— Como estamos de suprimentos? — perguntou o homem mais baixo.

    — Vai durar até que a revolte comece e acabe, garanto isso! — respondeu o mais esguio.

    O mais baixo, que parecia ser o chefe, usava um gorro marrom na cabeça, o que o deixava com aparência engraçada. O homem magro era feio de doer e se coçava sem parar.

    — Está chegando a hora… Já esperamos tempo demais uma resposta de Lúcifer. Aquele mesquinho nem nos deu o valor de uma resposta, apenas nos ignorou! Acha que vamos deixar isso?

    — Eu imagino que não — chiou o feioso, rindo horrivelmente.

    A porta da sala, pequena e sem móveis, exceto por uma mesa quadrada, foi aberta de repente seguida por um som alto.

    Os dois homens que balbuciavam escondidamente se ajoelharam assim que tomaram nota de quem havia entrado.

    — Senhor! — disseram, em uníssono.

    O homem que entrou era alto e elegante, portando um traje real azul escuro e um tapa olho preto. Examinou os arredores e soltou um: “tch” audível.

    — E então? Como estão os preparativos?

    — Tudo certo senhor! — disse o homem de gorro marrom. — O estoque de comidas está cheio, o de armas também, se precisar. Subornamos alguns guardas, ameaçamos outros e simplesmente convencemos alguns poucos.

    — Bom… 

    Ambos os capangas suavam frio, mesmo que a sala parecesse uma sauna.

    — E quanto ao nosso… amiguinho?

    — Tudo pronto senhor. — O homem de gorro engoliu seco. — Já está em nossas mãos

    — Aquela megera! — De repente o homem de tapa-olho começou a divagar — Tomou tudo para si e faz pouco caso de nós, a quem mais devia temer. Como se não bastasse, ignora qualquer coisa que propomos e nos trata como ralé, lixo.

    — Perdoe-me senhor, mas de quem está falando?

    O homem de tapa-olho olhou torto para o feioso, que gelou a espinha.

    — Não é da sua conta. Continuem o trabalho, apenas mais alguns dias e estaremos agindo, esperem minhas ordens. A “paz”, inútilmente prolongada, acabou. Já deu dessa guerra fria.

    — SIM SENHOR!! — disseram em uníssono novamente.

    *****

    Cecília levantou enquanto ainda era cedo.

    Coçou o olho direito, tentando retirar qualquer remela que ainda existisse, espreguiçou-se e saiu da pequena barraca.

    Usou parte da água que tinham para lavar o rosto e se alongou um pouco. Fez o que tinha de fazer e seguiu para o lugar que usava para treinar.

    “Até que está bonito”, pensou, olhando para o horizonte ao redor. “Embora seja um horizonte vermelho”.

    Quando se aproximou, a primeira coisa que chamou sua atenção não foram as esferas de energia pura, ou como elas dançavam no ar como mágica. O que chamou a atenção de Cecília foi a figura, a pessoa, responsável por projetar o show.

    Óscar estava realizando movimentos lentos e fluidos, com uma esfera de tamanho médio em cada uma das mãos, uma na cabeça e outra no pé esquerdo. O pé direito estava responsável pelo equilíbrio específico.

    Quando terminou seus movimentos, Óscar jogou todas as esferas para cima, e as engoliu uma a uma. Quando engoliu a última, levantou em um ângulo reto os dois braços. Do braço esquerdo soltou uma rajada de energia divina, do braço direito uma rajada do abismo.

    Vendo isso, Cecília sorriu sorrateiramente e foi até Óscar.

    — Bom dia, achei que fosse estar meditando.

    — Bom dia. Na verdade acabei há alguns minutos e decidi treinar outras coisas. Você acordou bem cedo hoje também, aconteceu algo?

    — Na verdade não, só dormi o suficiente.

    — Entendi.

    — De onde você conhece esses movimentos? Achei que você não tinha praticado artes marciais antes.

    — Não fiz. — Óscar parou um instante e, relutantemente, respondeu enquanto coçava a bochecha — É de Avatar.

    Cecília segurou o riso e acenou, deixando Óscar avermelhado e indo para o treino.

    Ela começou com novos tipos, mais rígidos, de alongamentos. Depois seguiu para treinos de mobilidade e, por fim, força.

    Era o treino habitual que tentava diligentemente seguir. Cecília nunca foi do tipo rígida com treinos, o que se provou bastante nos últimos meses que passou com Óscar. 

    Ela era, de fato, uma das melhores lutadoras de seu dojô, mas isso era em grande parte talento. Obviamente ela treinou muito, mas não tanto quanto algumas outras precisaram.

    Depois de passar pela parte habitual, Cecília parou para observar o treino de Óscar. Basicamente a teoria era o mesmo que antes, mas usando movimentos e formas diferentes.

    “Bonito”, pensou ela, não sabendo dizer se estava se referindo à forma ou Óscar.

    Cecília não tinha sentimentos confusos. Ela foi uma garota sem muitas interações românticas que, no entanto, sempre desejou se apaixonar.

    Quando conheceu Óscar, não gostou dele. Arrogante. Pé no saco. Estupido. Essas foram as primeiras impressões de Cecília, sem mas. Óscar foi rude, indelicado e grosseiro com uma garota que tinha perdido sua família há pouco. Que estava sem rumo e perdida em uma casa com dois estranhos.

    Não demorou muito para essa impressão ruim ser trocada por um sentimento de afeição. Óscar se mostrou uma pessoa compreensiva com ela, mesmo quando errava vergonhosamente nas caçadas ou quando não entendia lições “simples”.

    Óscar e Cecília passaram tempo o bastante juntos para que um sentimento de proteção crescesse entre eles. Óscar interviria quando Cecília precisasse de ajuda física. E Cecília sempre estaria lá para Óscar quando ele estivesse mentalmente desequilibrado, mesmo que ele não soubesse disso.

    O sentimento que Cecília sentia naquele momento, em um deserto seco, mas estranhamente aconchegante, era…

    Não, não importa.

    Não é algo para se dizer agora.

    *****

    Jaguar Infernal é uma raça de gatinhos que vive exclusivamente no Grande Deserto.

    Os estudiosos dizem que a biologia deles é estranha para o lugar, mas de adaptaram a ponto de sobreviverem ali. Como chegaram? Ninguém sabe. Mas a carne vende bem nos mercados de Infernus.

    Uma característica importante, e única, para se distinguir os felinos, é uma longa chama dourada que parte da área superior da espinha até a parte inferior.

    Essa era a estranha criatura que Óscar e Cecília estavam caçando. Para ser exato, o bando dessas criaturas.

    Óscar estava estático e com guarda alta encarando três dos felinos. Cecília, virada mais para a direita, estava sendo espreitada por outros quatro.

    — Não sabemos quão perigosos são, então não se discuide — alertou Óscar, levando um leve fogo, incolor, até a ponta dos punhos. — Mas não acho que serão fortes o suficiente para dar cabo de nós…

    — Concordo. Acha que dá conta desses três sozinho? — zombou Cecília, rindo de canto.

    — Vamos ver.

    Óscar riu.

    Dois gatos pularam em cima de Cecília, avantajando suas presas gigantes que, Cecília só percebeu agora, também estavam imbuídas em fogo dourado.

    — Eles lutam igual a você, Óscar! — debochou.

    Sem ter tempo de rebater, Óscar evitou uma boca repleta de dentes afiados. Girou o corpo para a direita e retirou a dádiva da respiração do felino, estourando seus pulmões com um soco.

    A criatura rosnou e grunhiu, teve espasmos, chorou, miou. Morreu agonizando.

    Cecília rodopiou por entre duas feras e cortou os estômagos, pintando o chão amarelo com sangue vermelho e tripas.

    Os últimos três da raça exótica se juntaram contra a dupla. Fizeram uma formação em V e avançaram.

    Óscar pegou Cecília pela mão e a arremessou para cima, de onde arremessou uma faca no jaguar de trás.

    Óscar pegou os outros dois pelo pescoço e os prendeu no chão. Sofreu uma infeliz mordida e xingou baixo. Cecília se aproximou manifestando duas finíssimas agulhas brancas e, sem pensar muito, as enfiou em cada jaguar, direto no coração.

    Durante alguns segundos os felinos gemeram e se debateram, mas morreram rapidamente.

    — Vamos ter carne para o resto da boa estadia aqui — comemorou Cecília.

    — De fato — concordou Óscar, sorrindo de forma amarga.

    — Hm? Ah! — exclamou Cecília, mirando a mão de Óscar. — Você se machucou? Logo você? Isso é raro.

    — Acho que me descuidei no final, eles eram mais fracos que o esperado.

    — Você está certo… Mas vamos voltar logo, temos que cuidar disso aí.

    Quando voltaram, sentaram-se perto e Cecília cuidou do machucado de Óscar.

    Enquanto passava a gaze, Óscar percebeu que Cecília estava perto de mais, e ficou consciente até da própria respiração.

    A tez clara de Cecília o cativava, e a respiração quente o deixou eriçado. Corou antes que pudesse se dar conta e desviou o rosto.

    — Está feito! — avaliou Cecília, estranhando a atitude de Óscar. — Hm? Que foi? Quer um beijo para sarar?

    Zombou, rindo com os dedos sobre a boca.

    — Claro, claro — Óscar entrou na onda, retomando a cor do rosto. — Um beijo de uma bela princesa tem efeitos mágicos de cura, certo?

    Cecília fez bico e depois desviou, rindo baixinho.

    — Pensando nisso, será que aqueles que criaram essas histórias conheciam a Energia? — indagou Óscar, adotando tom de sabedoria.

    — Aah não comece com isso! — exclamou Cecília, revirando os olhos para a atitude questionadora de Óscar em um momento tão agradável.

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