Capítulo 12: Punho escarlate
— O manifestar consiste em explodir toda a energia do seu corpo. É uma técnica de alta performance onde ao invés de circundar o corpo com uma fina camada de energia, como normalmente fazemos, você expulsa essa energia. — Kogo estava sentado em uma rocha centralizada na cratera.
Ainda era noite, Cecília não havia acordado e, sem demora, Kogo avançou o treinamento de Óscar.
— O manifestar — continuou — é uma técnica quase exclusiva de cada exorcista. Podemos generalizar em 2 tipos: condensado e externo. A forma condensada consiste em jogar para fora toda a energia mas ainda manter ao redor do corpo, criando uma grossa camada que não só protege a si, como também fortalece os ataques. A segunda forma consiste em usar a energia de forma secundária, podendo imbuir armas com Divino e Abismo, ou até mesmo criar uma arma de energia pura. Alguns tentam arremessar energia como se fosse magia, mas quase não tem efeito e se torna inútil.
— E eu posso escolher qual eu quero? — perguntou Óscar.
— No geral, não! Mas se tratando de você, sinceramente não sei o que esperar.
— Hmmm ok. E como eu faço?
— Vamos lá — começou Kogo, se levantando e andando pra lá e pra cá — Não creio que seja muito difícil, mas é um processo mais intuitivo do que teórico. Faça o seguinte: reúna toda a energia do corpo em um yin-yang, o mesmo processo de sempre, mas ao invés de espalhar pelo seu corpo, agite a energia de modo que ela passe de dentro para fora através de sua pele.
Óscar fechou os olhos e se concentrou.
No estado em que estava, conseguia sentir toda a energia ao redor com uma capacidade básica, mas fechou completamente os canais externos e se concentrou apenas em seu corpo.
A energia que fluía de si era única, pura. Se comparado à energia externa, que era hostil, a sua própria energia era calorosa e amigável.
Em alguns segundos, toda sua energia estava condensada. Seu corpo estava seco, metafórica e literalmente falando. A percepção aguçada pela energia abandonou seus sentidos e pôde sentir sua força sendo retirada. Nesse momento, Óscar percebeu o quanto seu corpo havia mudado e evoluído graças ao treino proporcionado por Kogos.
“Vamos lá”
A atmosfera pesou. O ambiente adquiriu um tom acinzentado. Kogo engoliu seco.
O que normalmente era uma fina camada protetora ao redor de Óscar, se tornou uma visível e pesada aura que começou a ricochetear ao redor do seu corpo.
De maneira rude e sem harmonia, a energia ameaçava qualquer coisa ao alcance.
Cecília apareceu na porta e, sem ninguém a perceber, se aproximou da cratera. Pensou em como a situação diante de seus olhos era absurda e amedrontadora.
Vendo de fora, parecia que Óscar estava fora de controle, sendo consumido pelos tentáculos curtos mas energéticos que o contornava.
Segundos depois de começar, Óscar contraiu sua energia, elevando a densidade e diminuindo o tamanho, restringindo apenas aos punhos.
— que merda… — cuspiu Kogo de forma quase inaudível.
Quieto. Tudo ficou quieto subitamente. A visão clareou na medida do possível, visto que ainda era noite, e a respiração voltou ao normal. Uma visão até então amedrontadora para Cecília, se tornou uma visão de admiração.
Parado na cratera estava um homem relativamente alto, de longos cabelos acinzentados e com punhos brilhando em fogo. Um fogo estridentemente rubro que machucava só de olhar. Um fogo que poderia queimar um ser humano em segundos, mas que acima de tudo, era belo. Bizarramente belo e… até demoníaco.
— E então? — perguntou Óscar — como eu fui?
— Como sempre — disse Kogo enxugando o suor de sua testa —, você ultrapassou as expectativas.
Óscar extinguiu as chamas enquanto perguntava: — Eu imagino que sou do tipo condensado, certo?
— Imaginou certo. Apesar de que… é raro alguém conseguir limitar a área de uso em apenas uma área do corpo. Normalmente se espalha pelo corpo inteiro.
— Eu pensei nisso, mas parecia mais lógico usar os punhos, é uma área pequena então eu iria ampliar o poder, condensando maior energia.
— De fato. Mas o ponto principal é a tonalidade… Garoto, não é raro que exorcistas utilizem do fogo, mas com certeza nenhum nunca começou no vermelho. O normal é que a cor inicial seja o azul e que vá adquirindo cores mais avermelhadas conforme o treinamento.
Óscar ouvia enquanto olhava para seus punhos.
— Vermelho escarlate em… é uma cor forte, garoto. — finalizou, Kogo.
— Com certeza é… — Óscar retrucou enquanto cerrava os punhos.
— O que achou disso Cecília? — perguntou Kogo, direcionando seu olhar para o topo da cratera.
Óscar olhou também, confuso.
— Ah — exclamou Cecília, percebendo que foi pega — Nada de mais! — disse, virando a cabeça e indo embora.
— Garota cabeça dura…
— E você ainda disse que iria dar tudo certo — reclamou Óscar.
— E vai. Só precisa dar tempo ao tempo — disse por fim, Kogo, indo também em direção a casa.
Óscar ficou sozinho, deixado com seus pensamentos.
*****
Na madrugada, Óscar acordou subitamente. Ainda estava na cratera, e tinha um cobertor por cima de seu corpo. Não estava muito frio.
Ainda recuperando seus sentidos, olhou em volta e se levantou.
“Cacete… dormi aqui fora”
Assim que saiu da cratera, percebeu uma figura sentada na outra ponta, observando o céu negro que passava de uma ponta à outra. Uma visão limpa que era proporcionada pela ausência de prédios.
Se aproximou da figura e se sentou ao seu lado.
— Foi você quem me trouxe a coberta?
— Foi Kogo quem mandou… — disse com uma voz sedosa e incrivelmente serena, Cecília. — Eu não teria saído aqui por conta própria!
Era mentira.
Ambos tinham coisas para dizer. Coisas presas na garganta. Desculpas para dar.
— Me desculpe pela situação no banheiro — disse por fim, Óscar — E também me desculpe por ser um idiota quando nos conhecemos.
— Eu também… Eu também me desculpo. Eu cheguei de intrusa aqui e não fui nem um pouco compreensiva com sua situação! — exclamou Cecília, fixando seus olhos nos de Óscar e rapidamente os desviando.
Pela primeira vez desde que a conhecera, Óscar olhou de verdade para Cecília.
Óscar estava repleto de medo e angústia. Medo dela ser bonita demais. Medo dela ser assustadora demais. Medo dela ser parecida com…
Mas assim que a olhou diretamente, seus medos foram apaziguados.
Cecília não era assustadora, muito menos uma divindade que enfeitiça qualquer homem. Ela era uma garota simples.
Dotada de um longo cabelo branco que belamente reluzia à luz das estrelas. Pele macia e tez levemente amarelada. Nariz arrebitado e olhos pouco arredondados, seguidos por uma expressão cansada e sem brilho. Cecília não era esplendorosa, nem chamativa. Ela era apenas linda, no sentido mais simples da palavra, linda.
— N-não precisa se desculpar, o velhote me disse sobre sua situação… — respondeu Óscar, tentando afastar seus pensamentos — Me desculpe por me intrometer, mas é só que passamos pelo mesmo.
— Sim, ele me contou também, que o mesmo demônio… O mesmo demônio que invadiu minha casa, quase te matou.
— Beelzebub…
— Já pensou no que vai fazer quando estiver cara a cara?
— Toda noite. Antes de dormir, a única coisa que me passa na cabeça é a forma como vou matá-lo — disse Óscar, assumindo uma expressão assustadora em sua face — Ah, mas imagino que você também vai querer se vingar.
— Não, na verdade não — respondeu Cecília, meneando negativamente a cabeça — Na verdade a única que eu quero fazer pagar, é aquela garota de cabelos vermelhos… foi ela quem me surrou e quem matou minha mãe… ela é quem eu quero matar!
Óscar mordeu seu lábio, preferindo não falar nada com Cecília sobre essa garota.
— Vamos entrar — disse Óscar, levantando do chão e erguendo sua mão para Cecília — Amanhã vamos levantar cedo e iremos caçar, melhor dormir logo.
Cecília concordou e timidamente segurou na mão do jovem.
Noites como essa se tornaram rotina para os dois jovens que, aos poucos, foram se conhecendo mais.
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