Depois de alguns segundos abraçado com ela, consegui acalmá-la.
    Finalmente, ela parou de chorar.

    — Você está bem agora? — indaguei.

    Ela assentiu com a cabeça.

    — Que bom. Agora eu preciso sair, tá bom? Vim aqui pra te avisar sobre esse tal cara de capuz azul.

    — Mas já vai? Fica mais um pouco! Vamos conversar ou brincar, eu tenho xadrez e alguns brinquedos aqui! — disse ela, segurando minha mão.

    — Eu queria mesmo ficar mais um pouco, Itsuki… mas eu preciso entregar um envelope pra uma pessoa, a pedido do Okawara.

    Não sei se foi uma boa ideia contar isso pra ela, mas preciso mostrar que confio nela — pra que ela se sinta à vontade comigo.

    — Poxa… tá bom então, Yuki. Mas promete que vai voltar depois?

    — Olha, hehe… o problema é a Ayumi, sabe? Se ela deixar, eu venho.

    — Ah, verdade, né. Esqueci desse detalhe… Mas todo dia à noite ela sai pra algum lugar e só volta de madrugada. Você pode vir aqui se quiser! — disse ela, mexendo no cabelo.

    — Certo. Eu não prometo nada porque não quero causar confusão pra você. O certo é ela estar ciente disso… mas eu vou dar um jeito de fazer com que você possa sair daqui às vezes, tá bom?

    Pude ver nos olhos dela uma felicidade vibrante, uma energia quase contagiante.

    — Sério mesmo, Yuki?

    — Sim, muito sério!

    Ela veio pra cima de mim num abraço forte, enquanto agradecia.

    Aquele abraço… me deixou feliz de verdade. Era quente, como os abraços da minha mãe nas manhãs de infância.
    Que saudade daquela época.

    Depois de alguns segundos, ela me soltou e rapidamente escondeu o rosto com as mãos.

    — Vou indo então, já está na hora.

    — Nãão! Fica mais um pouquinho, por favor, Yuki! Só mais um pouquinho, te imploro! — pediu, com as mãos juntas e um olhar doce.

    — Mas eu preciso ir, senão o Okawara me mata! Você sabe como ele é… tenebroso!

    Ela abaixou a cabeça, triste, e sentou no sofá.

    — Tá bom…

    — Ei, não fica assim! Eu prometo que volto depois. Na verdade, isso é óbvio… eu vou voltar! — disse, batendo o pé no chão.

    Isso pareceu bastar — ela levantou a cabeça com um sorriso lindo no rosto e me deu outro abraço.

    — Te vejo depois, Yuki! — disse baixinho.

    — Te vejo depois também, Itsuki!

    Depois de ficarmos alguns segundos abraçados, ela me soltou, ainda cabisbaixa.
    Encostei um dedo em seu queixo, levantando suavemente seu rosto, e sorri.

    Ela retribuiu.

    Não queria ir embora assim, mas tinha coisas a fazer.
    Meu destino agora era achar o Arushi — o problema seria encontrá-lo.

    Saí do quarto da Ayumi com todo o cuidado do mundo, espiando pra ver se não havia ninguém.
    Nada. O momento perfeito.

    Fechei a porta e corri para a escada.
    Com sucesso, saí do prédio em segurança.
    Algumas pessoas me viram, mas isso não seria problema.

    Procurei o Arushi pelos arredores e perguntei a algumas crianças, mas nenhuma quis falar comigo.
    Elas se afastavam… como se eu fosse algo ruim pra vida delas.

    Desse jeito vai ser difícil.
    O que eu fiz pra merecer esses olhares?

    Olhares tortos.
    Olhares de nojo.
    Olhares de medo.
    Tudo isso me deixava desconfortável.

    Eu me sentia um criminoso.
    E, pior… sentia como se estivesse sendo seguido.

    Toda vez que olho pra trás, sinto alguém me observando.
    Será o homem do capuz?

    Continuei minha busca, mas sem informações fica difícil.
    Aliás, nunca perguntei em qual quarto o Arushi ficava no dormitório. Vacilei.

    Mas, se lembro bem, ele disse que gostava de ficar perto da cachoeira — a mesma onde o Okawara rasgou a carta pra Emi Satoru.

    Então vou passar no meu quarto para pegar o envelope, e seguir pra lá.

    Feito isso, fiz o caminho até a cachoeira usando o caminho principal, o caminho das pedras da lua.
    Na última vez que vim aqui, notei uma fonte antes da queda d’água — mas agora percebi melhor: havia uma placa dourada presa em sua base.

    — “Fonte Angelical da Raiva”? — li em voz alta.

    O que isso significa?
    Tenho que entregar o envelope na “Fonte Angelical do Medo”… e agora essa fala da Raiva?

    Tem história nisso.
    Depois pergunto pro Okawara.

    Mas o importante agora é achar o Arushi.

    — Arushii! Cadê você?? — gritei.

    Nada. Nenhum sinal de gente por ali, o que era estranho pra um lugar tão bonito.

    Desci as escadas naturais que levavam à cachoeira.

    Quando cheguei, vi apenas a natureza — árvores grandes e verdes, alinhadas como se alguém as tivesse plantado com cuidado.

    — Como vou achar ele… — murmurei.

    Olhar aquela cachoeira me fez lembrar o episódio com o Okawara, quando ele rasgou a carta da Satoru.
    Agora que estou aqui, até deu vontade de ver se algum pedaço da carta ficou por perto.

    Entrei na caverna atrás da cachoeira.
    Estava úmida e escura, com o som da água ecoando. Um som… reconfortante, na verdade.

    Caminhei até o lugar onde o Okawara me levou — na beirada de uma fonte corrente.

    — Será que acho algum vestígio…?

    Vasculhei o chão, mas não achei nada.
    Significa que os pedaços caíram todos na água.

    — Que triste… queria ter salvo ao menos um pedaço pra levar pra Emi.

    Como não achei nada, sem esperança alguma, estava prestes a deixar o local da caverna, mas não sei por qual motivo me deu vontade de olhar a água.

    Cheguei até a beirada, e com um leve movimento, olhei para o fundo. Eu não tinha esperanças de encontrar o papel no fundo, até porque não faz sentido, mas queria confirmar só para ter certeza.
    No fundo, refletindo meu rosto, havia algo preso numa pedra — um pequeno pedaço de papel.

    — Meu Deus, não é possível, será que… ?

    Me abaixei na beirada e estiquei o braço.

    — Vai… quase pegando…

    A distância parecia pequena, mas era enganosa.

    — Droga… estou quase…

    Se me esticasse mais, cairia na água — e a correnteza me jogaria cachoeira abaixo.

    Agarrei uma pedra enorme que parecia ser um banco com uma das mãos e estiquei a outra o máximo possível.
    A força da água era grande.

    — Que droga de água…

    Com muito esforço, consegui pegar o papel — mas a correnteza me puxou.
    Eu Caí na água e fui levado por ela.

    Como é possível ter tanta força assim a água e de onde ela vem?

    Com os olhos fechados acabei não vendo nada debaixo da agua, me fazendo bater minha perna em uma das pedras no fundo.

    A dor me fez abrir os olhos rapidamente, um susto completo.
    Se pudesse ouvir minha voz debaixo da água escutaria um enorme grito.

    Mas assim que abrir meus olhos, vi a água ficando vermelho com meu sangue, isso foi algo mais assustador e me deixou com mais medo, além da dor agora esta sangrando.

    Tentei ver como está a ferida mas está bem difícil, e em poucos segundos me vi despencando junto com a cachoeira.

    SPLASH!

    Caí de costas na água.
    A dor foi absurda, como cair no chão.
    Engoli um pouco de água na hora da queda, um gosto de sangue misturado com musgo e…mais um gosto estranho, nada familiar.
    Meu coração está acelerado agora com isso tudo, primeira coisa que pensei ao cair era que bateria no fundo, mas estou afundando, eu não sei nadar!!
    Fora esse sentimento de… agulhas perfurando cada parte do meu corpo.

    Esse lugar é muito fundo… muito escuro.

    Aos poucos, o escuro está tomando conta da minha visão.
    Meu corpo por algum motivo não responde, eu não consigo me mexer, o que está acontecendo??
    Nem frio eu sinto.

    Meus olhos se fecharam, e o som do ambiente, já não escuto mais.

    Minha consciência está se esvaindo aos poucos.


    O que foi isso? estou conseguindo ouvir uns sons de… pássaros?
    Que estranho.
    Pássaros… aquáticos?

    Espere… meus olhos estão abrindo.
    Consigo ver galhos de árvores.

    — Você acordou, finalmente!

    Essa voz… é familiar.

    Não consigo mover minha cabeça, mas reconheço o que está acontecendo.
    Estou sonhando de novo.

    — Dormi muito, né? Estou aproveitando essa paz. Depois de anos de luto, agora posso finalmente dormir por horas.

    — Sim, eu sei bem disso. Essa guerra finalmente acabou. Mas… você não se sente vazio?

    Guerra?
    Que guerra é essa?
    Esse sonho é estranho… mas essa voz feminina… é a mesma mulher dos meus sonhos.

    Eu nesse sonho não estou movendo minha cabeça.
    Continuo olhando pros galhos.

    — Vazio? Isso eu não sinto. Meu coração está cheio de alegria por estar com você. Mas às vezes… sinto que deixei passar algo no passado, sabe?

    — Mas o que você poderia ter deixado passar?

    Uma mão surge no meu campo de visão — provavelmente minha mão.
    Eu a observo, como se buscasse uma lembrança.

    — Não sei… é isso que estou tentando lembrar.

    O meu eu desse sonho vira o rosto na direção da voz feminina, mas quando eu já estava quase olhando seu rosto.

    Tudo que estava no meu campo de visão, começou a fragmentar, até que tudo ficou preto.


    — Acorda, ei, Yuki… acorda!

    O sonho sumiu num piscar de olhos.
    Agora escuto a voz do Arushi me chamando.

    — Isso, abre os olhos, cara…

    Abri os olhos. O brilho do poste me cegava, e eu só via a silhueta do Arushi.

    — O que aconteceu… Arushi? — perguntei.

    Ele se aproximou, bloqueando a luz.

    — Você quase morreu, maluco! O que estava fazendo debaixo da água?

    — Eu… estava brincando de me afogar. — respondi com sarcasmo.

    — Hahaha! Muito engraçado, idiota. Se não fosse por mim, você estaria abrindo os olhos no céu agora.

    — Se eu fosse pro céu, né… — disse, levantando devagar.

    Estava deitado num banco, ainda perto da cachoeira.

    Pra ter certeza de que estava vivo, belisquei o braço.

    — O que tá fazendo doidão? — perguntou Arushi, me dando um tapa.

    — Só vendo se estou vivo mesmo.

    — É claro que tá!!!

    — Espera… já tá de noite! Preciso entregar uma coisa pro Okawara!

    Levantei do banco a qual estava, sem nem me preocupar com nada, e corri de volta à caverna, pra pegar o envelope que tinha deixado lá.
    Ainda bem que tinha deixado o envelope em cima da pedra. — se não teria molhado.

    Nem quero imaginar o que Okawara iria fazer caso o envelope molhasse.

    — Ei, ei! Onde você vai? Nem vai me agradecer? Sério mesmo?

    Virei pra direção dele dando um joia com meu polegar.

    — Obrigado.

    E segui andando.

    Mas ouvi passos atrás de mim — Arushi estava vindo junto.

    — O que você quer fazer dentro da caverna, cara? Esqueceu que quase morreu?

    — Eu sei, mas preciso pegar uma coisa.

    — Que coisa?

    — Um envelope. Tenho que entregar pra alguém, a pedido do Okawara.

    Ele parou na minha frente.

    — Como assim, a pedido do Okawara? Por que ele mesmo não entrega?

    — É um favor. E você não precisa saber. — empurrei ele de leve pra continuar.

    — Eu sei que não preciso, mas… não acha estranho?

    — Não. Eu confio nele.

    — Tá bom, então… Mas você precisa ir pra ala médica! Você engoliu água e ainda não tossiu nem nada.

    Assim que ele disse isso, eu parei de andar.
    É verdade — engoli água, mas não senti nada.
    Esperei um pouco, olhei pra perna machucada… e percebi que estava cicatrizada.

    — Espera… você disse que me salvou. Me conta o que aconteceu.

    Arushi, vestindo bermuda e uma blusa verde, arrumou o cabelo pra trás e respondeu:

    — Claro. Eu tava andando por aqui e vi você despencando na cachoeira. Corri e pulei pra te salvar.

    — Entendi… mas quando você me salvou, minha perna não estava sangrando?

    Ele cruzou os braços.

    — Hmmm… não. Nem um pouco. Por quê? Você se cortou?

    — Quase isso. Bati a perna numa pedra submersa. Saiu muito sangue, mas agora tá cicatrizado. — disse, mostrando a perna.

    Ele olhou com calma, tocou a pele.

    — Que estranho… tem certeza que essa cicatriz não é de outro dia? É impossível um machucado desse tamanho se curar tão rápido.

    — É de agora mesmo. Também achei estranho.

    — Vamos ter que perguntar pra professora de medicina amanhã. — disse Arushi.

    — Eu não, vou ver isso com o Okawara mesmo. Aliás, Arushi, vem comigo entregar o envelope?

    — O QUÊ?! — gritou ele, assustado.

    — Ir comigo entregar o envelope.

    — Eu ouvi! Só gritei porque você disse que era perigoso, e agora quer que eu vá junto?! Tá doido?! — disse, me balançando pelos ombros.

    — Então, hehe… se é perigoso, vai me deixar ir sozinho mesmo? — falei, com olhar triste.

    Ele ficou me encarando, lutando com a própria consciência.

    — Droga! Tá, tá… eu vou contigo! — disse, andando na frente.

    Perfeito. Consegui o que queria.

    Nós pegamos o envelope que havia deixado na caverna e seguimos pro local da entrega, a Fonte Angelical do Medo.

    Como essa fonte ficava tão longe, literalmente no estremo canto direito da praça central, demoramos cerca de uns 20 minutos.

    Chegamos no local com um pouco de cansaço, fora que estava escuro.

    Bastante estranho os postes daqui não estarem ligados, favorecendo um belo e assustador clima de terror.
    Depois das dez, é proibido andar por aí, o que justifica não ter outras crianças por aqui.

    Faltavam dois minutos pro horário combinado, e nada da pessoa chegar.

    Eu e o Arushi estávamos em pé na frente da fonte, aguardando.

    — Ei, Yuki. O Okawara te disse como ela era? — perguntou Arushi.

    — Não. Só disse que estaria aqui.

    — Entendi… o problema é que ela não está. E agora?

    — Agora a gente espera.

    O brilho da lua, o som das árvores balançando…
    Cena perfeita pra um filme de terror.

    CRECK.

    — Ham? Você ouviu isso, Yuki? — perguntou Arushi, segurando meu braço.

    — Ouvi sim. Tem alguém vindo das árvores!!

    O barulho se aproximava — galhos quebrando, folhas sendo pisoteadas.
    Pelos passos leves. Não era alguém grande ou pesado.

    — Apare… apareceu… — gaguejou Arushi, se escondendo atrás de mim.

    — Calma, medroso!

    A figura surgiu — pela silhueta, era uma mulher.
    Usava um capuz grande. Pelas mãos enrugadas, parecia idosa.

    Ela usava um kimono preto, amarrado por uma faixa branca.

    A cabeça abaixada, rosto oculto.

    — Olá? Você que veio buscar o envelope do Okawara? — perguntei, hesitante.

    — Sim… eu mesma, Yuki.

    Aquela voz… eu conhecia.

    — Essa pessoa te conhece, Yuki?? — perguntou Arushi, tremendo.

    A mulher removeu o capuz preto.
    O rosto dela — agora iluminado pela lua — era inconfundível.

    — Espera… é você? — disse Arushi, aliviado.

    — Sim, sou eu. Algum problema? — respondeu ela, firme.

    — Bem… achei que fosse alguém assustador. — falei. — Mas não esperava que fosse a mulher que me proibiram de chegar perto.

    Arushi me olhou, surpreso.

    — Te proibiram de chegar perto dela? Mas por quê?

    — É uma longa história. Depois te conto. — respondi, batendo de leve em seu ombro.

    — Enfim… já que é você quem veio pegar o envelope, vou aproveitar pra te perguntar um coisa que me incomoda desde aquele dia, posso? — indaguei.

    — O que ? Se eu estava bêbada? — disse ela, com uma risada brega.

    — Não! O que eu quero te perguntar é o motivo de você ter citado tanto o diretor, o que ele te fez, Emi?

    Emi Satoru.
    A mulher que perdeu o controle quando citei o nome Satoru.
    Só que agora, ela está calma… bem diante de mim.

    Vou aproveitar essa chance pra descobrir o porquê dela ter mencionado tanto o diretor.

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