Capítulo 3 - O Sonho e o Soro
***
— Olha, Yuki, daqui dá pra ver o Horizonte. Muitas pessoas dizem que lá não há pobreza. Você acredita nisso?
— Acredito, mas por que só no Horizonte é assim? Essa é a verdadeira pergunta. Você tem uma resposta para isso?
A menina, com olhos verdes e um longo cabelo cor-de-rosa, desta vez vestia um vestido branco. Novamente, estávamos juntos naquela casa pequena e completamente de madeira. Não havia nada por perto além de um vasto campo verde. Mas onde estamos? E quem era ela?
Desde que me lembro, tenho sonhado com essa mulher em diferentes lugares e épocas, mas essa casa de madeira…já sonhei várias vezes com ela, sempre olhando para o Horizonte. Qual será o significado disso?
***
— Ei, acorda! Alô, você está bem?
— Será que ele morreu?
— Não, os batimentos estão normais.
“…”
— Ele está acordando, finalmente.
— Garoto, está me ouvindo?
Ao despertar do meu sonho, vi uma mulher de jaleco cinza me fazendo perguntas. Atrás dela, mais dois homens vestindo o mesmo jaleco.
— Onde estou? — perguntei, deitado em uma cama macia, dentro de uma sala totalmente branca. Nunca tinha visto uma sala tão branca e bonita.
O homem que estava à direita da mulher segurava um objeto preto e grande, no qual ele tocava com o dedo toda vez que me olhava. O outro, à esquerda, usava uma máscara e mantinha as mãos para trás, apenas nos observando.
A mulher, de olhos negros e pele bem clara, usando uma touca, disse: — Pode ficar tranquilo, você está em um lugar muito seguro. Está na CDA. Agora, me diga, quantos anos você tem?
CDA? O que seria isso? A pergunta invadiu minha mente e, então, perguntei:
— Moça, o que é CDA?
Ela, depois de me ouvir, sentou-se ao meu lado, pronta para uma conversa mais séria.
— Olha, eu sei que tudo isso deve parecer muito confuso para você, ainda mais sendo uma criança, mas pode confiar em mim, tá bom? Primeiro, vamos fazer alguns testes com agulhas, depois testes com papel e escrita. No final, faremos uns testes especiais, onde você estará dormindo. Prometo que, a cada teste, se você se comportar, vou te dar um doce bem gostoso. Tudo bem?
Ela estava tentando me convencer com doces? Eu raramente comia doces. Pensando bem, acho que nunca comi um doce na vida, então parecia um bom trato.
— Tá bom, moça, mas me diz… como está minha mãe? Ela está bem?
Eu lembrava de tudo o que aconteceu em casa, lembrava do que aqueles homens fizeram. Precisava saber como ela estava.
Ela franziu a testa e desviou o olhar, como se não quisesse me contar o que sabia.
— Não posso te responder isso, porque eu realmente não sei o que acontece com os pais das crianças que são trazidas para cá.
Refletir calmamente sobre o que ela disse, então perguntei:
— Então… vêm muitas crianças aqui?
Ela sorriu imediatamente com a pergunta e respondeu:
— Claro que sim. As crianças que vão para a ESA têm que passar por aqui primeiro, para vermos se está tudo bem com elas e se são realmente dignas de ir para lá. Mais alguma pergunta?
Curioso, perguntei mais uma coisa:
— As crianças… são bebês ou têm a minha idade?
— Na verdade, a maioria são bebês. Raramente recebemos crianças com mais de um ano. Você é o primeiro a vir para cá com sete anos. — disse a moça com um olhar firme.
Fiquei surpreso. Minha mãe conseguiu me esconder muito bem de todos. Se eu tivesse ficado em casa, em vez de seguir o Kuma, ainda estaria lá e minha mãe estaria bem.
— Então, estou muito atrasado na escola, né?
Ela olhou para os homens ao seu lado, e pelo seu olhar, a resposta parecia óbvia.
— Sim, você está atrasado, mas nem tanto. As crianças ficam aqui na CDA até os cinco anos, então você perdeu apenas dois anos escolares. O que me intriga é como você tem um vocabulário tão avançado para alguém que não frequentou a escola. Você, por acaso, teve aulas em casa?
Minha mãe era minha professora particular, já que nunca pude ir a uma escola. As aulas com ela eram de segunda a sábado; só no domingo eu estudava sozinho.
— Minha mãe me ensinou as matérias… ela era minha professora — disse eu com um tom melancólico enquanto olhava para baixo, claramente demonstrando tristeza e saudade dela.
Deu para ver na expressão da mulher do jaleco que ela ficou surpresa com o que eu disse, então comentou:
— Mas onde sua mãe conseguiu materiais escolares? Ou vocês estudavam sem esses materiais?
— Minha mãe tinha uma estante com muitos livros e me deu um caderno bem grande para anotar, além de uma bolsinha com vários lápis e canetas coloridas. Eu usava isso para estudar.
Ela me olhou com curiosidade.
— Como são esses livros?
—Eles são pretos, com algumas linhas amarelas e um desenho no centro que se parece com…
Antes que eu pudesse terminar, ela interrompeu:
— Um castelo com uma torre? — disse ela, com os olhos arregalados.
— Sim… como você sabe? — perguntei, intrigado.
Era possível que ela soubesse se tivesse ido à minha casa, mas, como afirmou não conhecer os pais das crianças que vinham aqui, eu estava surpreso com seu conhecimento sobre os livros da minha mãe.
A mulher, perplexa com os detalhes que compartilhei, colocou a mão no queixo e me perguntou:
—Mas onde ela conseguiu os livros? Você sabe me dizer?
Minha mãe nunca me contou a origem dos livros e eu nunca pensei em perguntar. Mas a questão não era “onde”, e sim “como” ela conseguiu aqueles livros. A curiosidade da mulher do jaleco me fez pensar que minha mãe não deveria estar com eles.
Preciso ter cuidado com o que digo a partir de agora. Para que ela não pensasse que minha mãe fez algo errado, decidi mentir.
— Esses livros eram do meu avô, mulher do jaleco! — respondi, tentando soar convincente.
Como a casa era do meu avô, logicamente os livros também deveriam ser dele.
Ela me olhou com intensidade, e pude perceber nos olhos dela o quão sério o assunto se tornará.
— Entendi! E seu avô morava com vocês?
—Não morava, e eu nunca o conheci. Minha mãe me disse que ele morreu um pouco antes de eu nascer.
— Mas esse avô é por parte de sua mãe?
—Não sei, moça.
A verdade é que eu realmente não sabia, e agora me questionava sobre isso.
Ela então acena para o homem à direita e diz:
— Vamos começar!
Sem saber o que estava por vir, perguntei:
— Começar o quê?
— Vamos começar os testes. E, a respeito da sua pergunta no início, a CDA significa Clínica de Aprovação. É aqui onde as crianças ficam até os cinco anos e, se forem aprovadas, vão para a escola. Como você já está bem grandinho, vamos fazer alguns testes mais avançados para adiantar sua aprovação, tá bom?
Cocei a cabeça, como alguém que não estava entendendo nada, e lancei uma pergunta óbvia:
— Então, eu vou para a escola mesmo estando atrasado?
— Sim! Como eu disse, você não perdeu muita coisa. Os professores saberão como lidar com as matérias que você perdeu.
Depois disso, a mulher e os homens que estavam no quarto saíram pela porta, que se abriu lentamente sozinha, mas antes ela me disse:
— Já voltamos, tá bom?
— Tá bom — respondi, um tanto ansioso.
Após alguns minutos, a porta se abre e a moça do jaleco entra.
— Vamos? — disse ela, chamando-me com um gesto para que eu a seguisse.
Levantei da cama e fui em direção à porta.
Caminhando pelo corredor, percebi que era todo branco, com luzes muito fortes no teto e paredes imaculadas. Parecia um lugar onde a sujeira era proibida, destinado a pessoas importantes.
Um pouco mais à frente, olhei para a direita e vi um quadro na parede com a inscrição “G-387” e, ao lado, uma porta igual à do quarto em que eu estava.
— Moça, tem alguém depois dessa porta? — perguntei, curioso.
Ela olhou para a porta e, em seguida, para mim, e respondeu:
—Uma criança, porém mais nova que você. Por dentro dessas portas, o ambiente é parcialmente parecido com o quarto em que você estava, mas com toques de personalidade e design diferentes, já que são crianças distintas de você e de outros que também estão nesse setor.
— Setor? — questionei intrigado.
—Sim, essa estrutura é subterrânea e dividida em setores. Cada setor é nomeado com a letra do alfabeto correspondente à sua posição. Ou seja, o setor de primeiro acesso é o ‘A’, o de segundo acesso é o ‘B’, e assim por diante.
— Quer dizer que há tantas crianças assim nesse lugar? — perguntei, tentando processar a informação.
— Sim!
— Então, aqui é o setor G?
— Correto.
— E aquele número do lado é a quantidade de crianças que tem aqui?
—Exatamente! Agora, vamos! — disse ela, voltando a caminhar com as mãos para trás e o rosto erguido.
Eu a segui, intrigado com tudo o que estava aprendendo. Passamos por vários quartos até que paramos em frente a uma porta grande.
A porta à nossa frente se abriu e entramos.
—Deite-se naquela cama ali no meio, por favor! —disse a mulher do jaleco, indo em direção a uma mesa repleta de dispositivos estranhos.
Assim que me deitei, apareceram dois homens; um deles segurava uma agulha. Medroso, perguntei:
—O que vocês vão fazer comigo? —perguntei, a ansiedade fazendo meu coração acelerar.
A mulher de jaleco, que estava logo atrás usando um dispositivo, se aproximou com um olhar tranquilizador.
—Vamos fazer alguns testes em você, mas não se preocupe. Não vai doer nada. Com essa agulha que o homem está segurando, ele vai aplicar um remédio no seu braço e você vai dormir. Quando acordar, teremos terminado o primeiro teste, tá bom?
— Tá bom! —respondi, tentando me acalmar.
Então, o homem me espetou com a agulha. Senti uma leve dor, mas não foi nada muito incomodativo. Enquanto a escuridão começava a me envolver, uma onda de incertezas tomou conta de mim. O que poderia acontecer enquanto eu estivesse dormindo? Medos e preocupações passaram pela minha mente, até que, lentamente, minha visão começou a desvanecer, e não consegui mais controlar meu corpo. Tudo se tornava negro, até que finalmente, eu dormi.
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