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    Arena Shang Mu | Área externa

    Hora: 10:03 PM

    Os fogos ainda coloriam e iluminavam o céu estrelado da noite na Zona Milenial de Shang Mu.

    Era um ritual: sempre que eventos de artes marciais eram anunciados para o espaço milenar, fogos ornamentais de artifício eram usados para celebrar tal momento.

    Huli, o guardião solitário da Arena Shang Mu, que poucos sabiam de seu posto honorável, lavava as mãos, pelo manuseio dos rojões, em uma fonte de água límpida, que descia por rochas.

    Logo após, as enxugou. Folhas de papel arroz foram usadas, e descartadas sob fogo, com algumas labaredas e faíscas alçando voo. Um fenômeno interpretado como livramento espiritual.

    O raposo ruivo transpirava a essência do legado como guardião da Arena Shang Mu, seguindo à risca todos os protocolos. Dia a dia.

    Pronto e limpo, deixava o lugar, mesmo com os fogos ainda em sua metade estourando.

    Ele os programou com exatidão, para comparecer junto ao povo e acompanhar no meio da multidão o espetáculo pirotécnico.

    Olhando para cima, como um espectador nas vielas e ruas estreitas da região, essa era uma das poucas oportunidades que seus dois olhos ficavam visíveis ao mesmo tempo, mostrando sua fronte sem a obstrução de seus cabelos.

    Seu olhar, maduro e seguro, brilhava a cada estalar dos fogos, que embelezavam o alto da zona de templos e pagodas

    Eles buscavam algo além da satisfação de vê-los.

    Huli queria dar mais sentido ao evento. Valorizá-lo ao máximo.

    — “Gosto de sentir a vibração do meu povo” — pensava, olhando para o alto. — “Todos amam espetáculos. “

    Sua sina, focada nas artes marciais, deu lugar à contemplação.

    O ruivo aproveitou cada segundo.

    — “Há mais de mil anos isso é mantido e me enche de orgulho ter a honra de levar esse legado.”

    Contudo, a lembrança de alguns minutos atrás ainda estava fresca em sua mente.

    — “Ashem Viktorius” — ele olhou para a palma da mão. — “Eu guardarei aquela lágrima que você me fez escorrer.”

    O estourar continuava enquanto o raposo apreciava os eventos passados em sua mente.

    — “Já vi várias manifestações de fé e honra, mas a sua foi a mais pura prova de amor às artes marciais.”

    Todo aquele evento improvisado ficou marcado nele. Tinha algo a mais. Você agora é parte da memória da Arena.

    — “Igual a você, somente outros dois Naturais receberam tal honra. O primeiro… não o presenciei. O segundo, vi com meus próprios olhos. E você, o terceiro, gravou sua marca em mim.”

    Uma nova lágrima escorreu, desta vez do olho direito.

    — “Lutar sem Nirvana… é como buscar o ar num mundo sem céu. É insano. É uma tolice. Tão sem sentido quanto lutar ao relento em um chão coberto de vazio. Mas também… é a pureza mais próxima da essência.”

    Ele voltou a caminhar, rumando em direção a sua casa, para repousar após um dia carregado de deveres.

    Com um dos olhos coberto pelos cabelos, algo o fez pensar.

    — “Viktorius, o relato do primeiro era ‘quero nadar contra a correnteza da incerteza’, a segunda ‘lutar contra o sistema’. Tenho curiosidade em saber qual será o seu…”

    Como ato simbólico, ele parou de andar e olhou para trás.

    Ele reviu os momentos finais de seu exame de admissão ao jovem. Viktor, após a assinatura, havia feito um pedido:

    — Não diga nada disso a meu time. Eu só me inscrevi e nada mais… por favor!

    Isso o marcou.

    “Por que alguém esconderia tal ato de seu time?”

    Essa foi sua dúvida.

    Huli continuou sua observação do passado, o que o fez olhar para trás.

    Enquanto pessoas olhavam para o céu, admirando o espetáculo luminoso colorido, ele indagou:

    — Ver seu caminho é curioso, Viktorius Ashem. Ter um Natural entre lutadores é um evento a ser apreciado.

    Sua preocupação com o futuro era real.

    — Temo que muitos vejam de outra forma. Queira ou não, você é um estranho… Um punho novo. O acaso.

    Huli costumava falar pouco, mas quando se prestava a isso, o fazia a só, como se estivesse dialogando com forças maiores.

    Seus elos com as manifestações metafísicas, oriundas de uma doutrina antiga de Shang Mu, eram o que movia suas ações.

    Voltando a caminhar, fechou:

    — A promessa… ou a ruína. Estou curioso. O vento que sinto é sereno… e emissário.

    O guardião da Arena Shang Mu era só um cidadão comum da megalópole cosmopolita de Avalice.

    Durante seu trajeto, ele recolheu baldes com água da chuva para ajudar os locais, ajudou a fazer quintais de idosos avaliceanos, ajudou pescadores, cumprimentou conhecidos.

    Ele se comportava como uma pessoa comum.

    Não era alguém ambicioso ou sequer buscando um lugar.

    O raposo dedicava seu tempo em proteger o legado das artes marciais por toda a Zona Milenial.

    Não era tratado como alguém diferente, assim como tratava a todos como igual.

    E tinha orgulho disso.

    Sua volta para casa foi em paz, em todos os sentidos.

    A história continua mas, desta vez, seria mostrado um ponto da cidade com um ritmo bem distinto.

    Seu desenrolar ocorreu horas depois…

    Cidade de Shang Mu | Centro

    Distrito Comercial Noite da Fortuna

    De uma fagulha das chamas de uma fornalha da Zona Milenial, a brasa dava lugar ao néon e à fluorescência das luzes da cidade.

    Situada bem no centro, a zona era a mais brilhante e banhada por comércio abundante.

    Se existia algo vibrante, grandioso e rico na imensa cidade de Avalice, essa era a Noite da Fortuna.

    Lugar de vários empreendimentos comerciais e impávido por construções colossais, lá era o epicentro ideal para demonstrar a grandeza de Shang Mu.

    Do cheiro agridoce dos vários restaurantes às borbulhantes casas de shows e bailes, tudo clamava ostentação, não importasse o ramo de negócios.

    Ruas largas, meios de transporte modernos e bastante — e ponha bastante nisso! — lojas e mais lojas dos mais variados tipos.

    Tendo isso em vista, um novo cenário foi mostrado.

    Lanchonete Grande Tesouro Grande | Noite

    O local, a maior rede de fast food da região, era um lugar convidativo para amigos se reunirem.

    Despojado e com mesas largas, o acabamento em madeira e metal do lugar davam todo um charme entre jovem e maduro.

    Sentados em uma das mesas, lá estava o time de Lilac.

    Assim como a dragão, lá estavam Carol, Milla, Noah, Santino e Viktor.

    Em uma das mesas circulares do salão, a conversa seguiu, com o assunto que todos já sabem.

    — Esses ninjas causaram muitos problemas! — falou Viktor, olhando para Lilac. — Por muito pouco não conseguimos nos inscrever.

    — Pô, piá… Se não fosse tu, a gente já era! — disse Carol, sorrindo. — Mó bom você ter entrado como o quinto, nyah!

    Noah, do outro lado da mesa, de braços cruzados, tinha algo a falar.

    — Eles quase conseguiram nos atrapalhar… — ele olhou para a dragão em seguida — Lilac, a chance deles investirem novamente é alta. Recomendo ficarmos no centro.

    — Sim, isso mesmo! — respondeu. — Nem mesmo os Red Scarves teriam a coragem ou vontade de se exporem tanto assim aqui no centro da cidade em Shang Mu.

    — Mas e como fica o Noah? — perguntou Milla, comendo batata frita. — Ele tem que ir pra casa e fica perto da Zona Milenial. Não acham perigoso?

    A pequena tinha razão.

    Lilac, se sentando ao lado dele, informou:

    — Ele ficará no hotel com a gente.

    Todos olharam impressionados.

    A notícia fazia total sentido, frente a ameaça que poderiam ter, como Santino falou:

    — Todos juntos no mesmo lugar, em um hotel luxuoso e no centro da maior cidade de Avalice. Brilhante solução, mocinha.

    Noah, ressabiado, deu sua opinião:

    — Eles podem mudar de estratégia a qualquer momento e… — ele se lembrou do que foi alvo na zona sul.

    Ele sabia que estava sendo seguido todo esse tempo.

    A recordação recente o fez ficar pensativo:

    — “Tem aquela pessoa que estava me seguindo. Será um Red Scarves? Esse alguém me avisou sobre a zona Leste… mas por que fez isso?”

    Os eventos trouxeram mais cuidado.

    Não só Noah, ao lembrar do ocorrido na zona Sul; Lilac também recordou do que precisou lidar na zona norte.

    — “Aquele panda… Flórr era seu nome. Não tenho a mínima ideia de onde veio ou por onde andou esse tempo. Espero que tenha colocado a cabeça no lugar.”

    Mesmo que tenha se saído bem na discussão, ela guardou algumas passagens dele.

    O olhar da dragão, buscando foco, se uniu a uma incógnita: a ação que Flórr tomou ao ignorá-lo por um instante.

    A frase que ouviu estava indo e voltando em sua mente.

    — Não me dê as costas! Gente da sua laia vivem me fazendo isso…

    Ela tentou raciocinar melhor, mas sem sucesso.

    — “Ele guarda rancor de pessoas…? Ou será algo pessoal, contra mim? Não. Eu nunca tive contato com ele antes…”

    Ela voltou a se refrescar com um gole de refrigerante, buscando relaxar.

    Aliás, esse era o objetivo principal de buscarem uma lanchonete.

    Subliminar a tensão criada mais cedo era a atual missão que a dragão púrpura opinou.

    E todos foram a favor.

    Contudo, era difícil ficar sem conversar.

    Os eventos eram muito recentes.

    Viktor, então calado, tinha uma curiosidade:

    — Vocês falavam sobre esses Vaidels… São Red Scarves ou outro grupo? Eu não entendi bem.

    Essa pergunta trouxe um pouco de incômodo à Carol e, principalmente, a Lilac.

    A garota dragão, puxando ar, foi direta ao assunto, sem fugir.

    — Os Vaidels são os ninjas de missões rank S dos Red Scarves. Pode ter certeza que nada será igual como antes, nós sabemos.

    — Os coisa ruim tão levando mais a sério a patota… — a felina endossou o que sua amiga falou. — Hong Se, os gêmeos do capitoro, os betinha… Tudo conspirando contra, oxe!

    As poucas palavras da dupla deixaram em aberto o assunto.

    Embora não se opuseram em responder, o pouco que disseram não explicava o porquê da aparição dos ninjas de elite.

    Noah olhou bem para a gata, percebendo entrelinhas. Também fez o mesmo com Lilac, pressentindo algo a mais.

    Ele se limitou a isso, enquanto bebia água.

    No outro lado da mesa, comendo um sanduíche enorme, Santino comentou:

    — Não foi só o ataque às mocinhas o problema.

    — Por que, Santino? — Viktor tomou a palavra.

    — Os desgraçados me atacaram na covardia, mas isso parece parte da treta. A pergunta que não quer calar: o que eles queriam ao me levar para aquela gruta?

    Carol entrou no assunto.

    Entre uma mordida e outra no sanduíche, ela falou:

    — Os Vaidels são assassinos, doggo. Ou tu acha que iam te fazer carinho nas orelhas? Não, né.

    — E vocês sabem mais sobre eles? Corri um certo risco por causa disso…

    Carol e Lilac trocaram olhares, a pergunta causou desconforto.

    Os presentes não entenderam, mas tinha algo no ar.

    Enquanto o assunto ficava mais aberto, Noah colocou mais tempero.

    — O que vi lá embaixo, o que eles tentaram fazer com o Santino… é preocupante.

    — Falaram que iriam fazer um pequeno teste em mim, que eu seria o primeiro de tantos outros… — Santino Rock relatou. — Não tenho a mínima ideia do que eles queriam fazer, mas…

    Ele fechou seu punho, o levantando. A fúria ainda fervia.

    — Queria muito socar aquela ninja desgraçada no meio da cara dela!

    — Fica sussa com isso, doggo! — falou Carol, correndo um sanduíche. — Soquei aquela boca de bueiro bem na fuça! A diva linda aí fez fatality e tudo, nyah!

    Por intermédio de Santino, ele levou seu punho ao dela, com a gata dando um soquinho ao dele.

    Entretanto, não era o fim.

    Lilac manteve essa conversa.

    Queria saber mais.

    — Noah, o cheiro que você disse… Era composto químico mesmo?

    — Não exatamente isso. Não era um odor de laboratório, como de ácido, base e afins usados para dissociação e dilatação, tampouco reações de síntese. Era algo novo, além da pura química.

    — O que a Hong Se e os Gêmeos Carmesim queriam com isso que me preocupa mais — completou a dragão, olhando para dentro do copo de refrigerante.

    Seu olhar transpareceu preocupação, tão logo Noah ficou um tempo pensando no ocorrido, mas com um outro sentido.

    Como um mau agouro, ele ouviu uma frase, com a voz silvada marcando coro em seu subconsciente.

    — “Puapuaga…”

    “Sofrimento”. A tradução literal.

    Como um tique, o albino bateu o punho à mesa, chamando a atenção de todos.

    — O que houve, Noah? — Lilac tomou a palavra.

    — Nada… — ele, disfarçando, divagou. — Somente lamentando por não ter sido mais efetivo.

    — Como assim? Poderia explicar?

    — Eu demorei. Poderia ter ajudado Carol… e evitado o atraso. Por sorte, o estrangeiro conseguiu fazer a inscrição.

    Noah apontou para Viktor, mesmo que não olhasse diretamente.

    Diante do assunto crucial, Santino tinha dúvidas.

    — Bem, esse rapaz estranho entrou no meu lugar. Vocês querem de mim mais alguma coisa? No momento, só sou um peso.

    Milla, que estava quieta, foi até ele.

    Meiga, ela o abraçou, dizendo:

    — Você vai ficar com a gente, moço!

    — Hã?! — ele estava um pouco envergonhado. — Ah, bem… mas… por quê?

    Lilac explicou, terminando de tomar um copo de refrigerante.

    — Você nos ajudou, Santino Rock. Por alguns minutos você lutou conosco… e assim será até o fim.

    — Mas os times só podem ter cinco integrantes. O que eu poderia fazer?

    Noah foi categórico.

    De braços cruzados e de olhos fechados, falou:

    — As equipes podem ter integrantes de suporte. Precisamos de você, de proteção além do torneio.

    — Exatamente! — confirmou a dragão. — Temos que ficar unidos até o fim. Eles não irão descansar até pôr as mãos no troféu, que é o resquício da Jóia do Reino.

    — Hm… — murmurou o canino. — Que confusão fomos nos meter.

    Enquanto comiam, Viktor levantou um assunto que o estava remoendo a algum tempo, desde que pôs a cabeça no lugar após os eventos da Arena Shang Mu.

    — Lilac, você sabe alguma coisa sobre o Monastério Omna?

    — Monastério Omna? Hm… — a jovem tinha dúvidas. — Eu não sei do que está falando. Mas por que?

    Ela poderia não saber, mas Noah olhou para o humano com um pouco de surpresa.

    — Estrangeiro, onde você ouviu esse nome? — perguntou ele.

    — Bem, eu conheci duas pessoas desse monastério.

    O albino se aproximou de Viktor, curioso com a notícia.

    — Quem eram? Me diga!

    Ele foi direto, como se sua curiosidade o consumisse.

    Mas não foi preciso muito para que Noah soubesse de mais notícias.

    Uma voz, jovial e convicta, foi ouvida.

    — Logo se nota que nosso monastério é conhecido… e isso é irado!

    Todos olharam para trás e, sentado em um dos bancos no balcão da lanchonete, próximo onde estavam, era um felino com pelagem alaranjada.

    Ele vestia uma calça com tecido grosso, como a de um monge, andava descalço e com um peitoral de pano que lhe cobria parte da região de seu dorso.

    Em seu braço esquerdo continha uma manta presa, com adornos de pelúcia.

    Seus cabelos avermelhados tinham uma tiara presa, e possuía olhos verdes.

    Seus traços eram finos, quase andrógino. Ele esbanjava personalidade.

    Todos do time estavam surpresos.

    — Quem é você? — perguntou Lilac.

    — Hehe… Posso responder, mas… — disse, olhando para o humano — Posso falar com o Viktor antes?

    Isso surpreendeu a todos.

    Um desconhecido sabia o nome do humano.

    Isso trouxe um crescimento da tensão.

    Maior do que se imagina.

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