Capítulo 36 - O Que Te Incomoda, Itsuki?
Não consegui andar devagar; acabei apertando os passos.
Quando fiquei de frente à mão, de frente à porta, na minha direção… estava a Itsuki, com um sorriso enorme no rosto.
— Yuki!!! — disse ela, com as bochechas vermelhas e seus lindos olhos azuis brilhando.
— Que difícil encontrar você, hein?
Assim que disse isso, ela puxou minha mão e me levou para dentro do quarto da Ayumi.
Acabei caindo no chão.
— Aiai… — reclamei de dor.
— Desculpa, Yuki hehe. É porque ninguém pode ver você aqui! Aliás… por que está aqui??? — indagou, mudando sua expressão de felicidade para tensão.
Ainda no chão, respondi:
— Porque eu queria te ver.
Ela mudou de novo a expressão — da tensão para um rosto tímido, voltando às bochechas rosadas.
— Ah… bom, mas por que queria me ver??
Ela ergueu a mão para mim, querendo me ajudar a levantar.
Aceitei a ajuda e peguei em sua mão — macia, igual da última vez.
É incrível como consigo sentir uma alegria quando toco nela… me lembra a minha mãe.
— Bom, é uma longa história, viu? Vamos conversar no sofá?
Ainda agarrada à minha mão, dava pra ver que ela não prestava atenção no que eu dizia; seus olhos estavam fixos nas nossas mãos unidas, e suas bochechas ainda mais vermelhas.
O que deu nela? Será que estou apertando demais?
— Ham… vamos pro sofá? — indaguei novamente.
Sem reação. O que está passando na cabeça dela?
Perdendo a paciência, levei ela — que parecia nas nuvens — até o sofá.
O problema: onde fica o sofá? O quarto da professora Ayumi era completamente diferente do quarto do Okawara.
Além de mais vibrante e colorido, era bem espaçoso.
— Onde fica o sofá, afinal? — perguntei, olhando ao redor.
Olhei para Itsuki e ela ainda estava estática, plena, sem esboçar reação.
— Ei, ei! Que foi? Alô? Terra chamando Itsuki, está me ouvindo?
Nada. O melhor a fazer seria beliscar de leve seu braço.
Belisquei delicadamente — e, pra minha surpresa, ela não reagiu.
— Meu Deus… virou zumbi agora?
No meio da minha revolta, ela finalmente voltou ao normal.
— Ah… desculpa, Yuki…
Ela soltou minha mão rapidamente, como se estivesse queimando.
— Ei, calma. Por que ficou paralisada do nada? Nem respondia, nem se mexia! O que aconteceu?
— Ham… não sei explicar, sabe… tem a ver com essas partículas. — disse ela, olhando para a própria mão. — Às vezes, quando fico de mãos dadas com a Ayumi, consigo sentir os sentimentos dela… escutar a voz da consciência. E quando isso acontece, eu… meio que desligo do mundo.
— Nossa… então você conseguiu sentir meus sentimentos agora? Por isso ficou desligada?
Ela levantou a cabeça; seu olhar recaído se expandiu, e um pequeno sorriso apareceu.
— Não… eu não consegui ver seus sentimentos. Nem escutar sua consciência. É a primeira pessoa que eu toco e não consigo ver nada. — disse ela, sorrindo.
Isso era estranho. Conseguir ver sentimentos e ouvir consciências é algo assustador, ainda mais se ela não tem controle.
Mas por que ela não conseguiu ver os meus? Talvez seja os meus olhos cinzas que interfere no dom dela.
— Entendi, Itsuki. Mas se você não conseguiu ver meus sentimentos, então por que ficou desligada?
— Foi porque eu estava tentando entender por que não estava funcionando. Eu senti as células Oni se conectando com o seu corpo, então era pra ter funcionado.
— Que estranho, né… — comentei, curioso.
Toda vez que seguro a mão dela, sinto algo diferente mesmo. Devem ser as células Oni tentando se conectar.
— Mas enfim, me mostra um lugar legal pra gente sentar e conversar? — pedi, estendendo a mão.
Itsuki olhou pra minha mão… depois pra dela.
E, após alguns segundos de hesitação, segurou.
Mais uma vez, senti aquela vibração — e um sentimento impossível de explicar.
Ao olhar pra ela, estava normal, consciente… e com as bochechas coradas.
Ela me levou até uma sala enorme, onde havia uma grande televisão e uma mesa de vidro fosco.
Sentamos nas cadeiras e ficamos nos encarando por alguns segundos.
Acho que ela esperava que eu começasse a falar.
— Itsuki, tenho várias coisas pra conversar com você, sabe? Eu te considero minha amiga, e me preocupo com você, entende?
Vi suas bochechas corarem mais, e ela desviou o olhar, tímida.
Ela assentiu com a cabeça.
— Que bom que entende. É que aconteceram umas coisas estranhas comigo… e preciso te fazer umas perguntas, tudo bem?
Ela desviou o olhar de novo, mexendo no cabelo rosa.
— Tudo bem… — murmurou baixinho.
— Alguém deixou um bilhete estranho pra mim. Dizia pra eu ir a um certo lugar, caso contrário meu “tesouro” sofreria. Dito isso… você viu algo suspeito recentemente?
— Algo suspeito? Hmmm… deixa eu pensar! — disse ela, olhando pra palma da mão. — Acho que nada. Até porque sempre fico aqui quando não estou em aula. Raramente saio com a Ayumi.
— Que bom, fico aliviado. — disse, passando a mão na testa.
— Mas… por que a pergunta?
— Bem, é que eu pensei que esse tal… ham…
Na verdade, por que pensei que o “tesouro” era ela? Só porque disseram que iriam machucar? Isso é loucura.
Se eu disser isso, ela vai me achar estranho.
Levantei da cadeira, nervoso, tentando disfarçar a confusão na minha cabeça.
— É que esse bilhete me levou até um local abandonado, onde um homem de capuz tentou me pegar. Então queria ver se você estava bem!
— Ham?? Você… se preocupou… comigo?? — disse ela, corando ainda mais.
— Mas é claro! Você é minha amiga, e eu disse que iria te proteger, não disse?
Ela levantou da cadeira, veio até mim com pequenos passos leves, pegou meu braço e segurou minha mão.
— O que está fazendo? — perguntei.
Ficou segurando minha mão por alguns segundos, depois largou, como se nada tivesse acontecido.
— Queria saber se você está falando a verdade. Eu também consigo sentir isso… mas com você, realmente não funciona.
Ela tem convicção no que faz. Conhece bem suas células Oni.
Mas, diante de mim — alguém que bloqueia esse dom —, ela não parecia frustrada…
Pelo contrário, um sorriso lindo nasceu em seu rosto.
— Por que você está feliz? — perguntei, observando seu rosto.
— Porque agora eu não preciso ter medo de segurar sua mão.
Que surpresa foi essa?
— Que bom, hihi! Então pode ficar de mãos dadas comigo — como melhores amigos!
Ela assentiu, ainda sorrindo.
— Mas o que eu estava dizendo é importante… tem muita coisa estranha acontecendo comigo desde que cheguei aqui! — disse, levando-a até o sofá.
— Estranhas como? — perguntou.
— Depois te conto. Mas quero que escute o que eu vou dizer, certo?
Ela assentiu de novo, afastando a franja do olho esquerdo.
O cabelo rosa dela, iluminado pelo sol, reluzia como seda. Era um brilho lindo — me lembrava um sonho que tive com aquela mulher.
— Que bom. Então, continuando… tem um homem me perseguindo desde os meus primeiros dias aqui. Ele usa uma blusa de moletom azul e vive de capuz. Você já viu alguém assim?
Itsuki olhou pra mão direita enquanto fazia um som familiar, o mesmo som que se faz quando está pensando em algo.
— Acho que nunca vi ele, Yuki. Desculpa… — disse, triste.
— Ah, tudo bem! Mas quero que fique alerta, caso veja um homem alto de capuz azul, certo?
— Certo!
Ela deu um sorriso tímido, com as bochechas coradas.
— Que bom, hihi! Agora outra coisa… por que você não pode sair sozinha? Tive que vir até aqui pra te ver poxa, muito perigoso isso!
— Heh… desculpa por isso. É que a Ayumi não deixa eu sair sozinha. E eu também não gosto de sair… pelo menos aqui, ninguém me incomoda, sabe? — disse, com o olhar triste e cabisbaixa.
— Aquelas meninas te incomodam tanto assim, Itsuki?
Ela assentiu, cabisbaixa.
— E a Ayumi sabe disso?? — perguntei, em tom firme.
— Ela… não. Eu não contei pra ela…
— Mas por que não? Talvez ela possa te ajudar! Ela é professora, não é?
— É complicado, Yuki. Você não vai entender…
— Eu não quero entender, eu quero que você fique bem e feliz!! — gritei, levantando do sofá.
Não queria gritar, mas foi inevitável.
— Não!! Isso não faz sentido! Minha felicidade não importa, nunca importou!!
— Como assim? Por que está dizendo isso??
Ela ainda sentada, abaixou a cabeça e cobriu o rosto com as mãos.
Me agachei na frente dela.
— Como assim, Itsuki? Quem disse que sua felicidade não importa?
— É que… é complicado, Yuki! Eu não posso…
Antes que terminasse, levantou o rosto — e vi o brilho das lágrimas escorrendo.
O coração dela estava em pedaços.
Obviamente eu não tenho a confiança dela o suficiente para me contar algo tão profundo.
— Tá bom… entendi. — disse, me levantando. — Pegue minha mão.
Estendi a mão diante dela. Seus olhos, cheios de lágrimas, a encararam.
— Vai, pegue!
Depois de alguns segundos, ela segurou minha mão.
Levantei-a, e, ainda cabisbaixa, ela evitava olhar pra mim.
Levantei seu rosto com a outra mão e enxuguei suas lágrimas.
— Eu sei que ainda não confia totalmente em mim, mas eu vou conquistar sua confiança.
Porque eu sou seu amigo. E quero te proteger de tudo.
Ao dizer isso, olhei em seus lindos olhos e a abracei com delicadeza.
Achei que isso a acalmaria… mas, ao contrário, ela começou a chorar ainda mais.
Há uma ferida enorme dentro do coração dela.
E, de alguma forma, eu sinto que preciso ajuda-la.
E vou fazer isso.

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