Capítulo 14 - Aula Número Dois: Ranks
Ele deu um passo à minha frente, já em pé, a postura rígida e o olhar focado.
— Essa escola não é uma escola comum. Aqui, vocês não apenas estudam para se formar, mas também têm um papel científico e governamental — disse ele, andando de um lado para o outro. — Porém, é diferente de todas as outras. Só há alunos especiais aqui. E você também é um deles.
— Especiais? — indaguei, confuso.
Uma lembrança da minha mãe veio à mente. Ela sempre dizia que eu era especial… será que tinha algo a ver com isso?
— O que você chama de ‘especial’ pode ser algo bem… único. Aqui, os alunos são classificados em dois ranks. O primeiro é o Rank Cinza, representado pelos olhos cinza — explicou ele, apontando para meus olhos. — O segundo é o Rank Azul, com olhos azuis. O Rank Cinza é a maioria na escola, pois todos que entram aqui têm olhos cinza.
— Mas… por que os olhos ficam azuis? — perguntei, curioso.
— Você já reparou que seus olhos são cinza, certo? — disse ele, fazendo um gesto circular com a mão diante do rosto.
Assenti com a cabeça.
Okawara me olhou com um leve sorriso, como se soubesse que eu estava começando a entender.
— Isso significa que você é Rank Cinza. Os Cinzas não conseguem sonhar. Na verdade, você provavelmente nunca teve um sonho, certo?
— Sim… nunca tive!!! — respondi com firmeza, mesmo sabendo que não era verdade.
Okawara sorriu novamente. Pelo visto, ele não era totalmente ranzinza.
Ele ajeitou a manga da camisa e continuou:
— Porém, as crianças com olhos azuis, em algum momento de suas vidas, também tinham olhos cinza — disse, caminhando até sua mesa.
Ele fez uma pausa dramática enquanto pegava uma xícara.
— Até aqui tá entendendo ou tá difícil? — perguntou, tomando um gole da bebida.
— Tá de boa, tô entendendo tudo, moço! — respondi, com um sorrisão e mostrando um joinha.
— Então tudo bem. Se você me perguntar isso de novo, vou te dar um baita murro!
— Ham?? O quê?! — exclamei, assustado, arregalando os olhos.
— Enfim! Em algum dia aleatório das vidas deles, as partículas presentes no corpo começam a… despertar.
Despertar? Elas estavam dormindo? Como faço pra acordar elas?
Será que essas partículas dentro de mim já despertaram? Eu consigo sonhar, mas meus olhos ainda são cinza. Que estranho.
— Essas partículas fazem o cérebro, que agora está coberto por uma massa cinzenta, começar a se dissipar. E aí vocês começam a sonhar. Como consequência disso, os olhos ficam azuis.
Levantei o braço, com uma dúvida.
— Pode falar, peste! — respondeu ele, passando a mão no rosto.
— Eu entendi até aqui, mas… tem algo me deixando confuso — comentei, encostando o dedo na bochecha e olhando pro teto.
— Confuso com o quê, moleque?
— Com essas tais partículas. Por que elas estão dentro da gente?
Eu sabia a resposta, já que minha mãe me explicou várias vezes, mas queria ouvir o que ele iria me dizer.
Pode ter uma possibilidade dessa escola esconder fatos importantes sobre certas coisas, então preciso ser o máximo questionador possível!
Okawara cruzou os braços e suspirou.
— Bom, não vou explicar tudo porque seria inútil. Você não entenderia agora. Então, vou falar o básico — disse ele, num tom até calmo, o que era raro. — Essas partículas estão dentro de vocês por causa de um evento que aconteceu há alguns anos. É só isso que você precisa saber por enquanto.
— Entendi… então por que ter uma escola só pra crianças com essas doideiras no corpo? Por que não misturar com as outras? — perguntei, cruzando os braços.
— Moleque burro! Você não tem cérebro, não? Vocês apresentam risco pras crianças que não têm essas partículas! É por isso que aqui todos fazem testes — retrucou, com a grosseria de sempre.
Ignorei o jeito dele e continuei:
— E como são esses testes?
Ele me olhou com aquele olhar assustador, mas respondeu:
— Agora ficou curioso do nada? Enfim, esses testes são sutis. São feitos por nanotecnologia, nas camas de vocês.
— Tem… algo na minha cama?! — perguntei, quase em pânico. — Como eu vou dormir sabendo disso?! Espera… eu dormi hoje e não vi nada!
— Não seja idiota, garoto! — resmungou, quase jogando a xícara em mim. — A nanotecnologia é invisível! Fica debaixo da cama e no teto. Só coleta dados, nada mais!
— Grosso! Para de ser grosso, seu grosso! — zombei, tentando irritá-lo.
— Cala a boca! E mais: os Rank Azul também fazem testes todo dia. Mas uma vez por semana, precisam comparecer a este prédio.
— Comparecer? Está falando palavras formais agora?
Provocar ele, estava sendo algo engraçado para mim no momento. Eu gosto das reações dele.
— Moleque… minha paciência… Ah, enfim! Como as partículas despertaram, é necessário monitorar o progresso de perto. A nanotecnologia, por mais avançada que seja, ainda não capta 100% dos dados.
Será que esse treco vê o que eu sonho? Curioso, Perguntei:
— Moço, mais uma pergunta! Sobre os sonhos… eles são importantes? Quer dizer, significam alguma coisa? Esse… como é mesmo o nome? Ah, nanoalguma coisa. Ele consegue ver os sonhos dos Rank Azul?
— NOTAN. Pode chamar assim. E não, ele não consegue. Sonhos não significam nada. São só imagens que passam na cabeça de vocês enquanto dormem. Não precisa se preocupar.
Que bom. Fico feliz com isso!
Mas… será que ele tá falando a verdade? Por enquanto, vou ficar atento.
O que ocorreu comigo recentemente com o homem do capuz, está me deixando muito incomodado, então por conta disso preciso ficar atento até mesmo com Okawara.
— Se você despertar e se tornar um Rank Azul, e se formar com sucesso nesta escola, poderá ir para o Horizonte, onde seus pais estão agora. — disse ele, agora sentando eu sua mesa. — Mas, se não conseguir, não terá como ir para lá. Então, faça o que for necessário para despertar isso em você.
Ele fala com um sorriso no rosto, mas é um sorriso quase provocador, como se esperasse que eu fracassasse.
— Que baboseira! — murmurei, sem esconder meu descontentamento.
— Baboseira é você! Continue assim e acabará vivendo na miséria da sua cidade, enquanto poderia desfrutar da riqueza do Horizonte. Ha ha ha!
— Ah, é? Então me diz: por que você está aqui e não lá nessa tal ‘riqueza’, hein? — rebato, cruzando os braços.
— Porque eu sou um cientista, seu idiota! — retrucou, com uma expressão revigorante, cheia de confiança — Estou aqui pelo bem do Horizonte. Mas eu moro lá, e te garanto: é maravilhoso!
Seu tom quase faz parecer que ele acredita no que está dizendo, mas algo sobre essa confiança exagerada só me deixa ainda mais desconfiado.
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