Capítulo 9: Segunda semana
por Miguel Halliday3 dias após Kogo lhe entregar os pesos, Óscar conseguiu manter o tempo do despertar por 55 segundos.
— Sinceramente, não é um tempo ruim. Grande parte dos exorcistas não conseguem manter nem mesmo os 30 segundos, mesmo durante anos de treinamento — elogiou o velho treinador.
— Mas não sinto que é o bastante! 1 minuto é muito curto, Beelzebub só precisaria correr durante esse tempo, ainda falta algo, não conseguiria fazer muito numa luta! — resmungou Óscar.
— De fato, lhe faltam duas coisas: experiência e manifestação.
Percebendo o olhar confuso de Óscar, Kogo continuou.
— A experiência é bem autoexplicativa, você precisa ganhar experiência de campo. Já a ‘manifestação’, é um grau no domínio da energia. Normalmente você já teria alcançado tal pico, mas como estamos focando no despertar, decidi deixar em segundo plano.
— Acho que tem muita coisa que não sei ainda… — disse Óscar.
— Sim, ainda existem muitos segredos que você não poderia nem sugerir a existência, mas não se preocupe, ninguém nasce sabendo — anuiu Kogo.
— De qualquer forma, termine seu treinamento de hoje, estaremos de saída assim que anoitecer! — exclamou Kogo, retirando o clima pesaroso do ambiente.
— Sair? Onde vamos? Achei que o treinamento seria aqui durante o mês inteiro. — perguntou Óscar, confuso com a súbita saída.
— Não enche, apenas termine o dia de hoje. Os detalhes não importam.
Depois da saída de Kogo da cratera, Óscar pode se concentrar na habilidade que esteve desenvolvendo nos últimos dias.
Óscar se perguntou o motivo de estar mais(nas suas próprias palavras) sensitivo com os fenômenos naturais. Dessa incógnita, nasceu a ideia de uma habilidade.
Depois de testar algumas coisas, Óscar chegou nas seguintes conclusões:
1°: A ‘energia’ não é algo inerente aos seres humanos, Kogo nem Goda nunca disseram o contrário, mas também nunca afirmaram. Isso só pode significar que ou nunca passaram-lhes pela cabeça, ou é simplesmente senso comum dos exorcistas.
Óscar comprovou essa ideia ao tentar mexer com a atividade sísmica ao redor da cratera. Ele percebeu que a energia que fluía ali era mais densa e em maior concentração do que no seu próprio corpo. E isso abriu brecha para mais duas hipóteses. Ou a natureza absorveu a energia liberada pelos humanos, ou o contrário. Ainda havia um pequeno desvio nessa teoria: Óscar nunca havia visitado os mundos Superior e Inferior, logo, não poderia trabalhar com nada além de uma cratera esquecida por Deus.
2°: Se uma pessoa fosse capaz de dominar plenamente a energia divina e do abismo, conseguiria imitar a fluidez com que a energia se movimentava nas rochas. E por mais que nesse momento, Óscar desgostasse da ideia de usar o abismo, ele decidiu seguir sua pesquisa.
“Vamos lá… mantenha a calma e respire fundo…”, pensou.
Óscar concentrou sua energia, divina e do abismo, em um único ponto. Juntou tudo o que tinha ao redor de seu coração, isolando o órgão. Depois disso, usando dos veios sanguíneos como exemplo, fez as duas formas de energia correrem uniformemente pelo seu corpo inteiro.
Passando por cada osso, cada órgão, cada célula, cada membro. Óscar podia sentir a interação de sua mana com seu corpo, como dois gatos estranhos se vendo pela primeira vez enquanto o dono força uma relação familiar entre eles.
Depois de fazer essa ‘maré energética’, como ele apelidou, Óscar se arrebentou no chão. Como é óbvio, essa técnica exige um domínio não só físico, como mental. Se o rapaz não conhecesse a estrutura das rochas e como se comportavam, seria impossível realizar esse feito.
“Graças a Deus eu me interessei pela geologia”
— Ah, finalmente está aqui… que merda te aconteceu? Você tá encharcado de suor! — exclamou Kogo ao vislumbrar uma visão nojenta.
— Foi mal por isso, hoje foi mais intenso do que eu esperava haha…
*****
Depois de tomar um longo banho e vestir um roupão confortável, sem tirar os pesos entregues por Kogo, Óscar e seu mentor se dirigiram à cidade.
Kogo não deu nenhuma pista do que fariam lá, a única coisa que disse foi que Óscar precisava de experiência de campo!
Passaram por uma viela, duas ruas vazias e entraram num beco. Era o tipo de lugar que a mídia diria para se evitar.
A rua era visivelmente suja, com copos, comida e até preservativos no chão, uma cena incomum no Japão. As paredes estavam manchadas de uma cor escura, que por estar de noite, era indistinguível.
— Que lugar sinistro. Você me trouxe aqui para que em? — indagou Óscar.
— Olhe ali — disse Kogo, enquanto apontava para uma figura abaixada no canto do beco. Estava de costas e emitindo um som de sofrimento, quase como um gemido.
Ao se levantar e se virar, a dupla conseguiu ver a coisa por completo. Era um homem, 182cm, à primeira vista parecia normal, mas uma visão de perto mostrava uma figura horrenda. A boca estava deformada, como se tivesse mergulhado o rosto em ácido, as roupas rasgadas indicando conflitos consecutivos, além de um estranho olhar de luxúria emanando de seus orifícios oculares.
— PORRA — exclamou Óscar — Que merda é essa Kogo? É um d-demônio?
— Exatamente, um demônio que estamos caçando faz uns dias, já matou 3 exorcistas de baixo rank. E você irá caçá-lo.
— Eu? Não fode. Olha pra esse merda — disse Óscar enquanto apontava para a fera, seu rosto começando a suar.
— E além disso, tu espera que eu enfrente isso enquanto uso esses pesos?
— Exato.
— Impossível. Se ele já matou 3 exorcistas, o que ele faria com alguém como eu?
— VOCÊ TAMBÉM É UM EXORCISTA!
Um silêncio ensurdecedor e curto…
— Já é hora de você perceber esse fato. — Kogo, que sempre se mantinha calmo, estava extasiado — E é bom você fazer algo rápido, esse ali já está voltando a si.
— Porra, porra, PORRA!
Óscar assumiu a posição de luta. Pernas abertas, direta na frente, joelhos flexionados e punhos eretos. Era uma posição comum, mas sem brechas visíveis.
— ke… ke… vai ser você? A vítima dessa noite?
A besta rosnava.
— sa…be. Eu prefi…ro mulheres. Ela são mais apeti…tosas. Ouvir elas gritarem ao… serem encurraladas… é bo…m — Cada palavra proferida pelo demônio, gerava um espasmo em seu pescoço, ele estava babando.
— Seu merda… — Óscar já estava em sua posição quando seu sangue começou a esquentar. Ouvir o demônio cuspir aquelas palavras, o deixou em estado de fúria.
A fera pulou no pescoço de Óscar, uma fina camada de energia negra cobria seu corpo.
Com um rápido movimento de pés, Óscar se esquivou, deferindo um gancho vertical direto no abdômen rude do demônio.
— Kyaah — rugiu a besta, fazendo as paredes ao redor estremecerem.
Óscar avançou em zigue-zague, evitando o lento olhar do demônio. Com uma camada de energia levemente mais grossa que a do demônio, enviou um chute em direção ao pescoço do monstro.
No instante do contato, por um simples reflexo do corpo, Óscar retirou a perna, quase não conseguindo esquivar da boca encharcada de baba do demônio.
“Merda de pesos” amaldiçoou Óscar, em seus pensamentos.
Com um impulso imediato, o demônio mordeu o ombro de Óscar, retirando parte da pele do membro.
— AAAHH!!
— keke KAKAA, muito bom… seu gosto é muito BOM!
Óscar nesse momento ativou o despertar pela primeira vez na luta. Ele evitou usar pois conhecia as limitações da técnica. Mas nesse momento era imprescindível.
A sensação do despertar nunca decepcionava os instintos de Óscar. O sangue pulsante era sentido a cada segundo, seu cérebro processava as informações mais rápidas e o tempo desacelerava ao redor. Com tamanho poder em sua mão, Óscar via seu inimigo como uma formiga, algo a ser esmagado.
Com uma simples virada de pulso, Óscar esmagou os braços da besta. Chutou sua costela e quebrou a estrutura óssea do demônio.
Um homem desconhecido apareceu. Um homem de cabelos acinzentados. Um homem que quase foi morto por um demônio.
Aos prantos do demônio incapacitado, o homem estava sorrindo. O demônio implorou por sua vida. Gritou. Esperneou. Chorou…
O homem que era desconhecido por Óscar matou a criatura com um soco direto na cabeça, passando por entre os olhos e um pouco acima do nariz, e foi embora sem dizer nada.