Índice de Capítulo

    A tenacidade do clima deixado no capítulo anterior se manteve em seu maior grau, caótico como tal.

    De forma extraordinária e oportuna, Spade conseguiu salvar sua comandada, Ruby Scarlett, de ser fatalmente ferida pelo guardião.

    Sobre ele mesmo que o assunto agora se apega: o vendedor de doces gentil e afetuoso Ying Li é de fato o guardião do monarca de Shuigang, Dail.

    Essa notícia caiu como uma bomba para todos, coisa que Lilac insistiu em confirmar.

    — Ying, o que está acontecendo aqui? Não é possível que você seja o guardião! Você não esconderia isso de nós, não é?

    Mas, Spade, segurando Ruby, deixou tudo bem claro para a dragão.

    — Esperava que você fosse mais inteligente, Lilac. Pelo menos fico feliz: Dail escolheu bem a quem confiar. E isso tem a ver de tudo vocês não saberem até agora que ele é o guardião.

    — Do que você está falando, Spade? – disse Lilac, olhando para o lupino.

    — Logo se nota que você é muito inocente. Acha mesmo que Dail seguiria um padrão genérico e clichê de guardião? Não me faça rir… — o panda disse, sorrindo de uma forma irônica. — Meu irmão está muito à frente de vocês e a de qualquer monarca de Avalice. Ele é um gênio.

    Diante o que o líder da divisão Red Scarves disse, Carol também não acreditava.

    — Ah, qual é? Pô, o Ying é mó kawaiizinho pra ser um guardião! É mais um plano seu, né? Deixa essa de fake news, senão um togado vai mandar a PF te pôr na jaula, tá? Fica a dica.

    Spade se mostrou irônico no semblante, mas suas palavras traziam a verdade, por mais que a tagarela não aceitasse.

    Por isso mesmo, foi direto ao assunto.

    — Vou dizer outra vez e bem alto: YING É O GUARDIÃO DE SHUIGANG! É ISSO! — berrou o panda ladino, olhando para Carol. — Quer que eu ponha no jornal também?

    Mesmo diante da conturbada situação, Ruby, que estava tonta por tantos danos que havia recebido, recobrava, aos poucos, a sua consciência, dizendo:

    — Spade… Eu… Eu preciso seguir… Seguir com a missão… — ela se esforçava para manter um diálogo.

    — Missão? Só se for a missão de cometer suicídio. Você não tem condições de fazer nada aqui.

    — Te decepcionei… — ela disse, desviando o olhar e ainda mostrando fraqueza. — Fui humilhada…

    — Sim, me decepcionou e foi humilhada totalmente. Ao menos você reconhece e isso é bom. Você é despreparada para liderar meu clã. Pôs em perigo meus capangas e até o nome dos Red Scarves… Poderia dizer que você é patética, mas não farei isso.

    — Me perdoe… Eu… — a ninja não tinha forças para manter seu argumento.

    — Eu não estou em condições de perdoar ninguém. Você é a tipificação dos meus erros, os quais não vou comentar. Essa situação me irrita profundamente, mas é um aprendizado. De certa forma, algo foi adquirido aqui.

    O ninja líder do grupo então posiciona melhor Violet em seus braços, sendo interpelado por Ying, que disse:

    — Não permitirei que saia desse lugar, invasor — Ying precisou de só um movimentar de suas chakrans para mostrar intimidação. — Renda-se. Seu irmão exige sua cooperação, mas não estou disposto a esperar mais do que 10 segundos para pôr as leis de Shuigang em ação.

    — Ora, essa foi uma atitude inesperada — Spade o fitou, encarando-o sem pestanejar. — Então o guardião mataria o irmão do monarca de Shuigang? Sério mesmo?

    — No momento, sua situação é de invasor e não de parentesco. Seja o que for, isso em nada muda sua natureza. Ameaças ao monarca são crimes imperdoáveis, assim como as dependências desse nobre solo. O peso da lei é abismal perto de suas ideologias escusas.

    — Hum… Belo critério. Eu estava certo: meu irmão é um gênio — ele deu as costas ao guardião, se virando para a pequena entrada. — Bem, se me dá licença, tenho assuntos pendentes a resolver e um orgulho a zelar. Passar bem.

    — São cinquenta metros de nossas muralhas para encarar… — o guardião já havia entendido o interesse de Spade. — Nem mesmo o maior dos ninjas conseguiria escapar da morte certa, ao ser estúpido nesse movimento de fugir.

    — Hm… Vejamos…

    Antes que Ying pudesse fazer qualquer coisa, uma bomba minúscula de fumaça explodiu, inibindo a visão da parte de cima do salão, tornando impossível qualquer rastreamento de posição de Spade que, aproveitando a oportunidade, disse:

    — Parabéns, guardião. Está fazendo um bom trabalho. Não preciso me preocupar com a segurança do Castelo — ele se manteve anônimo a todos na sala, continuando a falar. — Bem, até a próxima. E continue viva, Lilac. Se conseguir.

    Sem pensar duas vezes, Spade, segurando Ruby, executou um salto de fé, com rodopios plásticos.

    Sua confiança foi correspondida: uma aeronave do clã Red Scarves o aguardava logo abaixo, onde suas turbinas mantiveram o veículo aéreo em um nível seguro para que pudesse aterrissar e adentrar à nave em segurança.

    Sua fuga foi concretizada, embora sua derrota se consumou ao fazer isso.

    Dentro do Castelo de Shuigang, as coisas estavam longe de serem tranquilas.

    As últimas palavras do lupino panda serviram como uma provocação a Lilac.

    Ela tentou olhar para cima, a fim de encontrar o ninja, mas sem sucesso. A espessa cortina de fumaça impedia uma visualização precisa.

    — Maldito Spade! O que ele queria em invadir o Castelo? Não havia necessidade alguma!

    — Ah Lilac, Lilac… — Carol disse, pondo contrapontos. — Tu conhece o “le ninja”, né? Misterioso, calculista, chatolino marrento… Como disse um famoso filósofo: “malandro é malandro, mané é mané”!

    A felina, abraçando sua amiga pelo pescoço, sorriu, deixando claro que estava mais à vontade.

    Mas não era o mesmo sentimento de sua amiga dragão.

    — Carol, isso não faz o mínimo sentido! — disse, se desvencilhando do abraço.

    — É, eu sei. Mas esse clima tenso tava me incomodando, falei? Que bom que tudo tá sussa agora, nyah!

    A gata selvagem (tagarela) estava bastante aliviada. Ela manteve seu sorriso contagiante, esbanjando alegria, enquanto caminhava em direção ao guardião.

    Mas, como digo antes, não seria uma noite qualquer, muito menos tranquila.

    — E aí, Ying? Que bom que… — ela foi abruptamente interrompida.

    Isso desencadeou manifestações do guardião, imediatamente.

    — Quem lhe deu permissões de se mexer? – disse Ying, voltando a pegar seus chakrans. — Cale-se antes que eu faça isso por sua pessoa.

    Era visível a estranheza por parte de todos, principalmente Carol.

    — Hã? Ying, que tá pegando? — a gata verde não estava acreditando. — Tu tá lelé? Tamo no mesmo lado!

    — Volte para seu lugar. É uma ordem. Eu estou ao lado da lei, então obedeça imediatamente!

    Lilac, sem entender, se colocou à frente de sua amiga.

    Ela caminhou em direção ao guardião, mas:

    — Ying, porque está dizendo isso? Somos nós! Não vamos fazer… — Lilac também precisou cessar sua fala.

    — Vocês invadiram o reino de Shuigang. Todos são invasores! — o guardião se impôs frente a dragão, sem desviar o olhar.

    Os olhos de Ying eram tão penetrantes que, só em vê-los, já gerava uma opressão absurda.

    Lilac, mesmo assim, o encarou, carregando consigo a coragem que sempre teve.

    Ela tentou argumentar.

    — Ying, nós viemos aqui justamente pra evitar que os ninjas atacassem o castelo! E nossa missão era encontrar o guardião, ou seja, você!

    Ao fundo, Viktor acudia Milla, que ainda estava amedrontada com tudo que estava presenciando.

    O rapaz não estava entendendo absolutamente nada, e logo tornou de pensar:

    — “Porque ele está agindo assim? Nem parece o Ying educado e bondoso que conhecemos. Parece um soldado autoritário e centralizador. Não… Esse não é o Ying… Não é ele!”

    Lilac, percebendo que o panda guardião estava mesmo falando sério, logo tratou de colocar ainda mais carga de seriedade ao momento.

    — Se estamos aqui, foi para ajudarmos a parar esse clã de ninjas que atacaram a cidade e para arrumar confusão. Nós conseguimos impedi-los, não vê?

    A troca de olhares se manteve, com Lilac muito mais séria que de costume.

    Não era para menos: o guardião parecia inflexível, impondo de fato sua autoridade.

    Contudo, suas poucas palavras a seguir quebraram totalmente a linha de raciocínio da dragão.

    — Nenhum de vocês tem direito a palavra… a não ser Viktor.

    — Hã? Viktor? — Lilac se surpreendeu, dando um passo para trás.

    A exigência do guardião pegou todos de surpresa.

    Carol entrou na conversa, confusa com tamanha situação.

    — Mas porque isso, cara? Porque só o piá tem essa moral?

    — Não quero ouví-las. Aliás, espero que fiquem caladas e quietas até segunda ordem — Ying deu dois passos à frente, sem desviar o olhar.

    Era inútil.

    O guardião de Shuigang estava mesmo agindo de acordo com o que se esperava de alguém na posição dele.

    Porém, isso era algo absurdo na visão das garotas. Por estarem em uma missão, cujo objetivo era, também, combater os Red Scarves, tudo estava seguindo por um caminho diferente do que imaginavam.

    Viktor, sentindo que teria mesmo que ter a iniciativa de diálogo, era fortemente abraçado por Milla.

    A canina ainda estava assustada pelo que havia visto anteriormente.

    Entendendo a urgência da situação, precisava pensar rápido:

    — “Mas o que significa isso? Porque só eu posso ter direito a palavra? Isso está estranho… — mesmo longe, ele tornou a olhar para o guardião. — Ying, o que aconteceu com você? Eu tenho que pensar em algo pra fazer logo, pois as coisas parecem estar ficando ainda mais tensas que antes…”

    Milla tinha percebido isso também.

    Tanto que a pequena não perdeu tempo em se preocupar com seu amigo.

    — Viktorius, tome cuidado no que vai dizer.O Ying parece irritado, não sei bem.

    — Eu estou curioso com tudo isso… — o jovem disse, ainda que estivesse ressabiado com a situação. — É um absurdo tudo isso.

    Ele, então, caminhou até o centro, olhando para Ying. Lilac o observava passar, sabendo de que o momento estava cheio de nuances improváveis.

    — “Tome cuidado, Viktor. Há muito em jogo…”

    O jovem humano, demonstrando em seu rosto um meio termo entre surpresa e dúvida, tratou de dialogar.

    — Caro Ying, porque deu direito a palavra só a mim?

    — Você tem um título nobre a zelar. E é a única coisa que o mantém respirando neste momento.

    Novamente, uma imposição autoritária e intimidadora. Foi inesperado por Viktor, que reagiu.

    — Deixa eu ver se entendi bem: você iria mesmo me eliminar, como os ninjas? — disse o humano, com um tom de voz mais firme.

    — Pelo bem do meu reino. Como já deve saber, eu sou o guardião de Shuigang.

    — Como você pode pensar que iríamos fazer algum mal a esse reino? Depois de tudo que passamos juntos, acho que confiança seria algo já conquistado, concorda?

    — Vocês têm uma visão completamente conturbada do que é seguir ao seu propósito — sua voz se tornou mais forte, mas sem deixar de manter a serenidade e segurança. — Meu dever é proteger o meu reino de qualquer ameaça, sob qualquer circunstância ou ideologia.

    — Você disse que meu título como mestre é a única coisa que me permite estar aqui, frente a frente, com você. Lilac é nossa líder, então porque eu?

    — Como havia me dito, você é um mestre — Ying deu mais quatro passos à frente, parado de caminhar em seguida. — Se existe algo que nós respeitamos em Shuigang, são os anos de ensinamentos fundamentados em artes marciais. Por mais que Sash Lilac possua facetas, só você tem a alcunha que me impede, por enquanto, de eliminá-los. Faça uso de sua doutrina, isso é o que espero. Tem essa oportunidade de se defender. Não a despedisse.

    O monólogo do guardião dava o tom de seriedade do momento conturbado.

    Foi nesse instante que todos, principalmente Lilac, entenderam que estavam em perigo, talvez muito mais ameaçador do que quanto lutaram contra os Red Scarves.

    A apreensão tomou a todos, com o guardião, imponente e autoritário, à frente do grupo.

    Ele não parecia ter sinal algum em retroceder.

    Pelo contrário: sua aposta havia se multiplicado.

    O que o guardião deseja com isso afinal?

    Porque só Viktor tem direito a palavra?

    Era uma noite interminável.

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