Capítulo 2 - A Última Noite em Casa
A noite chegou, e finalmente terminei meus estudos.
— Maravilha, Yuki! Você foi muito bem mais uma vez, mas de onde você tirou essas variáveis tão avançadas? Elas não estão nesse livro — perguntou minha mãe, curiosa..
— Não sei, mãe, simplesmente veio à minha cabeça. — respondi, coçando a cabeça.
Minha mãe sorriu enquanto arrumava o cabelo, pronta para me dizer algo importante.
— Filho, você se lembra do motivo pelo qual você não consegue sonhar como a mamãe e o papai? — perguntou com um olhar sério.
Uma vez, minha mãe me contou que muitos anos atrás, um meteoro caiu perto da cidade onde ela morava. Depois disso, as crianças nascidas naquela região tinham olhos cinzas e não conseguiam sonhar. Eu nasci com esse mesmo problema, mesmo morando longe da cidade de Sukumo, onde tudo aconteceu.
Ela também me contou que moramos tão longe das outras cidades porque, por eu ter olhos cinzas, os soldados poderiam me levar para um lugar onde todas as crianças com esse problema são levadas. Quando eu ainda era um bebê, meus pais fugiram para esta casa, que pertenceu ao bisavô da minha mãe, localizada um pouco abaixo do Monte Ishizuchi, e estamos aqui desde então.
Com tudo isso em mente, respondi:
— Sim, mãe, por causa do meteoro que caiu perto de Sukumo. Você já me contou.
— Exatamente, filho. Mas há algo mais que você não sabe. Uma delas é sobre a ESA. Nunca te falei sobre essa escola do governo, mas acho que já é hora de contar. Mas antes, vou preparar o jantar. Você deve estar com fome, não está?
Minha barriga roncou quando ela mencionou o jantar.
— Sim, mamãe, estou com bastante fome, hehe.
Meu pai, que estava lendo o jornal, ouviu a conversa e disse:
— Eu trouxe peixe. Foi o que consegui hoje.
Como somos pobres, não temos muitas opções de comida, e como só meu pai trabalhava, era ainda mais difícil. Mas sempre damos um jeito.
— Ótimo, querido. Vou preparar o peixe. Enquanto isso, amor, acenda a fogueira para mim, por favor. E, filho, vai brincar com o Kuma. Aproveite para ensinar bons modos a ele desde cedo.
Levantando do chão, respondi:
— Tá bom, mamãe.
Logo após saí com Kuma para fora de casa.
Nós temos um quintal enorme, cercado por muita vegetação, e por conta disso eu sempre me divirto brincando nele para passar um tempo, e agora, com Kuma, seria ainda mais divertido.
— Kuma, pega! — joguei um graveto para longe, esperando que ele o trouxesse de volta, mas não aconteceu, ele apenas me olhou e ficou abanando o rabo.
Abaixei e disse:
— Oras, o que vamos fazer juntos, hein, baixinho?
Mas, quando me aproximei para mais perto, ele latiu e correu para longe.
— Kumaaa, onde você vai?! — gritei enquanto corria atrás dele.
Mesmo pequeno, ele era muito rápido.
Eu não conseguia alcançá-lo e já estava ficando desesperado, com medo de perder o cachorro e deixar meu pai com raiva. Não podia parar de correr.
Eu sabia que se fosse para mais longe de casa e me perdesse, meus pais ficariam ainda mais bravos. Mas decidi continuar correndo atrás dele.
— Kuma, pare agora! Eu não consigo mais correr…por que você está fugindo de mim?
As árvores balançavam ao ritmo do vento, e com a noite escura, eu mal conseguia ver a luz da lua. Já estava em um ponto em que poderia me perder.
— Ahá, Kuma, você finalmente parou! Cansou né seu pestinha? — disse eu totalmente sem fôlego, depois de quase 10 minutos correndo atrás dele.
Mas então percebi que ele não tinha parado por estar cansado. Kuma estava latindo para alguém. Uma pessoa vestida de preto, com um capuz, estava ali, e eu não conseguia ver seu rosto.
— Moleque, o que está fazendo aqui?
— Eh-eh e- eu, eu só estava tentando pegar meu cachorro que fugiu de mim, é só isso. —gaguejei de nervoso.
Eu nunca tinha visto ninguém além dos meus pais, e o medo do que aquele homem poderia fazer me paralisava. Seu tamanho era intimidante, e eu só conseguia observar o movimento de seus pés enquanto ele caminhava lentamente em minha direção.
—Calma, você está com medo? Vem cá, não precisa ficar assim. Sou um policial do estado. Você está perdido? Onde estão seus pais? Vamos, vou te ajudar. — disse o homem enquanto colocava um objeto de metal preto dentro da blusa.
Eu, apavorado, não consegui dizer nada. Apenas comecei a recuar, pensando em como fugir dali com o Kuma sem que o homem me seguisse.
Acabei esbarrando em uma árvore atrás de mim. O homem, agora mais próximo, tirou algo do bolso e apontou para o meu rosto. Uma luz forte e branca cegou minha visão.
— Espera, o que…? — sua voz mudou subitamente, agora mais grossa e surpresa, ao notar algo em mim.
— Seus olhos… estão cinzas. Como isso é possível? Vamos, diga alguma coisa! Onde estão seus pais?
Aproveitei a distração dele e percebi que aquele era o momento de correr. Infelizmente, teria que deixar o Kuma para trás, que até então não parava de latir. Com a luz ainda ofuscando meu rosto e o homem prestes a me segurar, peguei uma pedra do chão e a lancei contra a cabeça dele.
— AAAHH…SEU MOLEQUE! VOCÊ VAI SE ARREPENDER!!
Ele caiu com o impacto, e eu corri na direção de onde tinha vindo, sem olhar para trás. Não podia deixar que aquele homem me pegasse, muito menos descobrir onde meus pais estavam.
Corri no escuro, minha visão ainda prejudicada pela luz que ele jogou em meu rosto. O medo de ser capturado me impulsionava, e eu só pensava em escapar. Tentava olhar para trás, mas não conseguia ver ou ouvir nada.
Depois de uma longa corrida, finalmente cheguei em casa. Estava exausto, com o coração disparado e as pernas tremendo de câimbras. Meus pais correram até mim, aliviados e preocupados.
— Yuki!! Onde você estava?? — ambos perguntaram, com raiva e preocupação misturadas em suas vozes.
Minha mãe me abraçou com força, e eu pude sentir o medo que ela carregava.
— Mãe, pai, fui atrás do Kuma que fugiu de mim. Tentei achá-lo, mas quando vi que estava muito longe, voltei correndo. — respondi ofegante com lágrimas escorrendo pelo rosto, ainda abalado pelo terror que passei.
Minha mãe, com um olhar severo, começou a me repreender: — Por que você não nos chamou? Você não pode sair correndo assim, filho! E se você se perdesse ou alguém o levasse?
— Mas, mãe, o Kuma fugiu de repente! Eu tinha que ir atrás dele na hora, senão o perderia para sempre!”
— Não importa, Yuki. Você só tem sete anos. Nós, como seus pais, somos os responsáveis por cuidar de você e do cachorro. — disse minha mãe, colocando as mãos no meu rosto e enxugando minhas lágrimas.
— Sua mãe está certa. Mesmo que o Kuma seja seu, nós somos os responsáveis por cuidar de vocês dois. Nunca mais faça isso, coisas piores poderiam ter acontecido.
Mal sabiam eles que o pior quase aconteceu, mas o homem não me seguiu até em casa… ou assim eu esperava.
— Mas e o Kuma, papai? Ele está perdido! Eu quero ele de volta! — implorei, sentindo a tristeza aumentar.
— Calma, filho. Amanhã quando eu for ao trabalho, vou procurá-lo. — disse meu pai, tentando me tranquilizar.
— Mas, pai, vai agora! Amanhã pode ser tarde demais, alguém pode pegá-lo!!!! — comentei, lembrando do homem.
— Não, filho. Um filhote vai procurar um lugar seguro para passar a noite fria — respondeu meu pai, agora mais calmo.
— Você promete, pai? Que o Kuma vai estar bem? — perguntei, desesperado por alguma segurança.
— Sim, confie em mim. Amanhã resolvemos isso — disse ele, com um sorriso reconfortante.
Minha mãe me abraçou mais uma vez e, antes de sair, me deu um beliscão no ombro — mas, com toda a tensão, nem senti.
— Yuki, preparei um banho quente para você. Vá tomar — disse ela, agora com um tom mais tranquilo.
Enquanto eu entrava em casa, ouvi meu pai brincar: — E coma o peixe também, hein? Se não, vou comer tudo! Haha!
Mesmo nos piores momentos, ele sempre sabia como descontraí-los.
Depois do banho e da refeição, me deitei para descansar. Mas minha mente não conseguia acalmar. Eu não parava de pensar no homem. E se ele me seguiu até aqui? E o Kuma? Será que ele o pegou? O medo era tão grande que mal consegui pregar os olhos. Agora só me resta esperar que meu pai encontre o Kuma amanhã.
No dia seguinte.
— Saiam daqui agora! Vocês não têm o direito de entrar sem um mandado!
Acordei com um barulho alto vindo de fora. O que estava acontecendo? Levantei e fui ver.
— Senhora — disse um dos homens lá fora, — nosso policial relatou que viu um menino com olhos cinzentos por aqui ontem. Esta é a única casa da região, então ele deve morar aqui. E você sabe que, pela lei, ele deveria estar na…
Antes que ele terminasse, um outro homem interrompeu. — Ali, comandante! O garoto de quem falei!
Todos olharam para mim, enquanto eu tentava entender o que estava acontecendo. Minha mãe gritou:
— CORRE, YUKI! FOGE PELOS FUNDOS AGORA E NÃO VOLTE!
Ela fechou a porta rapidamente, mas não antes que eu visse todos correndo em sua direção para impedi-la.
Fiquei paralisado enquanto assistia a cena. Minha mãe caiu no chão, com sangue escorrendo da boca. Mesmo assim, ela conseguiu murmurar:
— Me-me desculpe, Yuki…
Meu coração disparou. Quando ela abaixou a cabeça, o policial que eu tinha visto na noite anterior se aproximou de mim, segurando uma faca — a mesma que ele usou para ferir minha mãe. Dessa vez, eu não consegui me mover.
— Seu moleque… você me machucou ontem à no…
Antes que ele pudesse terminar, minha visão começou a girar. Tudo ao meu redor ficou confuso, e, de repente, tudo escureceu — desmaiei.
— Levem o garoto. Vamos avisar os superiores que o estamos levando para ser examinado. — Ouvi alguém dizer vagamente.
— E a mulher, capitão? O que faremos com ela? — perguntou outro.
— Nada. Faça parecer que foi um assalto.
Quando abri os olhos novamente, vi minha casa se distanciar de mim. Abaixo, estava minha mãe, caída no chão, com sangue ao redor. O choque foi tão grande que desmaiei outra vez. Meu único pensamento era sobre meus pais e se eu os veria novamente.
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