— As coisas podem ficar difíceis, mas sempre vamos ser uma família. Mantenham isso em mente. Sempre.

    Essas foram as últimas palavras registradas do meu avô, ele sumiu 5 dias depois…

    — Aaaah — me peguei suspirando. — Aqui estou eu de novo vendo isso. Por que eu sempre acabo voltando?

    Todo começo de ano eu me volto para essa gravação. É como se fosse um ponto de start pra vida ou coisa assim, pra me acordar pra vida. Isso me lembra — Amanhã começam as aulas de novo…

    *****

    Sou um simples adolescente sem futuro. Venho de uma família de médicos, e me tornei a decepção. Não tenho sonhos ou ambições, no máximo, gosto um pouco de desenhar mangás. Talento idiota, segundo minha familia.

    Pode até ser autodepreciação, mas não sou lá bonito também. Sou relativamente alto, magro e nada animado. Acho que meu ponto positivo seria meu cabelo longo e cinzento, sempre achei ele foda.

    É… eu acho que nem pra autoavaliação eu sirvo em.

    É mesmo, tem a escola. Amanhã começa meu segundo ano. Eu diria que eu só vou para a escola por conta dos meus pais, mas melhor não, vai que eles aparecem se eu falar deles.

    Hobbys? Claro, eu jogo videogames e consumo mangás com certa frequência. Mas nada que me conquiste muito.

    — Cara… que introdução de merda.

    *****

    No caminho até a loja de conveniência eu sempre demoro um pouco. Na verdade pode parecer estranho para os outros, mas eu gosto de ver as crianças brincando com seus pais no parque. Não é como se eu nunca tivesse tido afeto parental, não quero parecer um emo excluído. É só que meus pais ficaram muito ocupados depois de um tempo.

    Depois de comprar alguns miojos e refrigerantes para passar a semana, passei de novo pelo parque, dessa vez sem ninguém. Enquanto eu estranhamente tive vontade de entrar lá, vi um gato me olhando. Ele era negro como a noite sem estrelas, e seus olhos brilhavam como pó de diamante. Isso em contraste com o entardecer me fez gelar, mas também me senti acolhido. Como se ele me entendesse… Algumas vezes eu penso se não estou enlouquecendo pela solidão e consumo excessivo de games.

    Chegando em casa e vendo tudo escuro e sem ninguém, só pensei em ir jogar alguma coisa. Não que eu tenha outra coisa pra fazer também. — O que temos por aqui em… — disse enquanto admirava os novos cosméticos do fps que eu costumava jogar. Sinceramente essas merdas são só para tirar dinheiro fácil de consumidores, mas fazer o que, eu não tenho mais nada pra gastar, então sempre vejo se tem uma skin de garota fofa nova.

    Na hora de dormir, como de costume, coloquei uma playlist estrangeira. Não entendia o conteúdo, mas o nome “Bonda” me atraiu bastante. E a constante caótica me agradou.

    ***************************************

    — Vovô? É você? — perguntei olhando para aquela nuvem estranhamente familiar e que me fazia estremecer todas as noites

    Era um ambiente nada familiar, mas muito nostálgico. Me sentia bem ali, mas sabia que não era meu lugar. Minha constante busca pela nuvem estranha apenas me fazia ser puxado por uma força estranha. E eu sempre caía num abismo eterno, sem noção de profundidade ou espaço, apenas sei que estava caindo. E mesmo sempre afundando, o olhar daquele ente sempre estava mais próximo. A única coisa que eu conseguia dizer era isso… 

    — Vovô? É você?

    — Aaahhh, mais um sonho idiota.

    ***************************************

    As flores estão sempre bem bonitas nessa época, bonitas até de mais…

    — Certo — falei, estapeando meu rosto. — chega de viver uma vida monótona, é meu segundo ano e não fiz nada memorável. – No meu primeiro ano, não fiz nenhum amigo, de fato vergonhoso…

    — Esse é o ano. Vou trazer uma garota pra casa. — Na minha cabeça, eu estava igual a personagens shounen, almejando um objetivo enquanto faço poses heroicas, mas eu só estava estático com os braços esticados para baixo…

    — Meu irmão antes da faculdade já tinha levado duas namoradas, tenho que vingar também… né? De todo modo, pelo menos é uma nova escola, então vai ser… hmmm, divertido?

    *****

    Logo na entrada já reparei como essa escola é diferente, diferente de tudo que já vi. A entrada era uma escadaria de uns 2 metros e meio e a partir das duas portas lado a lado, já parecia uma realidade descolada do mundo real. As paredes quase tão brancas quanto uma nuvem, seguidas de um chão rústico e simples, mas muito bem polido. Talvez seja porque eu vim do exterior, mas aquele lugar me pareceu incrível demais para uma escola.

    — Ah — Talvez por estar viajando, não percebi a presença de um cara vindo na minha direção. Só achei estranho como ele era igual uma rocha, eu só esbarrei, mas fui derrubado. E não pareceu que ele sequer sentiu.

    — Tá tudo bem guri? Foi mal, não te vi no caminho haha — disse o cara com o sotaque estranho, não parecia ser daqui…

    — Estou bem, a culpa também é minha… — respondi rápido, só querendo sair dali logo.

     — De qualquer forma, qual teu nome? Eu sou o Goda.

    — Óscar, prazer.

    Ele ficou, no que parecia um estado de processamento, parado uns segundos até responder: — Bah, tu é estrangeiro também né, eu sou da Inglaterra, embora tenha passado um bom tempo no Brasil. Se eu fosse adivinhar… tu é de alguma parte ali da Grécia, já que seu nome remete à lá e talz. — Ele era um cara bem falante. Mas  nem eu mesmo saiba da onde minha família vem…

    — Na verdade eu não sei a minha origem. Meu avô se mudou para o Japão quando jovem, além disso, passei minha vida no interior… De toda forma, tenho que ir logo pra sala ver minha posição e essas coisas, mas legal te conhecer — dando essa desculpa furada, saí de fininho. Embora ainda dava pra ver ele acenando pra mim no canto…

    Entrando na sala, já olhei o mapeamento e fui sentar. Tinha pouca gente, mas por algum motivo já estava me sentindo mal. Não me imaginava conversando com ninguém ali… embora por um destino estranho, visualizei Goda entrando e se sentando na última fileira, ao lado da janela, 2 posições na minha frente…

    — Ahh, obrigado universo.

    Faltando 10 minutos para o sinal, ouvi a carteira ao lado se arrastar, instintivamente me virando. De imediato, só pude ver os longos cabelos cor de rubro, era uma coloração única, acho que a única vez que vi uma cor igual a essa foi quando… Que estranho. Senti um lapso na minha memória, como se tivesse sido apagada, instantaneamente perdendo a linha de raciocínio. Quando meus olhos cruzaram os da moça ao meu lado, imediatamente tudo ficou mais claro ao redor, como se Van Gogh tivesse soltado sem querer sua paleta enquanto pintava sua maior obra de arte. E no beijo sedoso entre a paleta e chão, o mundo inteiro tivesse ganhado cor. Ela era linda…

    — Bom dia… — ??? Como assim bom dia, por que eu chamei ela??

     — Ah, bom dia pra você também — disse a garota, com um sorriso que me fazia pensar toda minha vida.

    Antes que eu pudesse perceber já havia ficado um clima estranho, afinal, dois desconhecidos se encarando não era a situação mais conveniente de todas.

    E por sorte(nem acredito que pensei nisso) Goda veio intervir na situação.

    — Ora ora, quem diria que logo no primeiro dia você já se jogaria em uma bela garota em.

    Embora ele fosse levemente irritante, quebrou o clima ruim que estava. Então sou grato a ele. — Eu simplesmente dei bom dia a ela cara…

     — hmm você não me engana, mas tudo bem!

    E antes que eu percebesse, ele havia me puxado para um canto da sala. — Olha amigo, sei que na juventude a gente fica bem aflorado, mas não se envolva com ela. As de beleza distinta são as mais perigosas, sério mesmo.

    Voltando ao meu lugar depois de receber essa dica estranha, sentei dando um sorriso desajeitado. — A propósito, me chamo Aka — disse a minha vizinha de carteira.

     Aka… Como seu cabelo? Ela tinha um nome incomum, mas quem sou eu para falar do nome dos outros.

    — Sou Óscar, é um prazer. — Ela ficou parada uns 3 segundos, e depois só acenou. Aprendi a lidar com esse tipo de reação.

    Depois de uns minutos, passou uma lista de presença. Eu não estava acostumado com esse tipo de coisa, já que não costumavam fazer chamadas na minha antiga escola. Então segui os exemplos dos outros e só assinei nome e sobrenome.

    Quando me virei para o lado, minha vizinha de carteira estava perplexa, com a cabeça baixa e suando bastante. De forma estranha, estava apenas repetindo uma palavra… 

    Cruz…

    Sei que sou estrangeiro e tudo mais, mas esse tipo de reação ao meu nome eu nunca tinha visto.

    Nota