Capítulo 121 - Dilúvio Terminal

— Pare.
— Quoi?! — rosto surpreso, uma gota solitária de suor escorreu.
Cessando seu Nirvana, Ciel caracterizou um sentimento de imensa frustração.
Ele estava no calor de sua vontade prazerosa de lutar — a vermelhidão de seu rosto sumiu tão rápido quanto sua aura amarela — e se viu em um cenário abrupto.
Sheng, mostrando seriedade muito acima da média, tomou a situação tal qual uma autoridade suprema.
Seu olhar infligiu ao azulado uma pressão interna absurda.
— “Por que ele se intrometeu?! Malédiction!”
O felino alaranjado, transbordando desse poder, se dirigiu a ele — não parecia a mesma pessoa.
Mas Ciel, voltando o olhar para Viktor — que em nenhum momento abaixou seus punhos — agiu primeiro.
— Trate de soltar meu punho, gâcheur! (estraga prazeres)
Seu foco era o humano, mesmo sendo seguro por Sheng.
O felino membro da Família Daiyamondo, ainda com o mesmo olhar maduro de antes, foi mais direto dessa vez:
— Cara, só vou falar uma vez: cai fora daqui antes que encontre muito mais do que uma derrota.
O que deveria causar medo em Ciel lhe trouxe animação: um sorriso malicioso surgiu em seu rosto delicado, com suas palavras sendo ouvidas.
Sua voz ficou sussurrante, sem desviar o olhar do seu alvo.
— Precisa valer a pena, pois odeio saborear minha presa quando ela esfria… Vous avez compris?
Sheng, em contrapartida, entendeu melhor seu oponente: Ciel não era o tipo de lutador que se abalava com ameaças; ele subvertia a própria lógica de perigo — se alimentava deste tópico.
Todavia, durante a troca de habilidades entre Viktor e Ciel, houveram definições importantes para o desenrolar da cena.
Voltando um minuto no tempo, no mesmo corredor, o foco da cena voltou para Lilac e Joshy.
Seus Nirvanas aflorados tinham a mesma força desde o início, e a conversa prosseguiu em uma intensa escalada emocional. Os dois líderes compartilhavam suas aflições e convicções.
— Por que você insiste em defender sua família? — a dragão não deixou o assunto morrer. — Você admitiu que eles estão doentes… e mesmo assim quer protegê-los?
— Você não sabe de nada e quer opinar… — lúdico, o lobo branco argumentou. — Honra, história, responsabilidade marcial e cultural… Toda a história de Shang Mu foi escrita por nós também!
Desta vez Lilac ouviu atentamente, sem o cortar. Joshy continuou:
— Um legado de mais de mil anos está doente e eu tenho o dever moral de limpar a mácula que meu clã adquiriu! É minha moral… e minha responsabilidade manter este legado como nas eras de ouro!
Seu discurso tomou ares mais pessoais desde então.
— Esse torneio é o epicentro de tudo que importa para os que me seguem e para mim mostrarmos que as coisas mudaram. — As palavras tinham peso dessa vez, com sentido perceptível em sua voz.
Nesse momento, Lilac ousou. Ela se lembrou que, no passado, também fazia parte de um clã — o qual não guarda boas lembranças.
— Uma vez estive em uma situação igual à sua… e não me orgulho do que fiz parte um dia.
Com a voz baixa, Lilac começou a falar, elevando-a em seguida:
— Descobri que era maior do que todos daquele clã e mudei de vida… e a todos à minha volta! Por que não faz o mesmo?
— Porque o Monastério Omna é, definitivamente, maior do que qualquer ser existente ou não em Avalice.
Ela não gostou do que ouviu, explodindo em palavras a seguir.
— Um clã não vale uma vida! — Gritou, mostrando os dentes. — Não seja uma peça no tabuleiro deles! Seja você mesmo e mude o mundo com as próprias ideias!
Joshy não mudou seu semblante — como se já esperasse pela resposta — e contra-argumentou com calma na voz.
— O monastério é uma ideia viva e milenar. Existem centenas de membros… Pessoas boas que estão sendo corrompidas pelo poder institucional. Renegar tamanho legado é trair tudo e a todos que me seguem.
A confissão foi desconcertante para Lilac. Seus olhos procuraram cada traço do rosto de Joshy — ela queria ter certeza do que estava acontecendo.
Percebendo esse comportamento da dragão, o lobo sussurrou:
— Conheço sua história, cara dragão… Eu a respeito, mas… Estou escrevendo minha história ainda. Não tenho muito mais para compartilhar. Os que vieram antes falharam, mas eu não irei.
A cor púrpura dos olhos de Lilac se tornou mais profunda ao ouvir o que Joshy tinha acabado de falar.
Ela recebeu aquilo como um recado respeitoso, mas que também continha um clamor honesto de confiança… e pedido por respeito.
Sem mais nem menos, Lilac dissipou seu Nirvana — a aura púrpura sumiu abruptamente — e isso foi um fator determinante… e arriscado.
O motivo: isso pegou o lobo de surpresa, visível em seus olhos arregalados. Uma fração de segundos impedia a sua aura azul de esmagar a dragão, já que ainda a segurava nas mãos.
Ele, mostrando um controle de Nirvana incrível, cessou-o, gastando com isso uma gama grande da energia, mas evitando o pior para Lilac, que sorriu em seguida — seu traço mais marcante.
— Por que fez isso?! — A confusão do lobo foi tremenda, ofegante. — Eu quase a destruí, dragão!
— Alguém bem intencionado não me machucaria. Por isso apaguei meu Nirvana… pra testá-lo.
— Testar?! Explique-se!
Lilac apertou sua mão com força, mantendo o elo enquanto falava:
— Se você sabe da minha história, então tem noção da minha escolha. — Ainda mostrava o sorriso, a voz tenra. — Uma ruim que eu fiz no passado, mas que decidi nunca mais seguir por esse caminho.
Ela também usou sua outra mão para segurar a mão de Joshy — era um aceno não só de respeito e confiança, mas também de compartilhamento de experiências.
— Tenho certeza agora que você tem justiça nas mãos… como as minhas. Eu ainda não concordo com essa sua vontade de proteger seu clã, porém, a sua ideia é como a minha.

No fim, ele também lhe entregou um sorriso confiante e honesto, fincando ali mesmo uma aliança moral.
Ambos ainda discordavam um do outro, mas tinham em comum a justiça incondicional e, principalmente, a moral intacta.
Um pouco mais para o centro do corredor, saindo do conflito finalizado — com bons frutos — lá estavam Carol e Tats.
Ambas as felinas se fitavam, enquanto as lágrimas escorriam do rosto da acinzentada.
A verde selvagem, surpresa, falou:
— O que tá acontecendo? Por que tu tá chorando, bonita?
— Eu não estou chorando… — o rosto firme, mas as lágrimas ainda caiam. — O que você está vendo é minha emoção de admirar sua vontade de ajudar alguém que ama. E você faz isso de forma incondicional.
— Hã?! Tipo… — coçou o nariz, confusa. — Forma diferente de dizer que tá “lavando os olhos de dentro pra fora”…
Isso lhe tirou do foco principal por alguns segundos — a gata selvagem a olhou outra vez, mas com ressalvas.
— Aí, não sou de socar quem tá chorando ou seja o que for. Se tu tá numa fossa ou bagulho assim, posso te dar minha mão, te puxar de volta, tá ouvindo?
— Não estou impactada negativamente, Carol. Só que… — olhou para o lado, observando Viktor. — Ele mudou o jeito de eu olhar para meus problemas.
O momento que Tats o olhou foi no instante que golpeou leve o abdômen de Ciel.
Carol viu isso com todos os detalhes, mesmo longe, o que fez com que se surpreendesse.
— Carai… o que tá pegando ali?! Isso foi mó brabo, fala tu! — ela quase aumentou a voz.
Antes que os gritos histéricos da felina verde viessem, Tats cortou sua emoção, expondo seu ponto de vista.
Do jeito controlado e maduro que teve, era como se ela soubesse o que aconteceria.
— Eu conversei com Viktor nos arredores da Arena Shang Mu. Ele me mostrou muito do que ele é só com micro gestos.
— Como é? Que babado é esse?
— A inocência dele, seu físico, suas ideias… e seu compromisso de fazer parte do time. Posso ser direta nesse ponto, Carol: ele é fiel ao que vocês defendem. E é isso que eu acho lindo.
Tats respondeu, mas entregou pouco.
Carol precisava de mais.
— E daí? Se tu curte o piá, por que só fica olhando? O que o Viktor fez contra o covinha lá foi irado, mas você não faz nada por que?
A pergunta certeira.
A resposta:
— Dar a ele suporte tiraria sua individualidade se resolver os próprios problemas. Pelo pouco que conheci dele, Viktor me entregou o que falta em mim. E, depois de te conhecer, Carol… Você também é importante.
— Hã?! Mas o que… — ainda mais confusa, começou a esfregar a própria cabeça. — Ah, que meleca! Essa conversa tá zuando com minha cachola! Explica melhor, pô!
A exigência era palpável.
Carol nunca se destacou por decodificar entrelinhas, mas compensava na honestidade.
Tats atendeu seu pedido
— Ter as próprias ideias, um caminho criado única e exclusivamente por sua vontade… e ser você mesma. É assim que observei quem você é, Carol.
— Ah, tipo… você tá falando que sou de agir por mim mesma, eu entendi. Mas onde o piá e eu entramos na conversa?
— Eu invejo vocês.
Carol se surpreendeu mais uma vez, abraçando o próprio corpo em sinal de embaraço.
O tom de voz de Tats carregava tamanha melancolia que Carol, em seu entendimento rústico, apenas sentiu o peso.
Foi com a franqueza que a badgirl número um de Avalice se dirigiu a felina:
— Ter inveja é mó ruim, sabe? Pô, bonita… Achei maneiro você falar essas coisas aí de eu ser livre e coisas do tipo, mas a verdade é que tu sentir isso não combina sabe?
— Do que está falando? Carol, você não tem ideia de como me frustra agir dentro do que sou em um monastério tomado por facínoras orbitantes.
— Eh… que tu disse aí?
Percebendo que seu vocabulário rico era um empecilho, Tats fez um esforço para resumir a mensagem:
— Gente da minha família exige os mesmos protocolos e diretrizes do que devo fazer e como fazer. Não são malvados, mas até na bondade há exagero. Mas vocês… Vocês têm essa liberdade de serem o que são.
Mais claro e explicado na medida, Carol entendeu a mensagem, sem rodeios.
Seus olhos verdes procuraram em Tats uma validação — algum sinal de que estava mesmo falando a verdade — e achou no exato instante que a viu olhar para Viktor mais uma vez.
O embate entre os garotos prosseguiu ao longe, sem que pudessem ouvir a conversa.
Calma, a felina acinzentada parecia dar votos de confiança ao jovem, ficando imóvel até mesmo após Ciel executar os três pulos em direção ao humano.
Carol se assustou, mas a segurança da sua oponente foi tão grande que imitou seu gesto de não fazer nada: as duas testemunharam os acontecimentos por igual.
A intromissão de Sheng no fim sacramentou a confiança de Tats, que falou:
— Viktor agiu como quer. Esse é um grande dom dele… e eu vejo que você segue exatamente o mesmo caminho, ainda que você seja tão diferente dele.
— Pode crer… — sorriu, se virando para Tats. — Mas isso aí ainda tá osso… e valeu pelo elogio.
— Esse é o motivo de eu admirar seu time… e a ele.
Sem desviar o olhar, Carol lhe disse:
— Essa tua família tá te segurando. Por que você não mete o pé, então? Tipo, tu é inteligente, bonita pacas e já saquei que luta bagarai… Pra quê ficar junto com esses Zé ruela?
— Por que tenho amor pelos Omna, e minha família é um legado que nunca abandonaria — ajeitou os óculos, ainda acompanhando Viktor com os olhos.
Observou o jovem agir mais uma vez. Tats acompanhava mantendo a conversa:
— Conhecê-lo me fez valorizar o que eu tenho, mesmo com os inúmeros problemas.
— Tá, tá… — colocou as mãos na própria cintura. — Tu não tem que abandonar as parada. Mas, bonita, uma dica marota da kid aqui…
Tats virou para ela, curiosa pela chamada.
— Do que está falando? O que quer falar?
— Não fica nessa de “tô presa, tô compromissada”. Se tu tem tanta vontade de ver liberdade, luta por você pelo menos uma vez. E daí se vão olhar torto? É tu que tá no controle da própria vida, nyah!

Tats assentiu, um pequeno sorriso surgindo.
Carol fez o mesmo, entendimento par.
Tats riu, um som genuíno… e Carol fez parte disso.
A aliança estava feita.
Todavia, esse fechamento se encontrou com o mesmo espaço tempo do conflito envolvendo Viktor, Ciel e, tempestuoso, com Sheng.
Voltando no exato momento onde o Daiyamondo segurou o punho do azulado, a cena prosseguiu.
Sempre de olho em Viktor, Ciel mostrou sua impaciência:
— Gosto de como segura forte meu punho, mas… — o rubor voltou a seu rosto. — Preciso terminar com minha refeição antes de ir para a sobremesa, est-ce que tu comprends?
A fome dele não assustou Sheng, mas causou um mal-estar — foi uma provocação camuflada.
No outro lado da disputa, Viktor olhava para o interior dos olhos de Ciel, como quem procurava por algo e não encontrava.
— “O que ele quer, eu tenho de sobra” — pensava, sem desviar a fronte. — “Só que eu não sei o que virá, mesmo sabendo que ele é alguém perturbado. Eu nunca vi um lutador agir assim…”
Não foi um ato rebelde o de Ciel: era puro instinto de lutador.
O maníaco por batalha.
Sabendo que palavras não o atingiram — e nunca o atingirão — Sheng precisaria dar uma mostra mais prática.
Sua irritação cresceu, a ponto de expressar mais truculência.
— Sobremesa? — disse, fúria crescente.
Com dois movimentos, ele aplicou uma chave: o arremessou para longe, onde o azulado voou por três metros, confuso e desorientado.
No calor da luta que tinha nas veias, seus instintos o fizeram rodopiar no ar, executando uma acrobacia arrojada e plástica — rodopio com controle pleno do corpo — indo ao solo de pé, com a graciosidade de um ginasta olímpico.
Sheng o olhou, indiferente.
Mas não Viktor, que ficou surpreso com o que viu.
— “Ele conseguiu se reequilibrar nesse curto espaço de tempo e caiu de pé como se fosse fácil?! Quem é esse cara?!”
O alaranjado, a fim de defender sua honra, mostrou a que veio.
— Não importa como você interpreta o que está a sua volta, babaca. Quer ficar nesse seu joguinho de provocação ou de querer brigar contra qualquer pessoa, vá em frente. Só que…
Ele pausou, movendo seus olhos para várias direções.
Não era um destempero ou confusão: Sheng, com o gesto, só sinalizou que havia outros indivíduos à espreita, observando o comportamento do jovem felino azulado.
— Eu sou um Daiyamondo… — falava o alaranjado, mostrando maturidade. — E você está no meu território, o da minha família. Você tem vontade de lutar… mas qual seu limite? Ou melhor dizendo: até onde está o limite da minha família?
Nem Viktor abaixou a guarda.
O humano estava em um ambiente hostil, mas o felino que criou rixa era o motivo de sua prontidão.
Ciel, por sua vez, ainda manteve o foco nele, mesmo com o ataque de Sheng.
Ficou ali mostrado que havia vários membros do Monastério Omna testemunhando uma disputa de egos — que já havia desafiado o legado de todo o conglomerado.
Eles estavam pelo corredor, todos demonstrando serenidade — alguns até estavam com as palmas juntas — deixando claro que havia controle, ao mesmo tempo que eles estavam em prontidão.
Fixado, mas não cego, Ciel se acalmou mais do que aparentava.
— Deux pour le prix d’un… (Dois pelo preço de um) — tom sério na voz. — Um estrangeiro atrevido e um lutador charmoso… e forte.
Era um monólogo. Quase teatral.
— Hum… Quero vocês dois. Semifinal ou final… — falou, abaixando seus braços. — Principalmente este Natural aí… — olhou para Viktor, apontando com o próprio rosto.
Por trás de Sheng, ainda em base de luta, o humano respondeu.
— Agora você sabe com quem está falando.
Ciel sorriu, puro deboche.
Escárnio estava em cada centímetro de sua boca, que manteve a arrogância intacta.
Contudo, Sheng ainda tinha dúvidas.
— Você disse que “queria conhecer a derrota”. Por que está interessado na única pessoa que não tem a mínima chance de te vencer?
Essa pergunta teve dois efeitos: fazer Ciel reagir e, em contrapartida, deixar Viktor mais irritado que estava — ele olhou para Sheng como Ciel olhou para ele mais cedo.
O azulado, com a ironia afiada, trouxe:
— Conhecer minha derrota é a melhor parte. Mas também há outras passionnant aussi… (há outras excitantes também).
Nesse instante, ele lhe entregou as costas e elevou sua cauda — como mais uma de suas provocações — e caminhou para o interior do corredor.
Membros do Monastério Omna acompanhavam seu trajeto, cheio de graça que só um modelo profissional poderia proporcionar.
Sua vontade de lutar se manteve a mesma — até aumentou — pelo simples fato de ser observado por vários dos monges.

— “Au revoir, Sheng… e Viktor” — pensava, com as duas mãos atrás da nuca. — “Isso será interessante…”
Seu caminhar, repleto de elegância e postura, disse muito mais do que palavras.
Era como se Ciel desfilasse, retirando as mãos da nuca e as colocando na cintura, delineando melhor sua silhueta — controle absoluto da “pista”.
Ele deixou para trás os dois.
Viktor e Sheng.
Ambos olharam um para o outro, mantendo a encarada.
Como rivais… ou inimigos?
Era um antepondo de um duelo…?

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