Capítulo 29 - Emi e a Carta em Pedaços.
Enquanto a tarde se arrastava, Yuki voltou para seu quarto, já que tanto Arushi quanto Itsuki haviam ido embora.
Do outro lado, Ayumi levava Itsuki de volta ao dormitório feminino.
Ao cair do sol, as duas caminhavam lado a lado, Itsuki segurando a mão de Ayumi. Pelo seu andar automático e a cabeça baixa, ficava claro que a menina estava perdida em pensamentos.
Ayumi, por sua vez, mantinha uma expressão séria, como se estivesse prestes a descontar a raiva em alguém.
— Estou decepcionada com você, Itsuki! — disse Ayumi, em um tom de voz cortante.
Itsuki, distraída, relembrava os acontecimentos do dia: a dor de ser perseguida mais uma vez e a lembrança de seu novo amigo.
— Yuki… — murmurou baixinho.
Ayumi lançou-lhe um olhar raivoso.
— O que disse, Itsuki?
— Nada… falei sem pensar! — respondeu, mantendo os olhos no chão.
— Hum… entendi. E sobre o que eu disse, o que tem a me dizer?
Itsuki levantou o olhar, triste e frágil. Seus olhos azuis-escuros, ainda que lindos, estavam tomados pela melancolia.
— Me desculpa, tia Ayumi! Não vou fazer de novo, eu prometo!
— Hm! Espero que não se repita mesmo.
Itsuki acenou com a cabeça e as duas continuaram a caminhada rumo ao dormitório.
O dia seguinte amanheceu com cara de domingo.
Ontem me diverti bastante, mas também fiquei preocupado por causa da Itsuki e daquelas três esquisitas. Ainda bem que nada aconteceu a ela.
Enquanto observava meu anel, uma lembrança voltou à minha mente: a carta que encontrei na CDA, assinada por alguém chamado “Satoru”.
E me lembrei da mulher que conheci no mercado central: Emi Satoru.
Será que ela tem alguma relação com essa carta?
Eu poderia simplesmente abri-la e ler seu conteúdo. Talvez ajudasse a encontrar o dono, ou até revelasse algo importante. Mas não… tenho respeito por quem a escreveu. Não vou fazer isso.
O melhor é encontrar a Emi e perguntar diretamente se ela conhece alguém da CDA.
Olhei ao redor do meu quarto: estava um pouco bagunçado. Mesmo que fosse pequeno — quarto, cozinha, sala e banheiro em um espaço reduzido — ainda assim era confortável.
Enquanto organizava tudo, me perguntava o motivo de deixarem crianças como nós vivendo assim, sem supervisão. Será que eles não têm noção?
Quando terminei, peguei a carta e meu relógio, partindo para o mercado central.
Eram nove horas da manhã, além de que mercado abre cedo, e eu tinha certeza de que encontraria Emi lá.
Alguns minutos depois, cheguei suado ao mercado central. Como sempre, estava cheio de vida, barulhento, vibrante.
Não tinha reparado antes, mas bem no centro havia um pequeno parque de diversões. Interessante.
Minha mãe nunca me levou a um parque. Eu era diferente das outras crianças, então nunca pude frequentar esses lugares. Pelo menos aqui, talvez, eu possa brincar sem me preocupar.
Mas não vim para isso. Vim procurar pela Emi.
— Olá, Emi! Voltei! — gritei, entrando em sua loja.
Olhei ao redor, mas não havia sinal dela. Nem mesmo alguém sentado às mesas.
— Oláá! Alguém aqui?
Caminhei até uma porta nos fundos, passando pelas mesas e pela bancada.
— Ei, garoto! O que você está fazendo? — disse uma voz cortante atrás de mim.
Me virei no susto. Era Emi Satoru.
— Ah… desculpa, senhora. Eu estava procurando por você. — respondi, ainda nervoso.
Ela me olhou de cima a baixo, não com reprovação, mas com curiosidade.
— E por qual motivo estaria me procurando? — perguntou, colocando algumas sacolas sobre a bancada.
Afastei-me da porta e caminhei em sua direção, retirando a carta do bolso.
— É que eu queria saber… você conhece alguma criança da CDA?
Seu olhar mudou imediatamente. Ficou sério, quase frio.
— Mas que pergunta é essa? Todas as crianças que estão aqui já passaram pela CDA.
— Eu sei, mas… não é isso. Você conhece alguém chamado Satoru que tenha passado por lá?
Assim que ouviu aquele nome, Emi parou de mexer nas sacolas. Sua voz saiu ríspida, carregada de grosseria.
— Qual o motivo dessa pergunta?
Abaixou a cabeça, apoiando ambas as mãos sobre a bancada. O clima ficou pesado, sufocante.
— É que eu achei uma carta… — comecei a dizer.
— Você está aqui por quê? Foi o diretor que te mandou? — interrompeu, gritando com ódio.
Meu corpo gelou.
— Anda, garoto! Foi o diretor que te mandou? O que ele quer? O que ele disse a você?! — avançou até mim.
Eu recuava a cada passo que ela dava. A doce senhora de antes agora parecia outra pessoa.
— Não… senhora… não foi o diretor, eu…
Até que esbarrei numa mesa. Ela me agarrou pelo braço e começou a me sacudir.
— Abre a boca, garoto! Fala logo!!
Foi então que alguém surgiu.
— Solta o garoto, Emi! Calma, respira.
O homem a segurou pelos braços, afastando-a de mim.
— Esse menino, Okawara… ele sabe… ele deve saber a verdade! O diretor enviou ele aqui!! — dizia ela, transtornada.
— Calma…sua saúde Emi, você precisa se acalmar!!
— Eu preciso…eu preciso saber…Okawara…eu preciso! — disse ela em prantos.
Ela estava desesperada, tanto que acabou desmaiando nos braços dele.
— Meu Deus…moleque… — murmurou Okawara.
Sorte que os vigilantes estavam por perto, junto com o Okawara a levaram ao pronto-socorro.
Eu, paralisado, permaneci sentado à mesa, tentando processar o que havia acontecido.
Ela citou várias vezes o diretor. O que isso significa? O que ele fez a ela?
Depois de alguns minutos, Okawara retornou.
— Garoto, você está bem? — perguntou, enquanto sentava na mesa.
— Sim… mas e a Emi? Ela está bem?
Ele suspirou fundo, parecendo preparar-se para dizer algo duro.
— Fisicamente sim, mas mentalmente… não.
Abaixei a cabeça. Meu coração estava doendo, meu peito apertado e o peso da culpa me esmagando aos poucos, e quando percebi, as lágrimas estava escorrendo.
— Que bom… que bom que ela está bem… — respondi, chorando.
Okawara bateu um soco na mesa.
— Por que está chorando, moleque? Virou bebê chorão agora?
Olhei para ele, sem resposta.
— Você tem partículas oni em cada célula do corpo. Comporte-se como um homem, não como um bebê!
— Mas…
— Nada de “mas”! Você causou aquilo nela, então devia estar preparado!
— O que eu deveria ter feito, então? — perguntei, limpando as lágrimas.
— Devia ter acalmado a situação, não ficado em silêncio! Só piorou as coisas!
Engoli seco. Ele tinha toda a razão. O choque foi tremendo que me impediu de esboçar algum tipo de reação.
— Desculpa… eu só queria saber…
— Se desculpe com ela, não comigo! E nunca mais se meta na vida de ninguém. Você devia ter deixado a carta na CDA, não carregado consigo.
Ele jogou uma carta na mesa, talvez a carta que eu iria entregar a Emi. Provavelmente deixei cair quando fui sacudido.
— Eu só queria saber se ela conhecia esse menino… — murmurei, impotente.
— Pela reação dela, você entendeu. Se não entendeu, azar o seu. Esse assunto morre aqui. — disse, socando a mesa a cada palavra.
— Tá bom… — respondi, cabisbaixo.
Ele se levantou, puxou minha blusa e me levou para fora da loja.
Eu o segui sem saber para onde estava me levando, mas como eu estava sem razão alguma, não questionei.
Caminhamos até uma cachoeira cristalina, nunca tinha vindo para esse lugar antes, é muito lindo e suave.
Fora outras estruturas que dava um destaque a mais para esse lugar, como uma fonte com a estátua de um escorpião sem cabeça.
Que bizarro…
Porém ele me levou até a cachoeira, havia uma passagem ao lado da cachoeira e adentramos nele.
— Garoto, eu trouxe você aqui para acabar com isso. — disse, erguendo a carta. — Jogue fora nessa agua.
Meus olhos se abriram abertamente, minha expressão ficou estática.
— Mas… por quê? Essa carta precisa ser entregue!
— Deixa de ser burro! Não percebeu como ela ficou? Essa carta só traz desgraça!
Ele se preparou para jogá-la. Eu por impulso segurei seu braço, usando toda a força que tinha.
— O que foi, moleque?
Por sua força ser maior do que a minha, não foi difícil para ele livrar de mim.
Acabei caindo no chão, mas me levantei rapidamente.
— Essa carta….é de um amigo da Emiko!!! Ela é especial para mim. Então esse amigo também é especial! — gritei, pisando forte no chão.
Okawara me encarou com ódio. Levantou a carta em sua mão direita, e com a esquerda se preparou para rasga-la.
— Não!!! Não faça isso por favor!!
— Tem que ser assim para você aprender!!
— Aprender o que???
Ele parecia hesitar, por um momento pensei que não iria fazer isso, por um momento me deu esperanças.
Na verdade não entrava na minha cabeça a possibilidade dele fazer algo tão cruel como isso.
Mas ele fez.
Sem olhar nos meus olhos, ele rasgou a carta em pedaços sobre a agua da cachoeira.
Dava para ver esses pedaços sendo consumido pela agua. E o meu coração afundava junto.
Me ajoelhei nesse chão gelado cheio de terra, vendo os sentimentos, o tempo e a dedicação da pessoa ao escrever essa carta, simplesmente afundar e ser apagado para sempre desse mundo, isso me deixa muito triste.
Não dava para acreditar no que estava acontecendo, olhando para o fundo dessa agua e quase vendo meu reflexo, conseguia imaginar a Emiko chateada comigo.
Eu não consegui fazer nada para impedir ele de rasgar, me desculpa Emiko, me desculpa autor da carta.
— Levanta moleque, deixa de drama!! — disse Okawara com os braços cruzados.
Olhei para cima, em direção a sua face, e o encarei grosseiramente.
— Eu te odeio… — murmurei.
— E você acha que me importo? — retrucou, seguindo em frente. — Vamos logo, pirralho.
De volta ao dormitório, permaneci calado. Minha mente só repetia a cena da carta sendo destruída.
E pensar que isso tudo aconteceu por culpa minha, se não fosse minha falta de preparo a Emi não teria reagido daquela forma e a carta estaria intacta.
E por me sentir assim, eu preciso me desculpar com Emi.
Mas como?
Talvez quando ela sair do hospital.
Por ora, só consigo sentir ódio do que Okawara fez. Esse Desprezível!
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