Dizem que não houve estrondo maior, tão desesperado e apavorado quanto aquele dia, que viu tudo o que havia de comum tornar-se fatídico e doloroso. Enquanto os minutos desfilavam em liberdade, a cidade inteira se ribombou no ritmo de uma turbina de um avião, fazendo de si e seu acólito silêncio inquietos arautos do terror. 

    Não era pouca a ansiedade de encontrar ali o seu pão, o tempo que tanto almejava, tudo somente para alimentar-se à beça do medo alheio, como se carregasse consigo o destino de torná-lo um doutor de coragem.

    Mas certamente todo esse medo não era páreo, pois ele não duraria para sempre. Menos ainda pelas forças comuns, pois ele foi esmagado a arrebates pela imensa e sonora surdez de buzinas, passos e gritos apressados em seu caminho. Sem delongar, vários telefones apitavam alarmantemente, com avisos e vozes furiosas. 

    Olhos de vidro, como as que dão vida às televisões, não recusaram sua estrela. No fim, não houve como durar mais, pois o que veio logo em seguida, não foi menos que uma cidade entupida de longas filas de fuligem e gás à estrada.

    Todos, diante do coração da cidade de Tóquio, viram uma crise alarmante tomar conta. Tal como quebrava-se a cabeça com a descida da neve que a antecedeu, minguada em uma chuva gelada, sem algum parecer às vidas que ceifou.  

    Como há um tempo soterrada, a Estação Ferroviária de Ikebukuro foi tomada como um pasto aberto, e fortalecida como um castelo nivelado, de andares impenetráveis, com portões defendidos somente pela artimanha humana. O complexo teve suas saídas Leste e Oeste obstruídas à força bruta. 

    Mesas e cadeiras foram retiradas como espólios para que fossem atirados às escadas rolantes, travando-as de qualquer funcionamento, e visão que queiram do outro lado. Sem haver entrada ou saída, foi então que o desespero se acomodou em casa.


    Esse era o terceiro sábado de Março, dia 18, no ano de 2006; sem o pé de um jogo, sua ardileza todo esfaqueou a banalidade em um único golpe. Ao colo do desespero, e imediatamente, Ikebukuro foi fechada, tendo suas portas emperradas à bruta força do segundo andar para cima, no qual os trens passam. 

    Um pouco além, o trânsito teve de desviar seu caminho a barrancos raivosos, para não atravessar a avenida que levava à Delegacia de Ikebukuro. Sem segurança a prover aos espectadores, notou-se uma falha de energia, festiva à revelia, por uma avenida inteira paralisada às ordens das forças afora, indecisas e entrepostas enquanto atadas a um laço velho é bruto a prendê-las em expectativa.

    A polícia havia cerrado as sobrancelhas, mas nada disse, empurrando a mídia à estação quase obstinadamente. Foi assim, do mesmo modo, que os criminosos puseram presas as centenas de reféns, e as espremeu sobre o vão de acesso, obstruído por todos os ângulos possíveis, coberto do mundo de fora pelos dois trens forçosamente paralisados. 

    De um lado, era a custódia de rifles caseiros, equipados pelos sequestradores comuns, vestidos à maneira que desse, com máscaras sobre o rosto e produtos químicos na cintura. Mas, do outro lado, armados com carabinas e submetralhadoras importadas que tiveram seus códigos de produção raspados, estavam homens um pouco mais altos. Sem piedade, armaram o drama para que caíssem nele. Na primeira onda de terror, eles faziam o que julgavam melhor.

    “Por favor, não! É minha filha”, soltaram a tormenta; gritou um homem mais velho, que teve seus óculos quebrados e jogados ao chão após ver uma mulher adolescente ser agarrada pelos seios por um indivíduo, alto e de olhos verdes, antes de ser jogada ao chão. Ela caiu forte com a cabeça, e quase desacordou. Antes de o homem reagir, tomou-lhe uma coronhada, vendo de relance uma braçadeira atordoante, com o símbolo de um homem prestando continência enquanto seu coração era perfurado.

    “Se alguém resistir e colocar as mãozinhas na cintura, a cara explode! Eu quero todos para o chão. Agora!”, ele apontou o rifle ao idoso, depois se virou desesperado aos outros. No entanto, infeliz com aqueles sussurros, aquele homem atirou para cima raivosamente. Logo, agarrou a manga de seu casaco para mostrar a todos. Os gritos se esparramaram.

    De ritmo controlado, caminhou o homem sem pestanejar seu olhar mais do que devia. Dentre toda essa sonora subida que fazia na multidão, por um momento, ele hesitou, como se precisasse ver melhor além dos óculos em meio ao horizonte, mas preferiu adiantar-se menos, pois viu logo em seguida um homem trêmulo para desdobrar seu telefone. Mas seu choro não foi nada aconchegado.

    “Vai fazer pirraça na puta que o pariu!”, de repente, ele puxou o telefone da mão dele e o jogou para o chão com tanta força ao ponto de fazê-lo trincar a tela. Depois, atirou mais uma vez, e se virou aos outros, sem medo de poupar munição. “Vocês deveriam ser gratos, estavam sendo escravizados por esse país de predadores sexuais! Quem dera: todos vocês, são como primatas, mesmo; obedecem a qualquer coisa.”

    Dos trens, então, foram trazidas caixas pesadas, e as cadeiras dos restaurantes eram atiradas sobre a escada rolante após serem desativadas, espremidas como barricadas. Depois, olhou de volta àquele homem, certificando-se de que ele não seria incômodo.

    “Muito bem, senhores! Parabéns! Estão sabendo obedecer. Mas tomem muito cuidado,” ao dizê-lo, se deparou com uma estação toda e somente à sua mercê. Espreitando seu orgulho além de sua postura, no passo do ridículo, ele se aproveitou da plena obediência, e os ameaçou até não haver mais nenhuma dúvida, embora estivesse em seu desejo a vontade de estender seus assuntos.

    “Cuidado com o bicho-papão.” 

    Assim que disse essas palavras, ele chutou o homem levemente para que cambaleasse para trás. Depois, pegou-o pelos cabelos até levantá-lo à sua altura, fazendo aparecer as pupilas com mais nitidez. Seu movimento era destemido, como se não temesse os limites de sua própria realidade.

    “Corre, corre, que ele vai te pegar!”, exclamou, dando-lhe um soco naquele idoso para pô-lo inconsciente. Dali em diante, dizem que ninguém mais ousou dizer uma palavra.


    Os órgãos públicos foram chocados com o golpe de um martelo. Por muito tempo cresceram os rumores de que as fronteiras do Japão estavam inseguras, pelas quais passaram muitos rumores. Dentre eles, estavam as associações, que beliscavam a atenção dos mais curiosos, deduzindo seus nomes, seus objetivos de toda forma, embora não tivessem sucesso certeiro.

    Toda a estação foi conquistada apenas com a velocidade do passo, num ritmo cronometrado, muito bem acompanhada por cabeças pensantes que controlavam as camadas de segurança, como se as porteiras do curral se abrissem finalmente para o gado ser capturado. 

    Por isso, então, o orgulho de cada um cresceu. Eles trouxeram toda a carga pesada a que deviam todo o zelo de não perder. Tal qual para seus reféns, que foram protegidos — também arremessados à força — atrás de sacas de areia e bancos arrancados. 

    Eram as barricadas entre o andar de baixo e a estação de embarque, arranjadas. Riam, esbanjavam seus sorrisos, pisavam sorrateiramente sobre os pés dos cativos até quase trocar o riso pela disciplina, porque estavam conformados pelo êxito e negligência os quais agraciaram sua missão. 

    A Polícia Metropolitana de Tóquio não havia tomado uma resposta contundente. Demorou muito para armar seus pelotões, muito por seus trâmites, e as mãos do governo foram rápidas para agarrar as rédeas dessa crise, e levar a cabo uma sonhada provação do valor e honra das instituições públicas do Japão, escarnecidas pela crise política perante a todos os olhos da crítica. 

    O tempo lhes corria rápido, para tomar o quanto antes o controle do palco de operações, para somente, e com o único propósito de que as atenções estivessem somente viradas ao extraordinário espetáculo da polícia, e nenhum olho de gato revire as patas demais na toca do rato.

    Minutos depois do ocorrido, cercas de metal foram posicionadas em todas as delegacias, e o batalhão de operações especiais armou seus melhores soldados para protegê-los de possível ação externa. Contudo, foi nesse momento que mais se perguntou sobre o procedimento da operação. 

    Tinham da mídia, de e-mails irresponsáveis, e de batidas frenéticas e furiosas sobre os portões do Quartel-General da Polícia. Nenhuma pergunta, no entanto, mesmo acompanhada de insistência, sequer chegou a ser respondida. Nem cedo, muito menos tarde se costumava pensar que eles o fariam da melhor forma. Mas o tom vitorioso foi interrompido por uma resposta brusca, de um homem acabado que ainda se mantinha de joelhos, estando alto diante dos demais deitados. 

    “Não somos seus cachorrinhos, seu cretino miserável.”, exclamou. Era um homem engravatado de mãos levantadas ao lado de um dos militares, que olhou feio. “Não vai assustar ninguém assim, nem a própria mãe.”

    “Ninguém te perguntou, colarinho”, o mesmo guarda que havia liderado o primeiro assalto cortou seu olhar sobre ele. Estava desagradado pelo que ouviu. Ao se aproximar, cuspiu ao chão, e logo pisou sobre o mesmo lugar, escurecendo a saliva de poeira e fuligem sobre o piso da estação. “Você tem culhões, maiores que os de um covarde. Fique na frente.”

    “Podem armá-lo e dizer que ele se voluntariou,” ordenou, “ele tem boa pinta para se tornar um psicopata se capricharem.”

    Um dos guardas foi na direção dele e o agarrou pelo ombro com força, apontando a pistola sobre sua nuca. O engravatado se sentiu pressionado, e resistiu. Um dos outros guardas veio para ajudar seu colega, e então o puxou para impô-lo ao chão, até sumir. No entanto, ele se prostrou mais a frente para que fosse visto uma última vez. Em seguida, lhe impuseram um plástico-filme sobre o qual pressionaram os dedos daquele homem.

    “Não existe bicho-papão. Ninguém acredita em histórias de crianças; não somos covardes!”, grunhiu fortemente, antes que num passo de um simples movimento lhe fosse jogado para perto da escada, com o rosto à mostra até o vazio do primeiro andar. Depois, lhe impuseram fita adesiva sobre a boca, assim que se asseguraram dele com uma joelhada sobre suas costas.

    “Seria uma baita honra vê-lo, para falar a verdade”, respondeu. Assim que disse essas palavras, fechou os olhos com retidão. Depois, ele voltou até os demais. 

    Havia um homem mais mal vestido, era japonês. Ele se aproximava com um semblante mais pacífico, e com as palmas de suas mãos juntas de admiração. Quando ele se aproximou, ele agarrou o capitão pelo ombro enquanto sorria.

    “Já devíamos começar a tomar medidas drásticas, antes que perca a graça”, disse, enquanto retirou seus olhos de relance do imediato. 

    “Vai com calma, camarada. O capitão precisa chegar o quanto antes para acionarmos o protocolo. Não faça nada até lá, entendido?”, respondeu, virando-se preocupado.

    “Não guarde esse receio para mais tarde. Há decisões que só se tomam com rapidez, e talvez se arrependa disso. Muito cuidado”, retrucou, finalmente caminhando até seus colegas. “Nossa reputação depende disso, é por nosso bem, assim como nós valorizamos muito a honra de seu grupo.”

    “Então se policiem sobre sua honra também para que ela esteja de acordo. Não se preocupe, no mais, creio que não demorará até que ele chegue, a parte do seu interesse virá em tempo certo,” disse-lhe. “Agora vá.”

    O japonês seguiu as ordens e se separou dele. Assim que foi até seus colegas, aos quais deu ordens para que o seguissem e preparassem as munições, o imediato caminhou na direção de um homem armado com um capacete pesado.

    “Não o perca de vista,” empurrou o subordinado devagar, que então colocou o rifle sobre as costas, travando-o em seguida. No entanto, antes que ele continuasse, o imediato outra vez o puxou para que ele o visse pelos olhos, desagradado. “Destrave a arma de volta e a mantenha em mãos. Essa ordem não foi dada.”

    “É agora?”, perguntou, levantando uma das sobrancelhas.

    “Quando eu disse que teria hora? Isso não é um dia de trabalho normal. O negócio tem que ser bom, a todo custo” , disse, checando-lhe os bolsos até lhe entregar uma folhinha de papel dobrada a seus bolsos.

    Então, ele arregalou os olhos, como se estivessem cercados por uma tensão que apenas sua consciência revelava para si. Mesmo vestido de luvas, ele foi agarrado pela mão por seu superior, até receber consigo uma pequena pistola, com um cano estendido, e um visor indiscreto.

    “Eles existem mesmo, senhor?”, indagou, desacreditado e de olhos aprofundados em amargura.

    “Isso aqui vai virar uma piscina de sangue por causa de trapaceiros. Não vai haver tempo para testar isso, muito menos a nossa paciência. Fique de olhos abertos”, disse-lhe, empurrando outra vez a arma, que em seguida foi escondida sobre a cintura.


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