O Órgão Infernal é uma corporação criada por Lúcifer para ajudar a igreja a lidar com a crescente dos números de desviantes.

    Durante a maior parte de sua curta existência, o Órgão Infernal trabalhou diretamente ao invés de em conjunto da igreja, mas ao decorrer do tempo essa relação deixou de ser de subserviência para ser uma relação de duas vias.

    Em todos os 10 anos de existência, o Grão-Lorde, aquele que toma as decisões e dá ordens, foi Veruhn.

    A história de Veruhn é sem precedentes. Ele foi um demônio que enfrentou as forças do próprio Lúcifer e dizimou toda uma antiga ordem de guerreiros. “Herói” talvez seja o título adequado para o homem que derrotou sozinho um dos Cavaleiros do Apocalipse.

    Esse homem agora estava diante de Óscar e Cecília, sentado de forma imponente em sua imensa mesa.

    — Já ouvi sobre você antes — disse Veruhn com uma voz calma e rouca. — Você foi o responsável por eliminar um dos demônios superiores traidores, Beelzebub, se não me engano.

    — Sim…

    Óscar não soube dizer se o tom era acusatório, repreensivo ou outra coisa.

    — Não me entenda mal, não guardo rancor. Na verdade você nos fez um favor enorme lidando com ele! Tem minha gratidão.

    Veruhn inclinou a cabeça em uma inclinação que quase nem se podia dizer que era um agradecimento, mas o gesto foi o bastante para Óscar.

    — Mas mudando de assunto, o que precisa de mim, Kai? Você não viria até aqui somente para fazer um relatório.

    Veruhn falava com grosseria militar na voz, e Kai respondeu com igual formalidade, mas em tom de subserviência.

    — Quero– Queremos sua ajuda para contatar o Lorde de Infernus, Lúcifer. 

    Kai fez uma pausa enquanto suas palavras percorriam a sala fria.

    — As informações que temos podem ser o bastante para iniciar outra guerra… Nem eu nem meus companheiros ali queremos isso. Eles acreditam que conseguem convencer Lúcifer com palavras.

    — HA!!

    Veruhn soltou uma estridente risada zombeteira que ecoou pelos ouvidos despreparados.

    — O que há de tão engraçado? — Cecília levantou uma sobrancelha e perguntou secamente.

    — Acha que não somos capazes disso? — finalizou Óscar.

    Alguns segundos se passaram em um silêncio doloroso após Veruhn retomar sua pose, e então…

    — Não é bem isso. Bem, na verdade eu realmente duvido de suas habilidades persuasivas. Você, meu garoto — disse levantando um dedo para Óscar. —, me parece do tipo que só sabe usar os punhos.

    — O que você poderia saber sobre mim?

    — Sei o bastante visto que já matei incontáveis de humanos e demônios que tinham seu mesmo olhar.

    Veruhn se levantou e fez com que Óscar liberasse uma camada de energia pelo corpo, fazendo Veruhn zombar silenciosamente.

    Ignorando a cautela desnecessária de Óscar, Veruhn se dirigiu até a janela da sala e olhou através.

    — O atual Lúcifer é um ser quase incompreensível, em todos os aspectos. Ouvi dizer que ele adora lutar, mas tirando esse fato, não sei quase nada sobre suas vontades. Ele praticamente não se envolve na política de Infernus e mesmo tendo uma maldita guerra civil acontecendo, ele não moveu um dedo para resolver. 

    A sala ficou novamente em silêncio, mas dessa vez foi um silêncio necessário para Óscar digerir a informação. As informações.

    — Eu disse que não acho que vocês vão conseguir convencê-lo, mas isso não é necessariamente culpa de vocês. No entanto, eu farei como vocês querem, não acho que esse mundo aguente outra Guerra Imortal.

    — Tem nossa gratidão — disse Óscar, curvando-se levemente.

    Veruhn olhou para ele e riu como se satisfeito.

    — Não quero gratidão, quero resultados! — respondeu, com a firmeza de um general. — Conseguirei contato com Lúcifer em 3 semanas, até lá façam o que quiserem.

    — TRÊS SEM– 

    Kai tossiu rispidamente.

    — Isso não é tempo demais? — Cecília perguntou o que Kai deixou entalado.

    — Normalmente sim, é. Mas se tratando do atual Lúcifer, nem um pouco! 

    Veruhn sentou-se novamente na cadeira e levou a mão direita ao queixo.

    — Hmm… Vocês deveriam ir até a Guilda, lá vocês podem arrumar dinheiro e passarem essas semanas. Mas deveriam tratar desses trapos que estão usando antes.

    — Já providenciamos algumas roupas com Ednarson, mas o que é essa Guilda?

    — A Guilda dos Caçadores é um estabelecimento onde demônios e humanos se reúnem para partir em explorações pelo Grande Deserto. Ou costumava ser assim séculos atrás, hoje em dia é um lugar para pegar missões de caça qualquer. Vocês devem saber que toda a carne de Infernus sai do Grande Deserto, certo?

    — Ouvimos algo assim… — disse Óscar, coçando o queixo enquanto ponderava suas opções. — Muito bem, vamos até a Guilda então! Pode me dizer onde fica?

    — Pergunte para Jasmin, a recepcionista no primeiro andar, ela vai lhe dar um mapa da cidade. Não esqueçam, três semanas.

    Acenando para Veruhn, o trio se dirigiu para fora, Kai fazendo uma profunda reverência.

    Quando a sala estava vazia, exceto por Veruhn…

    — Laura.

    Ao chamado, uma pessoa incorporou-se das sombras da sala e parou ajoelhada ao lado de Veruhn.

    — Você ouviu tudo, certo? Tome as providências de tudo. 

    Hesitando um pouco, Veruhn continuou.

    — Além disso, fique de olho naqueles dois.

    — Como queira, mas se me permite… por que disse a eles que precisaria de tanto tempo?

    A figura — a mulher — falava com uma delicadeza e calma quase nauseante quando comparada à voz rude de Veruhn.

    — Eles não estão em condições de sobreviver aqui ainda, se eu os mandasse para lá desse jeito, eles morreriam. Não tenha dúvidas disso.

    Com essa resposta direta, a mulher acenou e sua persona, escondida por uma largo manto negro, tornou-se novamente uma com as sombras.

    *****

    Parece que nos separamos aqui então — disse Kai, se despedindo de Óscar e Cecília na entrada do Órgão Infernal.

    — Em três semanas nos veremos de novo. Além do mais, sabe onde estaremos. — Óscar levantou o pequeno mapa entregue por Jasmin e o acenou para Kai.

    Com uma breve despedida, Óscar e Cecília foram para casa. 

    — Acho que antes de irmos até a Guilda, deveríamos esperar nossas roupas ficarem prontas. 

    No meio do caminho, Cecília apontou esse fato, exteriorizando um pensamento de ambos.

    Óscar já estava cogitando essa ideia há um tempo. O fato de ambos não só estarem usando roupas de outro “mundo”, mas ainda serem roupas velhas, era muito chamativo.

    Se eles quisessem ter uma estadia mais facilitada, eles deveriam se misturar tanto quanto possível. Essa foi a conclusão de ambos.

    *****

    Óscar estava olhando para uma fachada chamativa vermelha que ele já conhecia. Três dias se passaram rápido devido ao quão fácil era se entreter em uma cidade como Infernus, cuja cultura e aparência eram algo inédito para qualquer humano.

    — Ed — chamou Óscar, entrando na loja.

    — Oho, meus pombinhos bonitinhos! Já era tempo, suas roupas estão prontas.

    Ednar estava impecável como sempre. 

    Seu longo cabelo cor de trigo estava amarrado em duas tranças que caiam sobre suas costas eretas e lisas, seu corpo adornado com um traje roxo escuro que cobria dos seus pés até o colarinho em uma única peça. Apenas um corte que se abria de seu colarinho até o peito mostrava a graciosidade de uma pele cinza. Das laterais de seu quadril, duas asas, parte da roupa, se projetavam caindo levemente pelo peso.

    — Como foi? — Óscar se acomodou em frente ao Ed, olhando as vitrines da loja. — As roupas ficaram boas?

    — Isso seria uma pergunta cabível de prisão se viesse de outra pessoa, mas como gosto de você, irei deixar passar!

    Com o falso choque passando pelo rosto de Ed, Óscar levantou uma sobrancelha.

    — Ahem… Sim, foi tudo bem com as roupas. Ficaram impecáveis como qualquer outra peça dessa loja!

    Ed falava em um tom alegre e saltitante enquanto se dirigia para os fundos da loja.

    Com um aceno de mão, Óscar e a silenciosa Cecília o seguiram.

    A parte traseira da loja era tão adornada quanto sua entrada.

    Uma sala quadrática se estendia sobre o campo de visão a partir do momento em que a cortina caía sobre as costas de Óscar.

    Uma sala dourada com diversos pares de roupas seguros em estandes simples. As roupas eram significativamente mais simples do que as exibidas nas vitrines frontais, mas seu refino era de igual valor.

    — Uaaa — Cecília deixou escapar um suspiro surpreso ao entrar na sala.

    — Ali estão os provadores — disse Ed, sinalizando para duas cabines rodeadas com cortinas grossas e brancas. — As roupas dos dois já foram devidamente ajustadas e estão prontas para vestir.

    Sem dizer mais nada, Ed sentou-se em um banco acolchoado no canto da sala.

    Óscar e Cecília trocaram olhares e então entraram nos cubículos.

    — Isso é melhor do que eu esperava…

    Óscar não pôde deixar de comentar sobre o que viu ao entrar.

    Quando ambos terminaram de se trocar e saíram, a visão foi nada menos que deslumbrante.

    Cecília estava usando um traje de couro preto e justo que realçava suas curvas mas escondia sua bela silhueta de qualquer desavisado que passasse. Era um macacão bem polido e liso, mas que não brilhava e muito menos emitia reflexos. O couro era estranho para Cecília, mas só de olhar já ficava claro sua qualidade, sentir ele sobre sua pele então a fez sentir-se nas nuvens.

    — Eu quase não sinto a roupa encostar em mim… — disse, enquanto se ajustava na roupa. — Por ser couro, eu esperava uma sensação… diferente.

    — Não é de se espantar. Esse couro apenas existe aqui no Mundo Inferior, é de uma criatura selvagem chamada de Antares pelos caçadores. Uma criatura da noite que caça melhor que qualquer um, mas não existem mais tantos deles assim, o que é uma pena para meus negócios.

    A roupa de Cecília era como pena em seu corpo, se ela fosse cega talvez nem soubesse que estava vestida. O traje subia de seus pés até os ombros de maneira uniforme, como um traje de mergulho, mas muito mais refinado. Os sapatos ainda faziam parte do traje, mas tinham uma espécie de enchimento que amortecia os passos ao mesmo tempo que os silenciavam. Descendo como um zíper belamente adornado, estava um fio dourado que se projetava sobre o pescoço e descia até o esterno, pairando acima dos presos seios de Cecília.

    Em poucas palavras, era o traje ideal para um assassino. Elegante mas completamente misterioso. Belamente adornado e realçado por curvas calculadas, mas nem um pouco voluptuoso.

    Mas se comparado ao seu par, chamar o traje de Cecília de roupa de assassino era até mesmo eufemismo.

    Óscar estava adornado com nada menos do que o mais puro negro. Seus pés achavam sustento sobre um par de botas pretas como a noite, botas de bico fino e laterais grossas, perfeitas para demolir até paredes com um chute. Subindo por suas pernas, uma calça tão escura quanto a visão de um morto cobria cada centímetro de pele, a vestimenta era claramente colada, mas a visão direta a fazia parecer larga o bastante para enfiar duas pernas sem dificuldades.

    Caindo sobre toda a parte superior e metade da inferior, um sobretudo negro tomava conta da proteção de Óscar. O sobretudo coube tão bem que parecia flutuar ao redor de Óscar, e se não fosse por um corte no peitoral, era difícil dizer até mesmo que uma pessoa estava dentro da roupa. O peitoral pequeno mas robusto de Óscar estava levemente à mostra, dando um ar parrudo mas singelo ao rapaz.

    Ambos os negros trajes de Óscar e Cecília realçavam completamente seus cabelos. O macacão escuro de Cecília parecia morto se comparado ao seu cabelo branco como a neve. O realce do sobretudo negro de Óscar com seu cabelo pálido como cinzas era quase impossível.

    — Isso vai além do que nós pedimos… — disse Óscar, meio sem graça. — Mas somos realmente gratos!

    — Não se preocupe com isso. O simples fato de ver vocês dois se projetando de meus belíssimos trajes já me encanta mais do que qualquer montante de dinheiro. 

    — Mas isso não é meio… chamativo?

    Cecília estava um tanto envergonhada de vestir um traje que a realçasse tanto.

    — Por mais que eu adoraria ver você posando com suas belas curvas por aí, você está certíssima, boneca. — Ed se encaminhou até dois estandes de roupas. — Essas capas são de um material especial que não vai apenas disfarça-los, como também irá mascarar sua presença de pessoas desavisadas.

    Eram duas capas grandes e, naturalmente, pretas, com capuzes.

    — Você fez muito mais do que nós poderíamos pedir, Ed. Algum dia vamos te compensar com algo além de dinheiro.

    — Estarei esperando por esse dia então hehe~.

    Saindo da loja de Ed, antes de irem para a Guilda dos Caçadores, Óscar e Cecília trocaram olhares.

    — Você realmente ficou bonita nessa roupa…

    Óscar estava com orelhas estranhamente avermelhadas e desviou levemente o olhar. Cecília foi pega um tanto despreparada com o elogio.

    — Você não ficou nada mal também. Mas é melhor colocarmos a capa logo.

    Voltando aos sentidos, Óscar concordou e passou a capa preta por cima de seu pescoço. “Caiu como uma luva”, pensaram ambos ao mesmo tempo.

    Com qualquer empecilho fora do caminho e com um objetivo claro, ambos seguiram para a Guilda.

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