Capítulo 10: Segunda semana parte 2
por Miguel HallidayEm uma cabana envolta por uma atmosfera gelada, afastada da cidade e de qualquer outra pessoa, morava um homem. Esse homem havia abandonado a sociedade e morava solitário, apenas se preocupando com o que iria comer, ou em raras ocasiões, qual demônio iria matar.
Os dias passam de forma rápida e serena, como uma borboleta passa pelas flores da primavera. Onde a vista alcançava, era possível ver terra amontoada, e essa terra era encharcada pelo mato que não aparavam mais.
O homem não se preocupava mais com a vida, apenas esperava por um novo dia, aquele que com certeza viria, o dia após o dia. O homem não se importava mais, vivia em seu ócio. Vivia? Ele não sabe…
Essa é a história de mais um a quem foi prometido predestinação.
Seria essa uma história passada?
Ou seria uma memória do futuro?
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— Haaa — suspirou Kogo — Aquele garoto não deu as caras mais um dia em…
Passaram-se dois dias desde a caça de Kogo e Óscar, e faziam dois dias que Óscar sumira.
Ele se isolou no alto da montanha vizinha da casa de Kogo, e se manteve meditando lá todo esse tempo.
Kogo já estava pensando que o rapaz desistira do treino, quando a porta abriu abruptamente.
— Olha só quem apareceu — disse Kogo, tentando esconder seu alívio — E então, onde estava?
— Treinando…
— Treinando é? Mas por que foi para a montanha?
— Precisava pensar. Pensar sobre os últimos dias — bufou Óscar enquanto se recostava na cadeira da cozinha.
— E? Qual a conclusão?
— Você sabia que iria ser daquela forma? Digo, que eu iria me exaltar?
— Sim, sabia.
— E me levou lá mesmo assim?
— Sim, levei.
Óscar e Kogo estavam se estranhando na manhã que começou havia pouco. Óscar tinha muito para dizer, muito que estava preso na garganta.
— Eu pensei… enquanto treinava. Pensei sobre o que eu fiz com aquele demônio, principalmente sobre como me senti! — Kogo não disse nada, embora sua preocupação tenha se aliviado ao ouvir que Óscar continuou treinando — Embora fosse um demônio, sofria e sangrava como qualquer um de nós, sangrava como eu sangrei naquela noite…
— Sim, sangrava.
— E mesmo assim eu me senti bem com aquilo.
Um silêncio permeou o ambiente que costumava ser um escape dos treinos pesados.
— Sabe — começou Kogo —, eu te levei lá para que você pudesse entender a extensão da sua força, e da sua raiva…
Óscar engoliu seco.
— Eu imaginei que você teria uma reação brutal contra um desviante ensandecido. Não há nada que possamos fazer, você decidiu entrar nesse mundo quando se tornou meu aluno, não pode dar pra trás agora garoto.
— Nunca foi meu plano. Mas… qual a diferença entre mim e esses demônios, afinal? Eu os caço e mato como se fossem ratos, tal qual eles fazem conosco. Qual a diferença?
— Nenhuma. Qual a diferença entre as raças? Nenhuma, essa é a resposta — disse Kogo enquanto se sentava — Você precisa começar a entender isso, tudo que você faz, outros já fizeram antes de você. Sua vida não é nobre e muito menos bonita, você caça demônios e tenta viver da melhor forma possível, ignorando seus pecados.
Óscar enrubesceu.
— Haaaa — suspirando pesadamente, Kogo continuou — Sabe, meu primeiro foi como o seu, me senti péssimo durante uns dias, não por ter matado ele, mas por ter me sentido igual a ele. Bem.
— E como você superou?
— Não superei. Matar nunca é simples, afinal, quem somos nós para matarmos outra pessoa? Se você não dá algo a alguém, não tem o direito de tomar, isso é fundamental quando aplicado à vida.
Durante o silêncio que tomou conta do ambiente, o farfalhar das folhas distantes podia ser ouvido, o gongo do relógio bateu incontáveis vezes, e igualmente, a pia frouxa pingava centenas de gotas.
Não era um silêncio estranho nem forçado, mas natural. Kogo e Óscar tinham seus pensamentos para pôr em ordem, e assim o fizeram.
— O que faremos agora? — perguntou Óscar.
— Pergunta idiota, treinamos, claro.
— Imaginei…
— Já vou te avisar de antemão, a partir de agora, caçaremos demônios duas vezes por semana, aumentando os pesos nessas ocasiões!
— Você é insano cara.
— E mais uma coisa, não poderá usar seu despertar fora dos treinos, você acabou facilmente com Itsar usando a técnica.
— Itsar? Então ele tem um nome… claro que tem.
— O nome humaniza as coisas, não dê atenção para isso, rapaz.
— Claro.
*****
No último dia da semana, Kogo chamou Óscar, interrompendo seu treino.
— Que é? Atrapalhou minha concentração.
Assim que Óscar abriu a porta, se deparou com uma cena estranha, Kogo estava de pé ao lado da mesa, e sentada na cadeira, estava uma garota.
— Quem é essa? — Óscar, sem perceber, assumiu uma expressão carrancuda ao ver a garota, que retribuiu com um apertar de sobrancelhas.
— Óscar, essa é Cecília, ela irá nos acompanhar o resto do mês.
— Que? Ta de sacanagem?
— Não, não estou, ela irá ser sua companhia de treino, acostume-se!
— Inacreditável, tu disse que só aceitava pessoas em casos específicos, mas aceitou essa qualquer aí…
— CHEGA — exclamou Kogo, batendo a mão na mesa — Vá treinar e esfriar sua cabeça, isso se não quiser levar uma surra.
— Droga — saiu abruptamente Óscar irritado.
— Desculpe por ter visto essa cena deplorável, garota — redimiu-se Kogo
— … —
— Merda, por que agi daquele jeito? Nem era minha intenção… — Óscar estava se culpando pela cena.
No geral, o rapaz era tranquilo com as pessoas, e ele não vê problema em treinar com outras pessoas. Mas ficar na mesma sala que aquela garota o deixou ensandecido.
Então dirigindo-se à cratera, pôs-se a sentar e meditar o resto do dia.
Na casa, Kogo servia chá para Cecília.
— Sabe, vocês dois se darão bem, estão em circunstâncias semelhantes, quase sobrenatural. Eu diria que estão ligados pelo famoso fio vermelho. Dê uma chance.
Sem respostas, Kogo seguiu seu monólogo.
— O rapaz passou por uma situação difícil recentemente, claro, isso não justifica sua ação estúpida, mas é uma boa desculpa. E eu até posso imaginar o que fez ele agir assim…
A noite acabou sem nenhuma palavra da garota, e assim, mais uma semana começou.