bem com essas crianças? Quero brincar com elas e me divertir o máximo possível… mas e se elas não gostarem de mim?
À medida que continuávamos caminhando e a escola ia ficando para trás, mais crianças surgiam no caminho — cada uma com visual diferente e estilos únicos. Algumas, porém, me lançavam olhares estranhos… de desprezo, talvez?
Isso só confirma que não vou agradar todo mundo. Acho que vou ter que ser bem seletivo com minhas amizades.
Mas, nesse exato momento, algo muito mais urgente está me incomodando — e esse “algo” está começando a fazer barulho: a minha barriga.
Olhei para frente. O senhor ignorante seguia apressado, sem nem ao menos me dar satisfação. Mas não posso continuar calado. A fome está ganhando essa batalha, e eu vou ter que agir
— Senhor Okawara… eu tô com fome… quero comida! — murmurei, colocando as mãos sobre a barriga
Preciso ser dramático.
Ele me olhou de cima a baixo e, com um sorriso malicioso, falou:
— Você é bem fraquinho, garoto. Vai precisar comer bastante para crescer, caso contrário, não vai aguentar o ritmo da escola — disse Okawara, respirando fundo para continuar sua explicação. — Os desafios aqui são intensos, e olhando pra você, só vejo um saco de ossos coberto de pele haha…vai ser divertido ver você sofrer. — zombou com aquela voz grossa.
— Ah… é que… — murmurei, tentando explicar, mas o som alto da minha barriga roncando já dizia tudo, porém complementei para forçar o que eu estava querendo.
— Eu estou com fome, senhor…
Ele fez um som de desprezo com a boca, como se estivesse mandando um beijo.
— Que irritante você!! — resmungou Okawara, dando um leve soco no ar. — Enfim, o refeitório está fechado agora, então vamos ter que passar no mercado.
Bem, já que o local é bastante isolado, um mercado dentro da escola não parece tão fora de lugar.
— Mercado? Mas… esse mercado só pode ser usado por adultos, né?
— Não, todos têm acesso, até vocês…as pestes do primário! — comentou Okawara olhando de uma forma estranhamente feia para mim. Como se eu fosse algo problemático para ele.
Mas enfim, não quero pensar nisso agora.
Ignorando essa situação e focando no que ele diz de útil, se tem um mercado aqui, significa que eu posso estar comprando comida? Fiquei feliz agora.
— Mas… mas senhor, eu não tenho dinheiro… E se eu estiver com fome e o refeitório estiver fechado, como eu vou comer?? — gritei, colocando as mãos na cabeça.
— Hã? Silêncio garoto. Como você é irritante… — grunhiu ele, me atacando com palavras.
Olhando para ele, cortei meus passos e parei no meio do caminho, enquanto o observava caminhar em frente sem se quer olhar para traz. Frustrado com o que ele acabara de dizer, gritei:
— Aaaaaah! Eu não sou irritante! Só estou com fome e confuso! Você não entende isso?!
Assim que fiz isso, Okawara parou bruscamente e se virou para mim com um olhar ameaçador.
— Sua peste… Você acha que está falando com… — antes que ele terminasse a frase, alguém o interrompeu.
Uma voz suave e doce surgiu atrás de mim, acalmando toda a situação:
— Calma, Okawara… Ele é só uma criança. Eu sei que você as odeia, mas já está passando dos limites.
A voz era como um bálsamo. Okawara, que até então tinha a expressão fechada, parecia mais calmo agora. Ele sorriu pela primeira vez na vida, como se a tensão tivesse se dissipado com um simples som.
Fiquei curioso. Quem era essa pessoa que, com apenas sua voz, conseguiu mudar o clima tão rapidamente?
Quando me virei para ver quem era, encontrei uma mulher. Seus cabelos negros e curtos caíam sobre a testa, cobrindo parcialmente o olho esquerdo. Seus olhos, de um roxo profundo, brilhavam intensamente. O traje que ela usava era formal, elegante, e combinava perfeitamente com sua postura. Diferente de Okawara, que usava um terno vermelho e uma gravata borboleta, ela parecia em um nível completamente distinto.
Ela tinha uma aura ao mesmo tempo imponente e misteriosa. Seu rosto sério não deixava margem para dúvidas: ela não era alguém fácil de ignorar.
— Quem… é você? — questionei, com a voz trêmula, não conseguindo tirar os olhos dela.
Ela se aproximou, abaixando-se para me olhar diretamente nos olhos. O impacto foi instantâneo; eu fiquei sem palavras. Minhas bochechas esquentaram, e uma sensação estranha se espalhou por todo meu corpo.
Desconfortável com a proximidade, soltei a primeira coisa que veio em minha mente.
— O… o quê?
Ela sorriu, uma expressão gentil e calma, e falou, ainda me encarando:
— Okawara, essa criança está com fome. Dá logo algo para ele comer!
Ela se levantou após, aparentemente, ter ouvido minha barriga roncar.
Okawara cruzou os braços e retrucou a mulher.
— Eu já estava indo levar ele para comer, mas esse garoto irritante não cala a boca. Você sabe como eu odeio crianças tagarelas.
Fiquei em silêncio, observando a troca de palavras entre eles. O confronto estava ficando cada vez mais tenso.
— Não importa o que você pensa, Okawara. Sua missão é uma só: cuidar dessa criança até o ano que vem. Faça isso sem reclamar, se não, você já sabe, não é? — questionou a mulher, encarando-o com um olhar penetrante, quase ameaçador.
— Argh! Tanto faz… Vamos logo, garoto!
Okawara parecia frustrado, mas não havia como escapar.
Ele se virou e continuou a caminhada até o mercado. Sem querer ficar para trás, virei-me para a mulher e, curioso, perguntei:
— Qual é o seu nome, moça?
Ela olhou para mim com um sorriso que mais parecia um enigma e respondeu:
— Meu nome, por agora, não é importante. Agora vá. Você está com muita fome e precisa comer logo. Nos veremos novamente, com certeza… — disse ela, e com uma leveza incomum, se afastou.
O que foi isso? Por que ela não me disse seu nome? Será que apenas pessoas importantes têm esse privilégio? O senhor Okawara também nem se dignou a me contar o nome dela…
Enquanto pensava nisso, ouvi de longe um grito:
— MULEQUE?? VOCÊ NÃO ESTAVA COM FOME? VEM LOGO SENÃO EU MUDO DE IDEIA!
— Ah… Desculpe, senhor, já estou indo!
Corri em direção a Okawara, mas a dúvida sobre aquela mulher ainda pairava em minha mente.
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