Índice de Capítulo

    A arena estava mergulhada num silêncio ritualístico. Era como se o mundo inteiro tivesse prendido a respiração. As luzes do domo giravam devagar, dançando no ritmo da tensão. O chão brilhava com marcas douradas que delimitavam o campo de batalha — o coração do confronto Senai.

    Na entrada leste, a porta de titânio se abriu com um estalo seco.

    E ali, como um imperador que não precisa ser anunciado, surgiu San Ryoshi.

    Ele caminhava com o corpo ereto, sem pressa, cada passo um lembrete: “Eu sou o topo. E todos abaixo de mim são degraus.” O cabelo branco caía liso até os ombros, preso por uma fita preta. A tatuagem vermelha em espiral no pescoço pulsava como uma serpente viva. O uniforme do Time 1 — preto com detalhes prateados — parecia moldado sob medida para sua presença. Nos olhos, um tédio arrogante, como se já tivesse vencido antes mesmo da luta começar.

    As arquibancadas explodiram em aplausos, mas ele nem reagiu.

    No lado oposto, o portão oeste se abriu.

    Ryuji Arata surgiu de lá. Determinado. Silencioso. O olhar era uma lança em linha reta. O cabelo desgrenhado pingava suor do treino recém-terminado. Mas ele não hesitava. Não tremia. Ele não era mais o garoto promissor — ele era o homem pronto para desafiar um trono.

    O público ficou em silêncio.

    Dois símbolos caminhando um em direção ao outro. Um representava a elite absoluta. O outro, o improvável. O caos do destino contra o controle absoluto do sistema.

    Ryuji parou a três metros de San Ryoshi. Seu Sen já vibrava como um trovão contido no osso.

    Mas antes que o juiz pudesse iniciar a contagem oficial da luta…

    San Ryoshi levantou a mão.
    Olhou pra Ryuji com nojo.

    — …Não.

    O juiz congelou.

    Ryuji franziu a sobrancelha.
    — Como assim “não”?

    San Ryoshi deu um passo à frente, o olhar descendo sobre Ryuji como um deus entediado diante de uma oferenda ruim.

    — Eu não vou lutar contra você.

    O público começou a murmurar, confuso.

    Ryuji sentiu o sangue ferver.
    — Tá com medo?

    San soltou uma risada seca, quase cínica.

    — Medo? Eu não luto com lixo reciclado. — Ele olhou pro lado, direto para as arquibancadas onde estavam os outros membros do Time 15. — Eu quero o selvagem. O monstro. A fera sem rédea. Eu quero o Renji Asakura.

    Renji levantou o olhar, surpreso. Kaede arregalou os olhos. Genjiro soltou um “Hah?” quase ofendido. Tsubasa apenas franziu a testa.

    Ryuji deu um passo à frente, o Sen explodindo numa aura azul cortante.

    — Você não escolhe quem luta com você. Isso é uma luta oficial, seu merda.

    San Ryoshi apenas fechou os olhos e suspirou.

    — Eu escolho. Porque eu sou o número um. E vocês são apenas peças. O que eu quero… é ver se aquele monstro que quase perdeu o controle sobrevive contra mim.

    Ele então apontou diretamente para Renji.

    — Você. Vem logo. Ou eu mesmo vou até você e arrasto seu corpo até aqui.

    Ryuji avançou mais um passo, o punho cerrado, pronto para explodir.

    — Você vai me respeitar, San Ryoshi. Nem que eu tenha que te obrigar no soco.

    San então o encarou de verdade pela primeira vez. Por um instante, o ar da arena pareceu congelar.

    — Eu não respeito peças de reposição. Eu aniquilo. Você é só o aquecimento da geração verdadeira. Agora sai da minha frente… antes que eu te derrube com um olhar.

    O juiz olhou para Daizen, que observava tudo de longe, impassível. Com um aceno mínimo de cabeça, o veterano confirmou: autorizado. San Ryoshi podia escolher o oponente, se justificasse dentro das regras do protocolo Senai. E ele justificou.

    Renji sentiu o olhar de todos. Engoliu seco.
    Kaede pôs a mão em seu ombro.
    — Vai. Mostra que ele mexeu com o monstro errado.

    Renji assentiu.
    — Demorou. Tá na hora de libertar o que ele tanto quer ver.

    Renji saltou da arquibancada, pousando no centro da arena com os olhos inflamados. O cabelo mais lambido agora se agitava com a aura negra que já começava a emanar. Ryuji ainda estava na arena, entre os dois.

    Ele olhou para Renji.
    — Você não precisa provar nada pra ele.

    Renji sorriu, meio selvagem.
    — Não é para ele. É por mim.

    Ryuji hesitou. Depois deu um leve soco no ombro do amigo.

    — Então vai… mas volta vivo.

    Ryuji saiu da arena.

    San Ryoshi estalou o pescoço.

    — Finalmente. O animal da jaula.

    Renji fechou os punhos, e o Sen dele gritou — uma massa escura começava a formar um vulto de chamas negras atrás dele. O monstro acordava. San Ryoshi sorriu, animado pela primeira vez.

    — Me dá entretenimento, fera.

    O juiz levantou o braço.

    — Comecem!

    E assim, a guerra entre os dois só começou.

    O chão da arena estava calado como um túmulo. Nem os sensores vibravam. Nem o vento ousava cortar o ar. Era como se o mundo prendesse a respiração só porque San Ryoshi estava prestes a se mover.

    E então ele fez.

    Com um giro suave de pulso, San puxou sua katana da bainha. Um som metálico, agudo e grave ao mesmo tempo, cortou o silêncio como um trovão elegante. A lâmina era roxa, mas não era uma cor que podia ser explicada. Era como um lilás escuro banhado em cosmos, uma matéria que parecia líquida e sólida ao mesmo tempo, pulsando como se tivesse coração próprio.

    O brilho da lâmina não refletia luz — ele a consumia. As sombras na arena dançaram como se algo celestial tivesse acabado de descer à Terra. A plateia inteira ficou muda. Até os sensores da arena, que registravam calor, pressão e Sen, começaram a emitir alertas instáveis. Era como se a própria realidade reconhecesse a presença daquela arma.

    San ergueu a katana com uma calma arrogante. Seus olhos semi-cerrados, expressão serena, mas carregada de um orgulho quase mitológico.

    — Esta espada… — ele começou, a voz ecoando como se falasse dentro de uma caverna cheia de ecos sagrados — …se chama Ameno Murakumo no Tsurugi.

    Ryuji, Renji e até os técnicos nas cabines de controle congelaram ao ouvir o nome.

    San então deu um passo à frente, arrastando a ponta da lâmina contra o chão, deixando um rastro fino de energia roxa cintilante.

    — Forjada por Kotoamatsu Jiraichi, o ferreiro mais respeitado do mundo. Um homem que só ergue o martelo pra quem pisa diante dos Portões do Céu e sobrevive pra contar.

    Ele ergueu a espada de novo, apontando pro céu.

    — Ela foi moldada com fragmentos de Sen condensado, colhidos em batalhas que marcaram a história. E unida ao ferro lunar, um minério que só aparece quando a lua sangra — uma vez a cada cem anos.

    San girou a katana no ar, como quem segura uma folha, e o ar à sua volta oscilou, distorcendo espaço como se rasgasse conceitos.

    — Minha afinidade de Sen é chamada de Lua Fragmentada. Ela representa o equilíbrio instável entre perfeição e ruína. Ordem forjada a partir do caos. Beleza construída em cima de destruição.

    A cada palavra, a aura ao redor dele crescia em anéis lunares, prateados e violetas, girando em órbitas imperfeitas.

    — Essa lâmina… não corta carne. Ela corta ideias. Corta promessas. Planos, ilusões, esperanças… e até futuros possíveis.

    Ele então olhou diretamente nos olhos de Renji, firme, direto, com uma expressão fria de um guerreiro que sabia que estava acima.

    — Essa espada foi feita para acabar com promessas. E hoje…

    A ponta da katana desceu lentamente até alinhar com o peito de Renji.

    — …ela vai cortar o seu destino, Renji Asakura.

    A arena inteira pareceu encolher. Um silêncio esmagador caiu sobre tudo. E naquele instante, ficou claro pra todos ali:

    A luta ia começar com o peso de uma lenda.

    Por um instante, o silêncio persistiu. San Ryoshi ainda apontava sua lâmina divina, mas seus olhos esperavam — como se quisessem ouvir uma história antes do duelo.

    Renji ficou calado.

    Respirava fundo, cabeça baixa, punhos cerrados como se segurassem uma criatura invisível. Seu peito subia e descia num ritmo estranho. Parecia sufocar algo que não queria sair… ou que queria sair demais.

    Então, ele ergueu o rosto. E falou.

    Sem pose. Sem máscara. Só verdade.

    — Você tem uma espada forjada por deuses. Eu não tenho nada disso.

    Sua voz era grave, não por estilo, mas por peso. Carregava algo escuro.

    — O que eu tenho é um monstro. Preso nos meus ossos. Dormindo na minha espinha. Ele arranha por dentro quando eu fico quieto demais. Ele chora quando eu tento dormir. Quando eu perco o controle… ele rasga minha pele pra sair.

    San não piscava. Absorvia tudo. Cada palavra era uma nova rachadura no chão da razão.

    Renji continuou:

    — Ele não obedece. Não responde a comandos. Ele não é poder… ele é fome. Ele aparece quando eu sangro. Quando eu sinto medo. Quando o mundo tenta me quebrar.

    Renji estalou os dedos. Um estalo seco. Como se fosse um gatilho interno. A aura ao seu redor começou a tremer, como se algo estivesse se soltando — mas ainda com coleira.

    — Quando ele vem, eu não luto para vencer. Eu luto pra sobreviver a ele. Ele quer devorar tudo. E cada vez que eu deixo ele sair… eu perco um pedaço de mim.

    Os olhos dele se ergueram. Vermelhos, vivos, instáveis. Mas não loucos. Ainda havia Renji ali. Ainda.

    — Eu não fui forjado, San Ryoshi. Eu fui rasgado. Costurado. Repetidamente.

    E aí veio a frase. Uma facada poética.

    — Eu sou cicatriz.

    San Ryoshi sorriu. Um sorriso pequeno. Mas real. Um daqueles sorrisos que não escapa pelos lábios — escapa pelos olhos.

    Ele baixou a espada, levemente, como um gesto de respeito.

    — Eu quis lutar com você desde a primeira vez que te vi naquele ringue.
    — Arrancando sangue como um animal. Sufocando e gritando como um bicho selvagem.

    San deu um passo.
    — Porque ali… eu vi algo puro.

    Foi nesse momento que o mundo piscou.

    Renji desapareceu.

    Não foi teletransporte. Foi velocidade bruta, selvagem, brutal. A energia explodiu do chão como se uma bomba tivesse detonado na sola dos pés dele. O solo da arena rachou, uma veia de destruição se abrindo para trás.

    Em menos de um suspiro, ele já tava na cara do Ryoshi, com um soco explodindo do nada.

    Um golpe seco, direto, sem firula. Visando quebrar.

    Mas San Ryoshi era um artista.
    Ele deslizou para o lado com a leveza de um cisne. Um passo. Um giro. A katana subiu com elegância cruel, como se fosse uma pétala soprada pelo vento. O fio roxo cortou o ar com delicadeza absurda.

    — “Ops…” — disse ele, sem esforço, olhando de canto de olho.

    — “…ele é rápido de verdade.”

    Renji caiu com os dois pés no chão, deslizando na terra queimada da arena. As marcas do avanço ainda fumegavam.

    Dois titãs agora se encaravam. Um era forjado. Outro, ferido.
    Mas ambos tinham sede.

    Sede de luta verdadeira.

    E isso… era só o começo.

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