Capítulo 30 | Quando o Dom Encontra o Desespero
O chão vibra sob os passos de Ryuji Arata.
Seu olhar não desvia.
Seu coração bate em compasso com o universo.
Ele sabe: é a hora.
Enquanto os juízes murmuram entre si, e a multidão se agita como uma tempestade contida, Ryuji apenas caminha.
Um passo de cada vez.
Cada passo, um desafio aceito.
Ele não olha pra trás.
Não pensa no passado.
Só enxerga uma coisa: a arena.
A luz da arena se concentra no centro, deixando as arquibancadas em penumbra. Ryuji entra, com os punhos cerrados, o uniforme já marcado pelas lutas anteriores. Mas ele não hesita. Não treme. Não recua.
Lá do outro lado…
Surge Naki Senrou.
E o silêncio pesa.
Não é o silêncio da paz.
É o silêncio da ameaça.
Do predador que não precisa rugir.
Naki caminha devagar.
Não parece arrogante.
Nem intenso.
É quase como se estivesse entediado.
Mas algo pulsa ao redor dele — uma aura que dança como névoa viva.
Cinza, ciano, preta.
Fria como a morte.
Tranquila como um pesadelo recorrente.
A multidão sussurra seu nome como se invocasse um fantasma:
“Naki Senrou… o Gênio Adormecido.”
Um prodígio.
Em 3 meses de Senai, 21 lutas, 21 vitórias.
E já está no Top 3 do Fighters World.
Um monstro. Mas com rosto de anjo.
Ryuji o encara como encara qualquer um: sem desespero, sem idolatria.
Seus olhos dizem: “Você sangra? Então pode cair.”
Naki, por sua vez, para a poucos metros de Ryuji.
Inclina levemente o queixo, como quem observa algo curioso.
E então fala.
Sua voz é calma, cortante como gelo rachando:
“Era você o segundo pior, não era?”
“Durou bastante… mesmo sabendo tão pouco.”
Ryuji não responde.
Mas algo dentro dele arde.
Um leve sorriso surge no canto de sua boca.
Não é deboche. É confiança.
É fogo que não teme o gelo.
Os juízes olham um para o outro. O público para de respirar.
O árbitro levanta a mão.
“Combate autorizado.”
BOOM!
Um som de trovão marca o início.
Mas o trovão não vem do céu.
Vem do peso das intenções que colidem ali.
Ryuji Arata, o Sobrevivente.
Naki Senrou, o Gênio.
Dois caminhos opostos.
Duas filosofias de mundo.
Um campo de batalha onde talento e esforço vão colidir.
E só um pode sair andando.
O silêncio dura exatamente um segundo.
Depois, Ryuji explode pra frente como uma flecha.
Três ataques — rápidos, limpos, eficientes.
Um soco direto.
Uma rasteira giratória.
Um chute alto.
Três movimentos que derrotariam qualquer um.
Mas Naki…
Naki não é qualquer um.
Sem mover os pés, apenas inclinando o corpo e dançando com o vento, ele desvia de todos como se já soubesse.
Não por reflexo.
Não por sorte.
Mas por leitura. Por cálculo.
O público mal consegue acompanhar.
Ryuji, já no impulso do chute, gira no ar e tenta um golpe nas costas.
Erro fatal.
No momento em que os pés de Ryuji tocam o chão, Naki se move.
Um contra-ataque tão suave, tão limpo, que quase parece poesia.
Um leve giro.
Um leve impulso.
E o punho de Naki atinge Ryuji no abdômen.
BOOOOM!
Ryuji é lançado como uma bala de canhão, quicando pela arena e parando de joelhos, ofegante.
Ele cospe um pouco de sangue.
“Certo… isso foi preciso demais. Ele não joga pra bater… joga pra cortar a alma.”
Ryuji se levanta.
Naki está no mesmo lugar.
Imóvel.
Inexpressivo.
O cabelo desgrenhado pelo vento, olhos frios como os de um cirurgião.
E então ele fala.
Sem emoção.
Sem arrogância.
Como quem só está resolvendo uma equação.
“Armadilha: Nível 0.”
Ryuji franze o cenho, pronto pra reagir. Mas… nada acontece.
Nenhum movimento. Nenhum som. Nenhuma explosão.
Só o vazio.
E então, Ryuji parte pra cima — decidido a não dar espaço.
Mas ao se aproximar do raio de ação de Naki…
FLASH!
Uma luz estoura.
Não é visível.
Mas é sentida.
Ryuji sente os olhos queimarem.
Cegueira.
Por dois segundos.
Tempo mais do que suficiente pra selar o destino de qualquer um.
Naki avança.
O soco já pronto, cravado em energia escura e ciano.
Mas…
Ryuji gira.
Instinto puro.
Feeling bruto.
Movimento de alguém que já apanhou tanto, que o corpo aprendeu a ver mesmo sem olhos.
Naki erra por milímetros.
O público solta um grito abafado.
Do lado de fora, nas arquibancadas reservadas para veteranos do projeto Fighters World, um grupo observa em silêncio.
Entre eles, Daizen Takatora.
— “Ele desviou… cego?”
— “Você pensou no mesmo que eu, Daizen?”
— “Exato…”
— “Esse garoto tem algo que poucos têm.”
— “Algo que não se aprende.”
De volta à arena.
Os olhos de Ryuji ainda estão ardendo, mas sua mão se fecha num soco.
Ele avança novamente — sem hesitar.
BAM!
Acerta Naki no rosto.
Nada absurdo.
Nada destruidor.
Mas acerta.
E Naki… se move dois passos pra trás. O primeiro impacto real sofrido.
O público fica em choque.
Naki toca o canto da boca, onde escorre um pequeno filete de sangue.
Seus olhos estreitam. Pela primeira vez…
ele emana o Sen.
Nível 1.
A aura translúcida se ergue ao redor do corpo.
Cinza. Ciano. Preta.
Flutuando como fumaça viva.
Mas com uma frieza quase… mecânica.
Ryuji se arma, já esperando o impacto.
Mas não tem tempo.
Naki avança.
A velocidade aumenta.
O punho parece leve, mas carrega uma força estranha, que distorce o ar ao redor.
BAM!
Ryuji defende com os dois braços cruzados.
Mas mesmo defendendo…
Ele cai de lado, girando na arena.
Naki já está indo finalizar.
Sem pressa.
Sem som.
Mas Ryuji rola pro lado, se esquivando.
Novamente, sem ver tudo com clareza.
Sem lógica.
Só com coração.
Ele se afasta, com a respiração acelerada.
“Esse cara… é um monstro…”
“Mas monstros também caem.”
Naki para. Encara.
Não diz nada.
Mas algo mudou.
Agora, ele sabe que Ryuji não vai cair fácil.
A respiração de Ryuji é pesada.
Mas não quebrada.
Não derrotada.
Ele se levanta.
Enxuga o sangue da boca com o dorso da mão.
Os olhos, apesar da dor, brilham com uma raiva consciente.
— “…tá na hora.”
Ele afasta os pés, gira os ombros…
O punho direito se fecha.
O chão sob ele treme levemente, como se o ar tivesse ficado mais pesado só em volta daquele braço.
E então — ele anuncia:
“Single Shot.”
Simples.
Direto.
Um nome sem pompa.
Mas carregado de intenção crua.
Ele avança.
Não com mil movimentos.
Não com floreios.
Só com um passo firme.
E o braço direito ganha velocidade.
Como um disparo de fuzil, um soco.
BAM!
O impacto é brutal.
O som ecoa por toda arena como um trovão contido.
Naki é arremessado.
Seu corpo desliza pelo chão até bater contra a parede da arena.
O público prende a respiração.
Naki, o gênio.
O imbatível.
O calculista.
Ele lentamente se levanta, limpando a lateral do rosto.
“Um único soco?”
“Não achei que você teria coragem de usar algo tão óbvio… e tão eficaz.”
Ryuji gira o pescoço, respondendo:
“Às vezes, é isso. O mais óbvio… é o mais perigoso.”
Eles voltam a caminhar lentamente em círculos.
Naki:
“Sabe… eu não tenho muitas técnicas. Nunca precisei.”
Ryuji dá uma risada curta:
“Então hoje vai precisar. Porque eu… tenho novas cartas.”
Naki estala o pescoço.
O ar muda.
Sua aura escura e azulada pulsa mais forte.
“Armadilha: Nível 1.”
Dessa vez, não há delay.
Não há toque.
Não há engano.
É instantâneo.
Uma luz explode na frente de Ryuji.
Branca. Pura. Seca.
Os olhos de Ryuji ardem como se queimassem por dentro.
O mundo desaparece.
Tudo vira uma mancha borrada.
“Merda…” — ele pensa.
Mas antes que consiga respirar —
“Naki Punch.”
Um nome tão direto quanto “Single Shot”.
Mas muito mais… clínico.
O golpe vem do lado.
Uma mistura de Sen, precisão e brutalidade.
BOOOOOOM!
Ryuji é arremessado longe, o corpo girando no ar.
Ele cai como uma pedra.
Racha o chão.
Mas não fica imóvel.
Mesmo no chão, mesmo ferido…
Ele se move.
“Esse soco… foi mais forte. Mais limpo. Ele tá estudando cada reação minha. Ele vai me destruir por análise se eu não mudar…”
E é isso que desperta nele algo novo.
Um fogo interno que não vem de técnica,
mas de adaptação.
Naki avança para encerrar.
Mas no momento em que levanta o braço…
Ryuji se abaixa, desvia.
Mesmo sem enxergar por completo.
Mesmo com o corpo queimando.
Do lado de fora da arena.
Tsubasa, Kaede e Renji assistem atentos.
E não são só eles.
Vários ex-lutadores estão assistindo no fundo, trocando olhares.
O rosto de Daizen é sério.
— “Ele tá se adaptando… mesmo sem ver. Como?”
Kaede cruza os braços:
— “É talento bruto.”
— “Não é só isso,” diz Renji.
— Ele sente o ritmo. Ele lê o som, o padrão, a mínima hesitação do inimigo.”
— “Ele tá lutando… por dentro.”
Daizen completa:
— “É talento em evolução.”
— “Em tempo real.”
De volta à arena.
Naki dá um leve sorriso.
Pela primeira vez… algo humano em seu rosto.
“Você é teimoso. Mas… não é idiota.”
Ryuji se levanta, cambaleando.
— “Isso aí… foi foda.”
— “Mas você errou… me deixou pensar.”
Ele balança os braços, ativando novamente sua aura — vermelha, viva, pulsante.
— “Agora que eu entendi como funcionam essas suas armadilhas…”
— “Vou quebrar todas.”
Naki dá um passo pra trás.
— “Veremos, Ryuji Arata. Veremos.”
A luta segue sem domínio claro.
Naki lança mais golpes.
Mas Ryuji já não cai mais fácil.
Agora ele prevê.
Desvia. Contra-ataca.
Mesmo falhando, ele melhora a cada erro.
Naki tenta repetir o Naki Punch.
Ryuji gira o corpo, toma o golpe na lateral e usa o impulso pra contra-atacar com um chute giratório.
Troca.
Troca.
Troca.
Dois gênios em caminhos diferentes:
Um formado em dados.
Outro, em feridas.
O público não respira.
E a arena se transforma.
Não numa luta.
Mas num duelo filosófico.
Estratégia contra instinto.
Frieza contra fúria.
Cálculo contra coração.
Ryuji cai de joelhos.
Mas levanta com os olhos mais vivos.
Mais nítidos.
Mais perigosos.
“É isso… agora começa de verdade.”
O chão da arena está arranhado, rachado, com marcas fundas de pés, socos, quedas.
A poeira sobe a cada passo.
O mundo inteiro assiste — em silêncio.
Ryuji respira fundo.
Seus olhos estão vermelhos. Mas não de sangue.
De vontade.
Ele cerra os punhos.
“Agora, Naki… agora eu vou te mostrar algo só meu.”
Ele parte.
Sem hesitação.
Sem plano complexo.
Apenas um foco riscando o ar com o corpo em movimento.
Cinco golpes.
Cinco ataques em sequência, com precisão animal.
Um direto no queixo.
Um gancho no abdômen.
Uma cotovelada lateral.
Um chute giratório.
E um soco cruzado com o corpo todo junto.
CRACK!
Naki dá dois passos para trás.
Os olhos dele… se arregalam.
Por dois segundos,
o gênio duvidou.
“Você… não é fraco,” ele diz, limpando o canto da boca.
Ryuji crava os pés no chão e responde com a fúria acumulada de quem foi sempre desacreditado:
“Não, Naki. Eu não sou um gênio. Não como o San Ryoshi. Nem como você.
Mas eu sou alguém com algo a mostrar.”
“E eu vou mostrar agora. Com cada golpe, cada erro, cada acerto — eu tô evoluindo.
Aqui. Na tua frente.”
O mundo parece parar por um segundo.
Mas então Naki fecha os olhos.
Respira.
Abre os braços. E diz:
“Armadilha: Nível 3.”
O ar em volta dele implode.
Sua aura muda de estado.
De fumaça, vira massa espectral.
Cinza, preta e ciano, rodopiando e se condensando num formato inorgânico.
Um esqueleto fantasma envolve o corpo de Naki.
Como uma segunda pele feita de morte e matemática.
Ele começa a flutuar.
Os pés se elevam alguns centímetros do chão.
A pressão no ar é insuportável.
Mesmo os lutadores veteranos assistindo sentem um calafrio subir pela espinha.
E então — ele some.
Não é teleporte.
É velocidade.
Um rastro espectral marca o ar onde ele estava.
E num piscar de olhos…
BAM!
Ele aparece bem na frente de Ryuji.
“Naki Kick.”
Um chute.
Mas não qualquer um.
Um chute com impulso gravitacional.
Um chute com a força de uma besta metódica.
Um chute que atravessa a guarda de Ryuji.
CRAAAAACK!
O impacto faz a arena estremecer.
O chão se parte embaixo dos pés de Ryuji.
O corpo dele voa, mas é interrompido pelas barreiras de contenção da arena.
Ele desaba no chão, o corpo tremendo.
As câmeras tremem.
Os fãs se levantam das cadeiras.
Kaede e Tsubasa se levantam num salto.
— “Ele vai levantar?”
— “Se ele levantar… Naki vai entender.”
Silêncio.
A câmera foca em Ryuji.
Seu rosto está coberto de sangue.
Os olhos…
Ainda estão abertos.
Ele finca a mão no chão.
Se ergue com esforço.
As pernas tremem.
Mas ele encara Naki como um cão de rua faminto demais pra morrer.
Ele gira o punho direito.
A aura vermelha começa a se formar.
Não brilha como a de Naki.
Não é bela.
Não é precisa.
Mas é viva.
“Esse é o meu…
Normal Shot.”
Naki se prepara para bloquear.
Mas não entende o que vai acontecer.
Ryuji corre, e no meio do caminho…
lança o corpo todo no soco.
Não é uma técnica refinada.
É um tiro de canhão humano.
Um impacto direto.
Um grito puro de alma concentrado em um punho.
BOOOOOOOOOOM!
O soco atinge o peito de Naki.
Seu corpo é lançado como um boneco de chumbo.
Ele voa para trás, girando no ar, e se choca contra a parede da arena.
A aura espectral se quebra em partículas fantasmas.
O esqueleto se desfaz.
A flutuação cessa.
Silêncio.
Naki está no chão.
Ryuji cai de joelhos logo depois, ofegante, suando sangue.
Mas…
Ambos estão de pé.
Naki se levanta com dificuldade.
Toca o peito, respira fundo.
Ryuji também se ergue, limpando a boca com um sorriso torto.
Eles se encaram.
Sem palavras.
Só respeito.
Por fim, Naki fala:
“Esse… ‘Normal Shot’…”
“…não tem nada de normal.”
Ryuji dá uma risada fraca:
“Obrigado por não me chamar de gênio.”
“Eu sou só um problema… que você não conseguiu resolver de primeira.”
Naki fecha os olhos. Sorri de leve.
“Eu gosto de problemas assim.”
O juiz olha para os dois.
A luta… não acabou.
Mas algo mudou.
Agora…
são iguais.
Não em técnica.
Não em fama.
Mas em vontade.
Em honra.
Em um palco que exige tudo, os dois deram tudo.
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