O som das batidas na minha porta ecoava pelo silêncio da manhã como uma tormenta que vinha me acordar. Seis horas em ponto. 

    Eu sabia que haveria arrependimentos se não estivesse acordado nesse horário exato. Então, por precaução, acordei bem antes e já estava completamente arrumado para sair, como se estivesse me preparando para uma missão impossível. E quem sabia o que o dia me reservava? 

    As batidas insistentes de Okawara eram inconfundíveis. Não parecia se importar com o fato de que ele poderia acordar todos os vizinhos. Eu, no entanto, não estava disposto a ser o causador de uma revolta coletiva. 

    — CALMA!! Não precisa disso, já estou saindo, meu Deus… assim você vai acordar todo mundo! — gritei pela porta, com a irritação transparecendo na minha voz. 

    Do outro lado, ele parou de bater, mas seu tom de voz não era mais suave — muito pelo contrário. Ele era o tipo de pessoa que aproveitava qualquer oportunidade para me dar um sermão. 

    — Todo mundo? Aqui não é sua casa, não. E outra, todo mundo já está acordado, se arrumando pra aula. Sete horas é o horário de início! — respondeu ele, irritado. 

    Abri a porta com raiva, meu corpo já exalando frustração, e o encarei com um olhar feroz, como se eu realmente quisesse socá-lo. 

    — Como assim sete horas? São sete agora? Por que você falou seis? Errou a hora ou foi de propósito? — indaguei, com uma fúria imensa exalando do meu corpo. 

    Eu não conseguia mais esconder o cansaço. Meus olhos estavam pesados de sono. Sete horas… mas eu tinha me preparado pra acordar às seis. Por que a mudança de planos agora? 

    Okawara não me deu sequer uma resposta direta. Seu olhar indiferente nunca mudava. Apenas suspirou profundamente e começou a andar, como se estivesse se afastando de qualquer possibilidade de explicação. 

    — Você é tão… frustrante! — murmurei baixinho pra mim mesmo, enquanto fechava a porta atrás de mim, tentando não explodir de raiva. 

    Não podia deixá-lo sair sem dar uma última palavra. Corri atrás dele, minha irritação transbordando. 

    O caminho até o destino de hoje era diferente do de ontem. Dessa vez, não havia arbustos em ambos os lados. Melhor assim. 

    Por causa de ontem, aquele homem de capuz me deixou incomodado, então não posso ter o luxo de andar tranquilo pelos cantos. 

    Passamos pela escola e, em vez de virar à esquerda para a entrada dela, seguimos em frente, até chegarmos a um lugar que parecia… familiar. O mesmo lugar que vi quando desci do carro no dia anterior. 

    Quando olhei mais de perto, percebi que aquele prédio, que antes parecia imenso à distância, era ainda maior agora. O que me aguardava ali? 

    — Uuuuwoooow… Esse lugar é enorme! — exclamei em surpresa. Não era como se eu tivesse visto grandes prédios antes, mas, mesmo assim, aquilo estava além das minhas expectativas. 

    Parei, a cabeça rodando com todas as perguntas que ainda estavam sem resposta. Olhei para Okawara, que não parecia se importar com meu espanto. 

    — Mas… senhor Okawara? — perguntei, tentando entender onde tudo isso ia dar. 

    Ele apenas me lançou um olhar entediado, como se já soubesse que essa era apenas mais uma das minhas reações inúteis. Mas não parecia se importar. O professor estava em seu próprio mundo. 

    — Hum? 

    — CADÊ TODO MUNDO? — gritei, olhando em volta e não vendo nenhum aluno por perto. 

    — Seu burro, você ainda não entendeu? Mesmo depois de três pessoas terem falado isso pra você ontem? — disse ele, com a maior grosseria possível, como se eu fosse o último dos idiotas. 

    — Desculpa… é que talvez… não prestei atenção? 

    Me arrisquei a responder, tentando não parecer tão perdido. 

    — Enfim, esqueça isso, moleque. A questão é que eu sou seu professor PARTICULAR até o final do ano — disse ele, iniciando um gesto com a mão esquerda. — Durante esses dois meses, vou te ensinar as normas, regras, fluxograma, dúvidas, rotina, história, exames, testes e qualquer outra coisa com que você se envolva enquanto estiver aqui. Só você, já que é o único aluno a entrar nesse semestre. Compreende agora? Ou tá difícil? 

    Demorei um segundo para processar tudo, mas, finalmente, uma centelha de compreensão apareceu. 

    — AHHHH, entendi agora… Mas não seria mais fácil fazer isso, por exemplo, no meu quarto? Já que sou só eu? — perguntei, olhando para o chão, evitando o olhar dele. 

    — COM-PRO-MI-SSO COM A ES-CO-LA. Só te falo isso. Agora, chega de papo e vamos — disse ele, soletrando cada sílaba de um jeito bem engraçado. 

    Ele não estava nem aí para o que eu falava. Em seguida, se virou e entrou no prédio. Fui atrás dele, sentindo um arrepio na espinha. 

    Entramos no prédio e, de cara, vi um espaço enorme, bonito e estilizado. No centro, havia um mural com várias coisas escritas, e de ambos os lados do mural, escadas enormes de madeira com degraus cobertos por panos de cor violeta. Me lembrava muito um castelo que vi em um dos livros da minha mãe. Logo em seguida, Okawara seguiu à direita e fomos por um corredor. Nas paredes, havia quadros antigos. Todos com pessoas elegantes — provavelmente professores que já deram aula aqui. 

    Passamos por várias salas exóticas e, a cada pessoa que me via, a expressão no rosto deles era sempre a mesma: nojo, talvez? 

    Não vou julgar. Não sei o que passa na cabeça de cada um. Mas não muda o fato de que me sinto desconfortável aqui. 

    — Vai, entra! — disse ele, apontando para uma porta aberta, bem afastada das outras salas. 

    Por algum motivo, a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi: “Que quiabos vamos fazer aqui?” 

    — Que quiabos vamos fazer aqui? — repeti, usando exatamente as palavras que pensei. 

    Okawara me olhou com sua expressão habitual — fechada como sempre. 

    Ele não quis responder. Entrou na sala sem me esperar. Como já era previsto. 

    Dentro da sala, havia uma única mesa com cadeira no meio. As outras mesas estavam todas no fundo. 

    — Senta aí! — disse ele, com um tom impaciente. 

    Eu não tinha motivo pra recusar. Apenas aceitei e me sentei na mesa. 

    — Senhor, eu não tenho lápis nem nada. Como vou escrever? — questionei, um pouco confuso. 

    Okawara, sem dizer nada, pegou um controle remoto e apontou para uma televisão grudada na parede da frente. Um brilho de luz surgiu, e a tela ligou. 

    — Não será necessário material físico. Aqui usamos tecnologia. Os famosos ‘tablets’, fornecidos pela escola e doados pelo governo. 

    — O QUÊ?? — gritei, tentando entender o que ele tinha acabado de dizer. 

    Tablets? Algo que eu nunca tinha visto. Só conhecia televisão, por conta de uma descrição em um livro da minha mãe. 

    — Grrr! Não me interrompa enquanto estou explicando, seu moleque! — gritou de volta. Antes que eu pudesse me defender, jogou o controle na minha direção. Por sorte, ele errou o alvo. O controle caiu ao meu lado. 

    Isso é loucura. E se esse controle pegasse no meu rosto? 

    — NÃO FALO MAIS NADA TAMBÉM… — resmunguei, irritado. 

    — Bom mesmo. Sua voz é irritante. Mas enfim, continuando. Debaixo da sua mesa, você vai encontrar um tablet e uma caneta. Não é o seu definitivo, mas é o que usará enquanto estiver aqui. O definitivo chega no ano que vem. E, por acaso, você sabe usar um tablet? Acho que não, né? Pegue e coloque na mesa, agora! 

    — Tá!  

    Com uma expressão de quem já havia desistido de entender tudo, peguei o tablet e a caneta debaixo da mesa e coloquei sobre ela. O tablet era grande, leve, maior que minha cabeça. Fiquei comparando o tamanho dele com meu rosto. 

    — O que você tá fazendo, moleque? Aqui não é lugar pra gracinha! Coloque o dispositivo na mesa AGORA! 

    — Aff, não posso fazer nada… — respondi, incrédulo, e coloquei o tablet na mesa. 

    Ele me olhou com raiva e disparou: 

    — Enfim, se você quer ser livre, então arranque os seus olhos. Assim não haverá motivo pra você estar aqui. 

    — Agora, papo encerrado. Vou passar um tutorial sobre como usar o tablet. Mas como estou com preguiça, vou colocar um vídeo na televisão que vai te guiar passo a passo. Veja com atenção. 

    Ele parecia mais calmo, mas sua frieza era inconfundível. 

    Professor com preguiça de ensinar? Que tipo de professor ele é? Suspeito. Pensei, mais uma vez me questionando sobre tudo isso. 

    Okawara apontou o controle para a TV e iniciou um vídeo. 

    Após alguns minutos… 

    O conteúdo do vídeo era bem básico. Eu poderia jurar que o público-alvo era uma turma bem mais jovem do que eu. Com isso, tive bastante facilidade para entender como usar o tablet, e o processo foi bem rápido. 

    — Foi difícil, né? Vou ter que passar o vídeo novamente, pelo visto! — disse ele, certo de que eu não tinha entendido nada. 

    — Não precisa! Eu já entendi! — respondi de imediato, quase ofendido por ele ainda duvidar de mim. 

    Ele me olhou com uma expressão surpresa e ficou alguns segundos parado, como se estivesse tentando processar o que acabara de ouvir. 

    O silêncio se instalou, abafando até minha respiração. Okawara me encarava como um predador diante da presa. 

    — Como assim você entendeu? Já? Isso é impossível! — exclamou, dando um passo à frente. — Nenhuma criança nunca entendeu de primeira! Todas assistem esse vídeo pelo menos três vezes! E você me diz que já pegou tudo? 

    Seus passos ecoavam pelo chão enquanto ele se aproximava, encostando as mãos firmemente na minha mesa. 

    — E-er… sim? — respondi, com a voz trêmula. A presença dele era opressora. Eu podia até sentir sua respiração de tão perto. 

    — Grrr… Não acredito, seu abusado! — rosnou ele, irritado. — Vou colocar o vídeo de novo. Já que se acha tão esperto, vai aprender direito! 

    — AAAAAA! — gritei, mais por frustração do que por medo. Eu já tinha entendido, mas era como se isso não importasse. 

    — CALA A BOCA, MULEQUE! — berrou, com tanta raiva que a voz dele pareceu estremecer as paredes. 

    Fiquei em silêncio, tentando me recompor enquanto ele reiniciava o vídeo. 

    Pensamento de Okawara: “Será que ele realmente entendeu tudo de primeira? Se sim… essa criança é mais interessante do que parece…” 

    Os minutos se passaram. O vídeo foi repetido. Mas, sinceramente? Já estava tudo claro pra mim. 

    — Eu já sei como usar isso. Não foi difícil. Affer… — murmurei, tentando conter minha irritação, mesmo com a raiva borbulhando. 

    Durante toda a exibição, senti os olhos de Okawara cravados em mim. No fim, ele desviou o olhar e soltou: 

    — Ah, então é assim? O senhor sabichão aprendeu tudo tão rápido? Vamos ver se aprendeu mesmo! 

    Ele se levantou bruscamente e caminhou até a televisão. 

    — Agora você vai fazer na prática. Ligue o tablet, conecte sua conta no aplicativo do vídeo, e ache o caderno e o livro da matéria especial. Entendeu? 

    O jeito como ele falava deixava claro que ele esperava que eu falhasse. 

    Mas eu não ia deixar. Não ia dar esse gosto pra ele. 

    — Pare de me chamar assim. Eu aprendi, ué. Se quiser provas, sem problema. Minha mãe sempre dizia que um dia todo mundo ia duvidar de mim. E quer saber? Eu tô acostumado. — Pisquei pra ele, tentando demonstrar confiança, mesmo sentindo que ele estava incomodado. 

    Peguei o tablet, liguei o aparelho, e vi a tela brilhar. O símbolo que apareceu era o mesmo dos livros da minha mãe. Abaixo dele, estava escrito “ESA”, em branco. 

    Meu coração disparou. O que significava aquilo? Minha mãe tinha ligação com essa escola? Ela roubou os livros? E o bracelete dela? E o anel? Onde estava aquele anel que ela me deu? 

    Fui tomado por pensamentos tão intensos que quase não notei Okawara me observando, braços cruzados. 

    — Qual é, sabichão? Achei que seria fácil pra você. Não era o que dizia? — provocou ele, com um sorriso debochado. 

    — Ham… não… é que… — tentei responder, mas a lembrança do anel tomou conta da minha mente. 

    Aquele anel era tudo o que restava da minha família. E agora, eu nem sabia onde estava. O peso das dúvidas me afogava. 

    Com as mãos na cabeça, gritei: 

    — CADÊ MEU ANEL?! 

    Minha respiração estava descompassada. A angústia me consumia. 

    — Calma, moleque, tá doido? — respondeu Okawara, se aproximando. — O anel provavelmente tá com suas coisas. O motorista deve ter deixado tudo no armazenamento. 

    Mas isso não fazia sentido. Ele mesmo disse que minhas coisas estavam no meu quarto. Agora diz que estão em outro lugar? Ele tá me enrolando? 

    Por hora, decidi não bater de frente. Melhor seguir o fluxo. 

    Como pude esquecer de algo tão importante? A mãe da CDA arrumou minhas coisas e colocou tudo numa mochila. A mesma que estava no carro. 

    Respirei fundo, tentando me centrar. Okawara falou: 

    — Respira… inspira… Agora senta e faz o que eu pedi. Se não, vai tomar punição de pontos, entendeu? 

    Ele pousou as mãos nos meus ombros, e isso de algum modo me ajudou a voltar ao foco. 

    Mesmo assim, a pergunta me queimava por dentro. Soltei: 

    — O anel tá no armazenamento? Onde fica isso? Posso pegar? 

    Ele suspirou alto, irritado: 

    — Você é surdo, é? Já falei! Termina isso agora, depois você resolve o raio do anel. 

    Senti a raiva fervendo, mas respirei fundo. Discutir com ele era como falar com uma parede. Aceitei e voltei à tarefa. 

    Minutos depois, terminei. Okawara pegou o tablet, analisou por um tempo e me lançou um olhar incrédulo. Parecia que eu era um enigma. 

    A vontade de rir da cara dele era grande, mas a preocupação com o anel me impedia. 

    — Rhum… — ele pigarreou, tentando manter a compostura. 

    — Enfim, pelo menos você prestou atenção. Agora, vai anotar na primeira página do caderno virtual todas as normas da escola. — disse ele, colocando o tablet de volta na mesa. — O caderno tem umas linhas vermelhas. E você vai ter que ler todas as normas todo dia. Entendido? 

    Assenti. Então ele começou a ditar as normas. E não parou por uma hora. Eu anotava tudo com o máximo de atenção. 

    Depois de tanto tempo, ele disse: 

    — Pronto. Agora quero que leia em voz alta. Normas por normas. Quero ver se você anotou direito. 

    A confiança dele mostrava que esperava minha falha. Mas eu me levantei com um suspiro, pronto pra encarar. 

    — Tá bom. Vamos lá. 

    Li todas as normas, uma por uma. Fiz o meu melhor. E quando terminei, olhei pra ele. 

    A expressão de Okawara era a mesma de sempre: desinteressada, como se nada fosse surpreendente. 

    — Tá okay. Não foi tão bom… mas também não foi tão ruim. Foi o padrão! — murmurou, com aquele desdém habitual. 

    — Aff… — murmurei, sem saber como reagir. 

    Mesmo assim, ele continuou: 

    — Bom, agora você vai só escutar. Nada de escrever. Vou te explicar como a escola funciona, usando essas normas que você acabou de anotar. 

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota