Capítulo 19 - Laços e Segredos
— Deixa eu ver… qual é a minha cor preferida mesmo? — perguntou Fuutaro ao ler a carta de gostos.
Sasori, que acabara de jogar os dados, precisava apenas acertar mais uma pergunta para encerrar o jogo de tabuleiro. Aí veríamos quem acertou mais sobre o outro.
Como esperado, Sasori e Fuutaro tinham mais cartas do que eu — afinal, se conhecem bem melhor. Mas pelo menos, com as respostas de cada um, pude entender um pouco mais como eles são e do que gostam.
Fuutaro é muito inteligente, mas não entende nada de tecnologia. Ele é hiperativo, ansioso — um verdadeiro inimigo da calma. Gosta de socializar, mesmo tendo só o Sasori como amigo.
O que me deixa à vontade para me aproximar dele é que, tirando esses problemas de comportamento, ele passa uma sensação alegre, uma vibe animada.
Sua animação contagia o ambiente, deixando tudo mais colorido. Isso com certeza facilita para ele fazer amigos ou até persuadir alguém.
Pode ser uma boa escolha ser amigo dele.
Já o Sasori é o oposto do Fuutaro — é como se fossem Yin e Yang. Diferente do amigo, ele é tímido, a mais pura introversão.
Porém, essa timidez não é fraqueza. Ele é inteligente e manja muito de tecnologia. Por outro lado, é péssimo em artes.
É calmo, mas se alguém repetir a mesma pergunta várias vezes, ele explode. Literalmente.
Uma coisa que os dois têm em comum é o amor por doces.
As informações que captei deles durante o jogo podem ser úteis no futuro — pensei, observando a mesa. Sabia que aquelas revelações não eram por acaso.
— A resposta é azul. — disse Sasori, sua voz fria e calculada, como sempre.
— Incrível! Você acertou, Sasori! Com isso, o jogo tá encerrado. Agora vamos contar as cartas e ver quem ganhou! — disse Fuutaro, juntando suas cartas espalhadas pela mesa.
Fiz o mesmo. Juntei as minhas, mas tinha tão poucas que nem precisava contar.
— Bom, eu tenho 10 cartas. E vocês? — perguntou Fuutaro, no mesmo tom leve de sempre.
Sasori, com seu olhar distante como se nada realmente o afetasse, respondeu:
— Tenho 11.
Fuutaro bateu palmas para o Sasori. Eu acompanhei, meio sem graça.
— E você, Yuki? — perguntou Fuutaro.
Olhei pros dois com um sorriso bobo. Mesmo com o Sasori sendo mais quieto, ele ainda me olhava de canto.
— Eu tenho… duas cartas. — respondi, meio encabulado.
— Que pena, haha! Então você ganhou, Sasori. Parabéns por conhecer tão bem seu amigo! — disse Fuutaro, rindo e dando tapinhas nas costas do amigo.
Sasori olhou pra ele com a mesma cara de sempre e respondeu:
— Era o esperado.
Claro, eles se conhecem há bastante tempo. Obviamente iam acertar mais que eu.
Mas… por que o Fuutaro quis jogar esse jogo? Mesmo sabendo que eu não conhecia nada sobre eles.
— Nem ganhando você reage, hein, Sasori? Eu sabia que ia ser assim, haha! — comentou Fuutaro, rindo da expressão impassível do amigo.
— Bom, Yuki, curtiu o jogo? Acho que conseguimos nos conhecer um pouco melhor, né? — perguntou Fuutaro, agora com a voz mais suave, parecendo realmente interessado.
— Gostei sim. É bem legal e intuitivo. Agora não me sinto tão distante de vocês. Dá pra conversar sobre várias coisas… onde eu morava era longe da cidade, então não conversava com ninguém.
Mesmo sabendo algumas coisas sobre eles agora, ainda não é tudo. Preciso me aproximar mais se quiser entendê-los de verdade.
— Exatamente! Agora, uma coisa que me deixou curioso… Como assim você morava longe da cidade? — indagou Fuutaro, seus olhos brilhando de curiosidade.
Por que ele quer saber do meu passado? Um leve desconforto bateu, mas me obriguei a responder:
— Ah, eu morava numa casa isolada. Isso tinha a ver comigo, sabe? — falei, coçando a cabeça, tentando parecer tranquilo.
— Hm, entendi. Sei o motivo! — disse Fuutaro, num tom compreensivo. — Não vou forçar, tranquilo. Só queria saber se você confia mesmo na gente. E parece que estamos no caminho certo pra sermos bons amigos e vizinhos, né, Sasori?
Fuutaro se virou pra Sasori, que me encarava fixamente.
— Sim.
Mais uma resposta seca do Sasori. Suas palavras vinham com uma frieza desconcertante.
— Hehe, Sasori e suas palavras de impacto…
— Grande impacto mesmo. — murmurei, ainda meio assustado com a falta de emoção dele. — Mas tô com uma dúvida… quem morava no meu quarto antes? E por que ele saiu?
Fuutaro olhou a direção de Sasori, como se deixasse a resposta para ele.
— Sasori pode explicar melhor. Ele era mais próximo dessa pessoa. Vai, amigo, explica!
Sasori manteve o olhar no chão, indiferente.
— Não me cutuque… Enfim, sobre isso, não tenho motivo pra falar. — disse ele, cruzando os braços e fechando os olhos.
— Hm? Por que esse súbito silêncio? Vai falar ou não? — insistiu Fuutaro, surpreso com a postura do amigo.
Tinha algo estranho no ar. Os dois estavam agindo de um jeito que eu não entendia.
— Não tem nada a ver com você. Se eu não quiser falar, é problema meu! — respondeu Sasori, a voz baixa mas com uma intensidade que travava qualquer réplica.
Fuutaro ficou sem reação.
— Então tá, ‘senhor lealdade’… Se não quer falar, eu…
Ele ia continuar, mas Sasori o interrompeu.
— Não!! Você não tem esse direito, Fuutaro! — gritou Sasori, num tom grave mas contido, como se o corredor não devesse ouvir.
Fiquei desconfortável. Algo muito maior estava por trás disso. Algo oculto.
— Meu Deus… — resmungou Fuutaro, suspirando fundo.
— Calma, Fuutaro. Não vou perguntar mais. Entendi que é um assunto delicado. Vamos deixar isso pra lá.
Tentei amenizar o clima. Isso devia ser só uma brincadeira entre colegas, mas estava saindo do controle.
Sasori olhou para nós dois, se levantou e saiu da sala sem dizer mais nada.
— Desculpa, Yuki… Ele era muito próximo desse menino, então sempre reage assim quando o assunto volta. Eu respeito, não quero forçar. Espero que entenda.
— Entendo sim, Fuutaro. Pode deixar. Não vou tocar mais nesse assunto. Porém, você esta bravo comigo? É culpa minha isso ter acontecido!
— Não, não! Não é culpa sua, isso é normal entre a gente. E tenho certeza que o Sasori também não está com raiva de você. — comentou Fuutaro, com um tom fraco em sua voz.
Ele parecia cansado. Provavelmente já tinha passado por situações parecidas com seu amigo antes.
— Entendi, mas eu vou me desculpar com o Sasori, eu quero ser seus amigos.
— Vamos ser sim, não se preocupe com isso. Mas… acho que agora eu vou dormir. Minha cabeça começou a doer por conta dessa briga com o Sasori, amanhã a gente se fala, tá? — disse Fuutaro, erguendo sua mão para me cumprimentar.
— Claro, Fuutaro. Descanse. Melhoras para você! — disse, enquanto cumprimentava ele.
Acenei e saí do quarto.
Mal sabia eu que, ao sair, algo estranho me aguardava.
— Por que está aí essa hora da noite?
A voz fria cortou o silêncio. Um arrepio subiu pela minha espinha.
— Só… conhecendo meu vizinho. — respondi, tentando manter a calma.
Reconheci na hora. Era a mulher que me parou com o Sr. Okawara no outro dia. Mas o que ela fazia aqui, no prédio masculino, à noite?
— Entendi. Okawara não te avisou que não pode sair do quarto e que ninguém pode entrar aqui? Ou ele esqueceu? — disse ela, me encarando de um jeito que quase me fez gaguejar.
— Bem, acho que ele mencionou… Talvez eu tenha esquecido…
Forcei um sorriso, levando a mão à nuca, nervoso.
Ela deu um passo à frente, seu olhar congelante. A presença dela era sufocante.
— Volte pro seu quarto. Agora. Não quero te ver fora daqui de novo à noite. Se eu pegar mais uma vez, você será severamente punido, entendeu?
O rosto dela estava tão perto que eu conseguia sentir sua respiração. Engoli seco.
— Tá bom… Desculpa. Vou voltar agora. Não vai se repetir! — implorei.
Ela se afastou com um último olhar ameaçador. Entrei no quarto e fechei a porta atrás de mim, tremendo.
— Uff…
Soltei um suspiro.
— Acho melhor comer um lámen e dormir. Amanhã vai ser um dia cheio…
Depois de jantar, fui direto pra cama.
— Boa noite, mãe… pai… — disse, olhando para o teto.
Alguns minutos depois…
Uma mulher misteriosa entrou na sala do diretor — a mesma que havia cruzado com Yuki no corredor minutos antes.
— Então, Ayumi? Como está indo o garoto? — perguntou o diretor, segurando uma maçã na mão enquanto encarava a grande janela de sua sala.
— Senhor, nada fora do comum. Até agora ele apenas se socializou com outros meninos, e agora há pouco estava no quarto do Fuutaro. Devemos aplicar uma punição, ou ele vai acabar achando que pode fazer o que quiser aqui. — disse Ayumi, com uma postura rígida e militar.
— Não se preocupe com isso, Ayumi. Foi exatamente por esse motivo que coloquei o Okawara para tomar conta dele. Não há ninguém mais qualificado pra essa função. Ele odeia crianças mais do que tudo. Por enquanto, vamos confiar nele.
— Sim, senhor. Mas… por que colocou o garoto naquele quarto? Havia muitos outros disponíveis.
O diretor, que ainda estava de costas para Ayumi, se virou calmamente e se sentou em sua cadeira.
— Aquele quarto é perfeito. Simples assim. Fica mais fácil de monitorá-lo.
— Entendido. Irei continuar observando do lado de fora. Qualquer coisa suspeita, volto para reportar.
— Seja mais esperta, Ayumi. Tente ser mais simpática com ele. Conquiste a confiança do garoto. Já que o Okawara faz o papel do “vilão”, precisamos de alguém que seja o lado “bom” da história.
— Senhor…? Tem certeza disso? Eu… não sei se consigo ser tão duas caras assim… — respondeu ela, envergonhada.
— Tenho, sim. Ele parece ser o tipo de garoto que se apega fácil. Se você conseguir esse apego, teremos ele sob nosso controle. Entendeu? — disse o diretor, olhando fixamente para a maçã em suas mãos. — Pensei muito nisso… Meu plano está indo para um caminho infalível. Um sucesso não só para nós, mas para o Horizonte também. Então dê seu jeito. Pode se retirar!
— Sim, senhor! — disse Ayumi, fazendo uma breve reverência antes de deixar a sala.
Assim que ela saiu, o diretor deu uma mordida na maçã e voltou a encarar a janela, pensativo.
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