Silêncio.
    O mundo parecia prender a respiração no exato segundo em que Renji foi lançado pelos ares.

    Seu corpo riscou o campo como um cometa humano, atingindo o chão com um estrondo seco. Rolou, quicou, deslizou — e então, ficou imóvel. Uma nuvem de poeira se ergueu ao redor, como se a arena tivesse sido cortada em duas por uma lâmina invisível.

    O público, antes fervoroso, congelou.

    Olhos arregalados. Mãos na boca. Respirações contidas.
    O golpe de San Ryoshi tinha sido limpo, preciso, cruel.

    E, em meio àquele clima de funeral, veio a voz dele.
    Fria. Tranquila. Certeira.

    — Esperava mais de você, pequeno monstro.

    San Ryoshi não falava com arrogância. Falava como quem tinha lido o fim do livro e se decepcionou com o final. Ele girou a katana e abaixou a guarda, olhando para Renji caído como quem observa uma flor murchando antes da primavera.

    Mas então…
    Corte seco.
    Escuridão.

    Interior da mente de Renji.

    Um mar negro. O chão — se é que existe um — parece líquido, ondulando como uma massa viva. Tudo pulsa num tom sombrio de vermelho, e no centro, agachado, está ele.

    O Monstro.

    Kuro Okami.

    A criatura está ajoelhada, a juba desgrenhada caindo como sombras sobre o rosto bestial. Olhos fechados. Garras sujas. A respiração pesada como trovão abafado.

    Renji aparece, ou talvez só sua consciência, sua alma arrastada pelas cordas da dor. Ele olha para o Monstro e fala, num sussurro encharcado de agonia:

    — “Monstro… me ajuda. Mais uma vez.”

    Kuro Okami ergue lentamente o rosto. Aquele olho vermelho, que já foi um símbolo de destruição, agora reluz com algo novo.
    Não arrogância.
    Não fúria.
    Lealdade.

    Ele se aproxima. Um passo. Dois. Três.
    As garras quase tocam o peito etéreo de Renji.

    — “Eu posso lhe ajudar…” — diz, a voz arrastada, mais grave que qualquer tempestade — “…e dessa vez, sem condição alguma.”

    Renji pisca, confuso.
    — “Sem condição?”

    O Monstro abre um sorriso. Um sorriso amargo, selvagem, mas sincero.

    — “Apenas uma coisa. Vamos lutar… como um só.”

    E naquele momento, Renji estende a mão.
    Kuro Okami segura.
    E algo explode.

    De volta à arena.

    Um tremor corre pela estrutura. Não é terremoto — é Sen.
    O ar vibra. As sombras parecem recuar. O chão treme sob pés invisíveis.

    San Ryoshi para. Sente o peso. Vira lentamente o rosto.

    — …?

    Ali, no centro da poeira, algo se mexe.
    Primeiro, um dedo.
    Depois, uma mão.
    E então, como se desafiasse a morte e cuspisse na lógica… Renji se levanta.

    Os joelhos ainda tremem, o sangue escorre pela testa, mas seu olhar — ah, o olhar — está mais afiado do que nunca.

    Um olho humano. Um olho bestial.
    Ambos queimando em vermelho.

    A aura ao redor dele é diferente agora.
    Ela não se contorce em agonia, nem explode em raiva cega.
    Ela dança.
    Como um lobo na neblina. Como uma sombra viva.

    Dois lobos de energia se formam brevemente atrás de suas costas antes de se dissiparem no ar como fumaça.

    A plateia vai ao delírio.
    Uns gritam. Outros choram. Muitos simplesmente não conseguem acreditar.

    San Ryoshi sorri. Pela primeira vez em anos, ele sorri com verdade.

    — Vejo que me enganei sobre você, pequeno Monstro.

    Renji dá um passo à frente. O chão estala sob seus pés.

    — “Se prepare, San.” — diz ele, voz carregada de algo mais antigo que dor. — “Esse é meu triunfo final.”

    San gira a katana. Posiciona-se novamente. Fecha os olhos brevemente.

    — “Pode vir… Monstro.”

    E então…
    Dois seres que sangram como humanos e lutam como feras avançam um contra o outro.

    A verdadeira luta — a que gravará cicatrizes no tempo — acaba de começar.

    O silêncio que antecede a fúria é o mais cruel de todos.

    Na arena, Renji e San Ryoshi se encaram como dois eclipses prestes a colidir.
    O público sente no osso: algo grandioso vai acontecer.

    E então —

    Renji se move.

    Não como um humano.
    Não como um lutador.
    Mas como um vento ancestral, carregando o espírito de algo que acordou pra lutar.

    San Ryoshi tenta ler o primeiro movimento, mas falha.
    O punho de Renji corta o ar, acertando o rosto de San com um baque seco.
    O impacto ecoa no peito de todos os espectadores.

    San recua um passo, e mal tem tempo de respirar.
    Renji já está em cima dele de novo.

    1.
    Cotovelada no estômago.
    2.
    Chute giratório na costela.
    3.
    Joelhada no queixo.
    4.
    Corte horizontal com a energia condensada da aura.
    5.
    Soco cruzado, direto no plexo solar.
    6.
    E por fim…
    Um gancho ascendente que rasga o chão sob os pés e joga San no ar.

    San Ryoshi cai, o corpo girando no ar como se fosse uma folha apanhada por uma tempestade.
    Ele atinge o chão.
    O impacto levanta poeira.
    A arena silencia, em choque.

    Renji para. Ofegante. O peito sobe e desce em espasmos, como se o ar estivesse sendo queimado dentro dele.
    Mas há algo novo em sua expressão.

    Algo… maior.

    A energia ao redor de Renji se solidifica. Ela pulsa, viva.
    Do centro de suas costas, duas asas de sombra se expandem.
    Não são asas reais, mas feitas de aura — e cada batida delas sopra vento pela arena.

    E então, todos veem.

    O Corvo.

    Um animal feito de Sen, vermelho como sangue em brasa, com detalhes negros ondulantes, pousa simbolicamente sobre os ombros de Renji.
    Não tem olhos, mas todos sentem o olhar da criatura.
    Um ser antigo, monstruoso, belo.

    — “Esse é o meu Sen…” — diz Renji, baixo, quase para si mesmo. — “Kuro Okami.”

    A imagem assombra o público. O Monstro que Renji sempre lutou para conter agora estava ao lado dele.
    Agora… eles eram um só.

    Mas enquanto o mundo olhava para a maravilha, San Ryoshi se levantava.

    Aos trancos.
    Mas com os olhos fechados.
    O rosto sereno.

    Ele limpava o sangue do canto da boca, e então falou.

    — “Você me obrigou a ir além… pequeno monstro.”

    Ele cravou a katana no chão. A aura dele mudou.
    O azul que antes era energia bruta se tornou luz fria, quase translúcida.
    Um vento estranho percorreu a arena.

    San esticou os braços.
    Os dedos formaram um selo ancestral.

    E com um tom baixo, quase triste, ele murmurou:
    — “Go no Kata…”
    — “Mugetsu Rengoku.”

    O mundo rasgou.

    Do céu, uma espiral negra desceu como uma foice de eclipse.
    O chão foi sugado para dentro do vórtice.
    Tudo escureceu — como se a luz tivesse sido apagada da arena.

    O golpe caiu como um julgamento divino.

    Renji tentou se mover.
    Tentou bloquear.
    Mas aquilo…
    Não era bloqueável.

    Uma lâmina de pura noite cortou o espaço.
    E quando ela tocou Renji, a arena explodiu.

    O chão rachou.
    O ar estalou.
    As arquibancadas tremiam.
    Os telões ficaram brancos por um segundo.

    No centro de tudo, Renji foi jogado contra o limite da arena como um boneco lançado por uma explosão.
    Seu corpo bateu, ricocheteou… e caiu.

    Imóvel.

    A poeira subiu como uma cortina final.

    San Ryoshi caiu de joelhos após o ataque, ofegante. O golpe drenou mais que energia — drenou lembranças, sangue, fé.
    Ele olhou para o céu.

    Talvez pedindo desculpas.
    Talvez agradecendo.

    San Ryoshi se ergue devagar. O corpo lateja, mas a alma… essa queima.
    O último ataque — Shi no Kata: Getsuretsu— está quase pronto.

    O ar ao redor dele muda.
    A temperatura cai.
    É como se o próprio mundo soubesse que algo está para acabar.

    Mas antes do golpe cair…
    Uma memória acende.

    San fecha os olhos.
    O tempo gira.
    E ele volta.

    Anos antes — Quintal de casa, fim de tarde

    Um garoto de 11 anos com olhos brilhando de entusiasmo corre atrás do irmão mais velho.
    O céu tá tingido de dourado e rosa, e os sons do verão vibram no ar.

    — “Irmão! Irmão!” — grita o pequeno San Ryoshi.

    — “Oi, San, o que foi, maninho?” — responde Saey Ryoshi, com um sorriso caloroso.

    — “Vamos treinar! Hoje eu tô rápido, hein!”

    Saey ri.
    Aquela risada que aquecia o mundo de San.

    Mas o irmão abaixa o olhar por um momento, hesitando.

    — “San… eu vou ficar um tempo fora.”

    — “Hã? Como assim?”

    — “Fui chamado pra lutar pelo maior time do mundo…”
    — “Realisor.”

    O silêncio cai pesado.
    Mas dura pouco. Os olhos de San brilham ainda mais.

    — “Uaaau! Irmãozão! Que incrível!”
    — “Você vai ser o melhor do mundo!”

    Saey sorri. Um sorriso real. Cheio de amor.

    — “Eu volto em dois anos. Mas antes…”
    Ele se agacha, coloca a mão no ombro de San e fala sério:

    — “Me promete uma coisa.”

    — “O quê?”

    — “Que vai manter nosso sonho vivo. De sermos os melhores… juntos.”

    San Ryoshi, com os olhos cheios d’água, balança a cabeça.

    — “Eu prometo.”

    Dois anos depois — o retorno

    San, agora com 13, treina no quintal com dedicação brutal.
    Todos os dias ele pensava em Saey.
    Todos os dias ele lembrava da promessa.

    E então, uma sombra aparece no portão.

    Era ele.

    San corre, radiante, coração acelerado.

    — “IRMÃO!”

    Ele pula pra dar um soco, como faziam no passado.

    Mas algo está errado.

    Muito errado.

    Saey desvia — sem esforço — e acerta um contra-ataque seco.
    O golpe é tão preciso, tão cruel, que San cai de joelhos, atordoado.

    Ele olha pra cima.
    O irmão tá diferente.

    Mais alto. Mais forte.
    Mais frio.

    — “Nossa, irmão… você tá muito forte mesmo…” — diz San, ainda tentando sorrir.

    — “Hm.”

    — “E a promessa? A gente vai ser os melhores juntos, né?”

    — “Não fala merda.”

    O mundo de San para.

    — “O… quê?”

    Saey o encara. Os olhos vazios.

    — “Alguém fraco como você nunca vai ser o melhor.”
    — “Nem eu consegui. Eu, o prodígio do Japão. Imagine você… escória.”

    San se levanta devagar, o corpo tremendo.
    Mas não de dor.
    De algo novo. Raiva. Orgulho ferido.

    — “Por que você tá falando isso…?”

    — “Porque o mundo não é feito de sonhos. É feito de sangue, renúncia e decepção.”

    Saey se vira.

    — “Eu vou embora. Quando eu voltar, espero que tenha desistido desse sonho ridículo.”

    E então ele desaparece na estrada.

    San ficou ali parado por horas.
    Sem chorar.
    Sem gritar.

    Só com uma promessa queimando como carvão no peito:

    “Eu vou provar que ele tava errado. Nem que eu tenha que me destruir pra isso.”

    Presente — Arena do Fighters World

    San Ryoshi abre os olhos.

    A poeira começa a assentar.
    Renji ainda tá vivo. Ainda respirando.

    Mas San sabe o que precisa fazer.

    O passado dele não permite misericórdia.

    A lembrança do irmão — o rosto dele dizendo “você é escória” — acende dentro do peito como uma fogueira amaldiçoada.

    San ergue o braço.
    A aura se concentra.
    O vento rodopia como lâminas.
    O chão treme.

    E num tom baixo, quase respeitoso, ele diz:

    — “Foi bom lutar com você, pequeno monstro.”

    O ataque é liberado.
    O segundo impacto é brutal.

    Luz e sombra explodem em espirais.
    Renji voa como um boneco de pano.
    Seu corpo gira no ar, desmorona contra o chão e desliza até o limite da arena.

    Imóvel.

    Silêncio.
    Até o juiz erguer o braço.

    — “1 a 0 para o Time 1!”

    A plateia explode.

    Mas San não comemora.

    Ele apenas fecha os olhos…
    E respira.

    Não alívio.
    Não glória.

    Mas dor.

    Porque a cada vitória,
    ele sente mais longe o dia em que aquele sonho —
    de ser o melhor do mundo com seu irmão —
    deixou de ser um céu e virou um abismo.

    A arena ainda respira poeira.
    O impacto do golpe final de San Ryoshi silenciou o mundo.

    Renji tá estirado no chão, o corpo uma pintura quebrada de hematomas, sangue e glória.
    O juiz já sinalizou o fim do round.
    Mas o mundo continua girando — e o tempo, cruel como sempre, não espera por ninguém.

    Foi aí que eles vieram.

    As portas laterais da arena se escancaram com um estrondo seco.

    Ryuji Arata vem na frente, com o rosto fervendo de preocupação.
    Kaede Shizuma logo atrás, o olhar intenso, cortante como navalha.
    Tsubasa Hayashi, tenso, mas focado.
    Genjiro Okabe, mais sério do que o normal, um peso no peito de ver o amigo naquele estado.

    — “RENJI!!!” — Ryuji grita, já ajoelhando ao lado do corpo do amigo.

    Os sensores do campo já desativaram os estímulos de dor, e os drones médicos estão a caminho.
    Mas nada se compara ao toque de um aliado.
    De um irmão de batalha.

    — “Ei… ei, parceiro… fala comigo.” — diz Tsubasa, se agachando.

    Um segundo de tensão.
    Outro de silêncio.
    E então… o impossível.

    Renji abre os olhos.

    — “Tô bem…” — ele diz com a voz rouca, arrastada, mas viva.
    — “Só preciso de um cochilo de uns… três dias.”

    Risos nervosos explodem.
    Ryuji abaixa a cabeça, alívio desabando em forma de riso abafado.
    Genjiro limpa o suor da testa.
    Tsubasa ri como quem escapa da morte por centímetros.

    Kaede, porém, não ri.
    Ele tá olhando pra frente.
    Pra arena.
    Pra San Ryoshi.

    Kaede se afasta lentamente do grupo.
    Se levanta.
    O corpo firme, ereto.

    O silêncio dele é ensurdecedor.
    Mas os olhos dizem tudo.
    Fome. Sede. Raiva. Propósito.

    Ele inspira.
    Depois vira de costas, encarando os companheiros.

    — “Agora é minha vez.” — diz, como uma sentença.

    Ryuji se levanta e encara o amigo.

    — “Kaede…”

    Mas Kaede ergue a mão, cortando qualquer palavra.

    — “Eu não vou fazer discurso.”
    — “Não quero palmas. Não quero torcida.”

    Ele caminha até o centro da arena, devagar, como um furacão silencioso.

    — “Só quero uma coisa…”

    Ele para. Gira os ombros, aquece o pescoço.
    Então, se vira pra plateia inteira.

    Olhar afiado. Como uma lâmina no escuro.

    — “Que fiquem em silêncio… e assistam.”

    Um som eletrônico invade o ar.
    A voz da FWTV volta com força, dando o tom do que virá:

    — “E agora, senhoras e senhores, após um combate lendário entre San Ryoshi e Renji Asakura…”

    — “Temos o segundo confronto do Time 1 contra o Time 15!”

    As luzes da arena se reorganizam.
    Do outro lado do campo, Sander Shimo entra.

    Cabelos azul-escuros, pele clara como neve.
    O olhar dele parece o de um cientista… ou de um carrasco.
    Calculado. Preciso.
    Frio.

    Seu uniforme carrega o número 2.
    O top 2 do Fighters World.
    Um dos lutadores mais temidos da geração.

    — “Do lado do Time 15… KAEDE SHIZUMA!!!”
    — “Do lado do Time 1… SANDER SHIMO!!!”

    A galera explode. A vibração sobe como tsunami.

    Kaede e Sander param frente a frente.
    Uma distância de apenas cinco passos.
    Mas um oceano de tensão entre eles.

    Kaede fala primeiro, com um sorrisinho torto.

    — “Top 2, né?”

    Sander só ergue uma sobrancelha.
    — “E você é o quê mesmo? Número 80?”

    Kaede gargalha.
    — “Ah… esses números.”
    — “Sabia que até hoje ninguém soube medir minha raiva direito?”

    O juiz ergue o braço.
    A contagem começa.

    — “Lutadores, preparados?”

    Silêncio.
    Os dois apenas assentem.

    — “Luta começa em… 3…”
    — “2…”
    — “1…”

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