Capítulo 12 | Quando a Sorte Encontra a Coragem
O campo…
Não é mais um campo.
É a lápide de uma era.
Antes, era apenas chão e metal.
Agora, é história viva dilacerada.
Cada fragmento no solo conta uma microhistória de impacto —
um corte, um salto, um grito calado no meio da luta.
O chão não está só rachado.
Ele pulsa.
Respira como uma ferida aberta que se recusa a cicatrizar.
Como se o planeta estivesse tentando gritar, mas só conseguisse sangrar.
No centro do coliseu, onde antes havia um solo plano, agora existe uma cratera irregular, com bordas queimadas, lascas de concreto flutuando no ar por pura pressão de aura.
O céu — cinzento, coberto por nuvens de energia acumulada — parece prestes a desabar.
E no meio desse apocalipse estético: Kaede Shizuma.
De pé.
Mas só por teimosia.
Cada osso do corpo dele é um tambor tocando à beira do colapso.
Cada músculo, uma corda esticada até o limite.
Os braços caídos, mas prontos. Os joelhos trêmulos, mas decididos.
O sangue escorre em linhas lentas e rítmicas, como tinta traçando o fim de um haicai violento.
Mas mesmo com a visão embaçada, mesmo com o mundo girando, os olhos dele…
Ah, os olhos dele.
Eles não olham. Eles queimam.
Rubros. Vivos. Radiantes como fornalhas ancestrais.
Estão cravados em Saeko Yamikura, a oponente.
Não com raiva.
Mas com algo pior pra quem encara: certeza.
Saeko limpa o canto da boca.
Mas a mão que ela usa é elegante, quase teatral.
Ela não está limpando sangue. Ela está assinando o fim do primeiro ato.
E então, ela sorri.
Mas esse sorriso não é humano.
É o tipo de sorriso que deuses darciam ao verem formigas tentando construir torres.
Sorriso de quem tem um truque final.
Sorriso de quem já viu o fim e gostou do desfecho.
E nesse exato momento… o céu se parte.
Lá no alto, entre os destroços suspensos da cúpula da arena, ela reaparece:
A Roleta.
Não uma roleta qualquer.
Ela é um símbolo. Um presságio. Um árbitro mecânico do destino.
Trincada. Quebrada nas bordas. Mas ainda girando.
Ela gira como se estivesse cansada.
Mas cada giro — CLACK… CLACK… CLACK — soa como sinos de uma igreja em fim de mundo.
Então…
Ela para.
Não devagar. Não suave.
Ela crava o símbolo com brutalidade.
Um dado negro.
Mas em vez de números, um único símbolo branco incandescente: ∞
O Infinito.
A arena segura a respiração.
O tempo titubeia.
Kaede, por instinto, recua um passo.
Como um animal que pressente um predador oculto.
A mente ainda tentando entender, mas o corpo já gritando:
“Sai daí.”
— Q-que porra é essa…? — ele solta, voz rouca como se tivesse sido arrastada por cacos de vidro.
Saeko não responde de cara.
Ela simplesmente existe.
Poderosa. Serena.
E depois, como quem revela a última carta numa mesa queimada, ela diz:
— Símbolo do Jackpott.
E então…
Explode.
Não uma explosão sonora.
É uma explosão de conceito.
A aura roxa dela implode, sugada para dentro do peito.
Um silêncio mortal.
E em seguida, uma erupção de luz prateada que rasga o espaço como um cometa nascendo.
O corpo dela é engolido por uma espiral galáctica de Sen.
Fragmentos brilhantes — como satélites de energia — giram ao redor de seu corpo, em órbitas precisas.
Cada gota de sangue volta.
As feridas desaparecem.
Não como cura. Mas como se o tempo tivesse sido reescrito.
— Com esse símbolo… eu toco o infinito.
Ela flutua.
Não porque quer.
Mas porque a realidade já não consegue segurá-la.
— Sen ilimitado. Energia eterna. Cada ferida… fechada. Cada golpe… absorvido.
Kaede cerra o punho.
O sangue escorre, denso.
Mas ele encara.
— Tsc… então virou um zumbi que nunca cansa?
Saeko responde, com olhos dourados que refletem o infinito:
— Zumbi, não. Deus do Cassino.
E o mundo muda.
Não o campo.
O mundo inteiro naquele instante se curva ao conceito.
Colunas de ouro brotam como raízes do Olimpo.
Cartas gigantes giram como anjos sentinelas.
Dados colossais orbitam o céu.
A Roleta agora é uma coroa.
E Saeko, no centro, é a imperatriz da sorte.
Genjiro grita das arquibancadas:
— KAEEEEDE!!! FAZ ALGUMA COISA, CARA!!!
Mas Kaede…
sorri.
Não um sorriso de vitória.
Mas o sorriso de quem não precisa vencer pra ter valido a pena lutar.
Saeko franze o cenho.
— Por que tá rindo?
Kaede fecha os olhos.
E quando os abre…
BOOM.
Não é só olhar.
É como se o universo tivesse rachado através da íris dele.
Linhas vermelhas cruzam seus olhos como fendas divinas.
O chão afunda de leve sob seus pés.
O ar muda.
A arena não entende, mas sente.
— Esse… é meu trunfo, Saeko.
— Sen no Kakushin.
— A Convicção do Sen.
A aura dele não explode.
Ela implode em si mesma.
Se condensa num núcleo.
Um coração de estrela prestes a colapsar em si mesma.
— Você ganhou energia infinita.
— Mas eu…
— Eu ganhei decisão.
— Cada segundo lutando… meu Sen se filtra.
— Cada dor… me afina.
— Cada golpe… me lapida.
Um passo.
Só um.
Mas o solo se racha.
Como se dissesse:
“Isso não devia existir.”
— Quanto mais perto da derrota…
— Mais letal eu fico.
Saeko reage.
Aura em pânico.
Dados girando rápido demais.
A roleta acelera como se tentasse fugir da sentença.
— Isso é impossível… você… você tá quebrado!
Mas Kaede…
já está lá.
Sem barulho.
Sem efeito.
Só está.
Um golpe.
Entre a quarta e quinta costela.
Naquele único ponto que ficou vulnerável por 0.2 segundos.
— Como…?
— Porque você apostou na sorte.
Outro golpe.
Seco.
No abdômen.
O centro da energia de Saeko.
Ela vacila.
Vai aos joelhos.
A aura infinita se retorce.
— Eu apostei… em mim.
Silêncio.
O tipo de silêncio que só acontece quando o Destino desiste de interferir.
Kaede, ofegante, tremendo, de pé.
Linhas vermelhas giram como fios do destino ao redor dele.
— Sua roleta gira sozinha.
— A minha…
Ele ergue a mão direita.
— Eu girei com as próprias mãos.
E no céu…
A roleta se parte.
Sem som.
Sem fúria.
Ela simplesmente…
aceita a derrota.
E desaparece.
O campo treme como se estivesse se desfazendo da própria ilusão.
A roleta parou de girar, congelada no céu como um monumento de fim de era.
As cartas começam a cair — não como folhas, mas como cacos de vidro mágico, estilhaçando o ar em brilho e silêncio.
Kaede está no chão. O corpo dele jogado, descompassado. Mas o punho ainda está cerrado.
Mesmo inconsciente, o espírito dele grita. A chama não foi apagada — só consumida por inteiro.
Saeko flutua lentamente, descendo como uma sombra prateada que perdeu o brilho.
Cada passo dele carrega o cansaço de quem viu algo grande… e teve que destruí-lo.
Ele para ao lado de Kaede. Olha para baixo. O peito sobe e desce, irregular, como se o próprio coração estivesse tentando entender o que acabou de acontecer.
O público ainda não grita. A multidão está em choque.
Porque o que acabou de acontecer… não foi só uma luta.
Foi uma entrega.
Foi uma carta virada com o sangue no verso.
Saeko se abaixa, os dedos quase tocando o chão queimado. Os olhos dele encaram Kaede com respeito — mas também com dor.
Aquele tipo de dor que só quem sobreviveu a uma guerra silenciosa consegue carregar.
E então ele sussurra:
— Você não perdeu à toa…
A voz dele falha no fim. Como se algo tivesse se quebrado por dentro.
— Mas alguém sempre tem que pagar o preço…
…quando aposta tudo.
Ele fecha os olhos.
A Área de Convergência começa a colapsar. Primeiro as luzes. Depois o chão. O cassino some como um sonho desfeito — e no lugar, a arena real volta.
Ruínas. Terra rachada. Marcas no concreto. Memória gravada no cenário.
O alto-falante dos juízes ecoa com peso:
— Vitória de Saeko Yamikura.
1 a 0 para o Time 11.
Genjiro desaba no banco. A cabeça entre as mãos.
Renji cerra o maxilar, mas não diz nada.
Tsubasa baixa os olhos, o punho tremendo.
Mas Ryuji…
Ryuji se levanta.
Os olhos dele brilham com uma mistura de orgulho e raiva.
O peito dele infla como se estivesse prestes a explodir — mas o que sai é um sussurro firme, como uma espada que não treme mais na bainha:
— Ele perdeu…
…mas ele deu o máximo.
E isso… muda tudo.
As câmeras começam a filmar. O público grita. O mundo volta a girar.
Mas ali, no meio da arena, Kaede continua apagado.
Não derrotado.
Esgotado.
Como uma estrela que se recusou a parar de brilhar até o último segundo.
Saeko respira fundo. O cabelo dele cobre parte do rosto, sujo de suor, sangue e aura condensada.
Ele levanta o rosto devagar, encarando o céu cinza da arena.
— Próximo oponente…
Um sorriso torto. Quase triste.
— …pode vir.
Ele gira o pulso. Um novo dado surge entre seus dedos, mas não gira. Só brilha.
— Eu ainda não perdi a sorte.
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