Índice de Capítulo

    O grupo de Lilac tinha dilemas pela frente.

    O guardião de Shuigang era implacável, sem titubear um segundo sequer.

    Suas convicções eram a maior força contra a palavra do time de Lilac, forçado a confiar única e exclusivamente em um único membro: Viktor.

    Continuando exatamente o último diálogo do capítulo anterior, o humano, o único a ter a palavra permitida por Ying, expôs sua opinião.

    — Me perdoe no que eu vou dizer: isso é um absurdo! Lilac, Carol e Milla ajudaram a salvar todo o mundo. Não faria sentido algum que…

    Ying não estava disposto a mudar seu modo de agir, interrompendo Viktor em seguida.

    — Me responda, Viktor: porque monstros como Brevon existem?

    — Hã? Mas eu não o conheci! O que isso tem a ver?

    — Responda a pergunta — disse Ying, apontando para as garotas em seguida. — Esse time ao qual você se aliou com certeza lhe contou a história. Responda!

    A pergunta inesperada veio para balançar os brios de Viktor. Por não haver uma linha de raciocínio tênue, havia um bom motivo para a inquirição do guardião.

    Sendo assim, o jovem respondeu.

    — Talvez por querer conseguir poder, ego inflado… Essa gente não tem escrúpulos. Pessoas más não tem empatia.

    Sem desviar o olhar, penetrante a ponto de seus olhos brilharem à luz da lua, Ying continuou as questões.

    — E porque você acha que monstros como ele ainda continuam existindo?

    — Essa sua pergunta não tem sentido claro pra mim, Ying!

    — Tente responder, criminoso!

    A acusação, descabida no entendimento de Viktor, quase o fez se manifestar para responder a negativa. Porém, manteve a linha e falou do assunto principal.

    — Pode ser porque os justos demoram a fazer algo para detê-los. Sabe porquê? Simples: leis, que delimitam o que é certo e errado.

    — Exatamente. E esse é o porquê de estarmos aqui.

    — O que? Isso que está fazendo não tem o mínimo sentido! Nós estamos aqui para fazer o bem! Lutamos contra os Red Scarves!

    — Sinto muito, mas há todo sentido. Monstros assim só existem porque sempre há pessoas que se levam pela aparência ou temperamento. Eu não sou assim. Meus critérios são: não ameace o espaço dos outros, sob quaisquer circunstância, independente da pessoa que seja. As leis e crimes são iguais para qualquer pessoa que andam sobre essa terra.

    Viktor foi além.

    — Qualquer monstro agiria sem pudor! Por isso são o que são! O que os motiva é unicamente fazer o mal! Nós combatemos esse tipo de gente na mesma força que eles mostram. A diferença está em como lidamos: nós não temos pensamentos perversos! Só nos defendemos e a quem precisa de ajuda! Será que você não vê que estamos todos do mesmo lado?

    — Um monstro pode ser qualquer um. Por exemplo: a monstruosidade habita cada um que invade as dependências desta construção nobre. Você disse “qualquer monstro agiria sem pudor”. Eu olho para todos vocês… Você entendeu a relação que acabei de fazer? Todos do seu time tem conhecimento das leis do nosso reino e invadiram um solo nobre. Suas ações corroboram com o que eu disse.

    Teorias e filosofias1. O guardião era alguém sábio o suficiente para fazer julgamentos em prol de seu reino. Controlado e seguro, impôs a Viktor lições de curadoria e interpretação crítica avançadas.

    Não havendo a resposta que o guardião queria ouvir, induzindo Viktor ao erro, ele simplesmente voltou a caminhar em direção ao jovem, com suas chakrans abaixadas mas, como componente intimidador, visíveis o suficiente para que o jovem percebesse seu fio agitadíssimo.

    Durante seu trajeto, Ying passou a dizer:

    — Diretriz 1 do artigo da suprema ordem dos guardiões do Reino de Shuigang: é extremamente proibido qualquer pessoa, independente dos interesses, sejam eles bons ou ruins, de entrar pelos portões deste castelo sem uma ordem ou autorização do monarca e/ou de seu guardião. Sob essa diretriz, todos vocês são culpados e passíveis de julgamento por mim. Qual seu argumento, Viktor?

    O jovem estava completamente acuado.

    Mas, mesmo assim, tentou dizer:

    — Você está errado, Ying. Está interpretando as coisas do ponto de vista de um guardião. Só que você conhece a gente, sabe que nunca faríamos coisas ruins. Você nos convidou até sua casa, nos deu abrigo, foi legal conosco o tempo inteiro. Cozinhamos juntos, tivemos uma conversa amigável no seu jardim… Veja o tanto de coisas que estivemos envolvidos todo esse tempo! Como pode achar que somos criminosos?

    Não haviam muitos argumentos para tentar justificar o que fizeram. Por mais que Viktor tivesse razão em seu ponto de vista, a verdade era que Ying estava com a razão: eles, de fato, invadiram o castelo.

    A dura realidade.

    As leis de uma nação são soberanas, até Viktor sabia disso.

    Mas o jovem não poderia ficar calado e aceitar seu suposto fardo assim.

    Ele se mostrou tenso, impactado pela verdade mostrada. A força monstruosa da culpa invadiu sua mente.

    — “Droga, ele está certo. Posso falar o que for, mas invadimos o castelo. Não importa se tivemos boas intenções, o fato é que estamos agindo errado. O que posso fazer agora? Droga!”

    Lilac, Carol e Milla só observavam, tensas, a conversa, restando ao jovem essa tarefa difícil.

    A dificuldade era contrapor a natureza da presença do time naquele lugar.

    Todavia, em suas lembranças mais distantes, Viktor recebeu em sua mente um pensamento antigo, desde que era ainda mais jovem.

    Essa visão, como cenário um dojo de karatê do mundo que veio, embora bastante fragmentado na imagem, uma voz lotada de respeito e reconhecimento por ele foi ouvida.

    “Suas ações erradas se tornam piores quando você foge à luta. Você tem convicções, meu discípulo? Ótimo: defenda-a com sua vida. O erro não está em errar e sim em pensar que tudo acabou. Conserte o que quebrar, essa é uma das filosofias das artes marciais. Mas, no fim, ela serve para tudo, até ser parte de sua vida. Você não pode passar por sobre o que é importante para outras pessoas, é um ato errado. Mas, se você tiver a certeza de estar fazendo o certo, defenda-se sendo invencível. Nesse momento, você deve respeitar as leis e compor seu caminho sem se tornar naquilo que combate.”

    Essas palavras foram ditas por alguém muito especial na vida de Viktor. Uma pessoa tão próxima como um pai, que o ajudou a trilhar seu caminho: seu sensei.

    E foi nesse raciocínio que Viktor se apoiou a seguir.

    — “Naquele dia ele me mostrou como agir em momentos assim. Ele sempre esteve dois passos a frente de qualquer um no dojo. Farei isso por você, sensei! Hora de mostrar coisas além do meu karatê!”

    O jovem tomou fôlego, além de vontade, e perguntou ao guardião.

    — Ying, um pouco mais cedo, em sua casa, tivemos uma conversa. Você se lembra?

    — Perfeitamente — Ying o fitava, bem dentro de seus olhos.

    — Você disse que minha promessa não poderia se sobrepor aos meus votos como mestre, correto? — como um desafio, Viktor também não desviava o olhar.

    — Precisamente.

    — E agora você diz que só eu tenho direito à palavra porque sou um mestre. Se só eu tenho esse direito, e não ter argumentos para justificar nossa presença aqui dentro das suas leis, então só posso propor uma coisa.

    — O que seria? — embora Ying estivesse imóvel, seu semblante demonstrou curiosidade.

    — Um duelo entre mim e você. Estarei lutando por todo mundo aqui e pela justiça.

    Isso caiu como uma bomba, fazendo com que as garotas se expressassem, com surpresa, do que Viktor acabou de dizer.

    Todavia, isso causou até reações ao guardião.

    Ying se viu no dever de ir mais a fundo nessa proposta arriscada do jovem humano.

    — Justiça? Do que se refere? Está tripudiando de mim?

    — Estamos aqui para ajudar, Ying. Nossa presença pode ser uma afronta sob seu ponto de vista, mas não sobre o nosso. Viemos para Shuigang para falar com o monarca.

    Ainda era pouco, como o guardião deixou claro.

    — Viktor, seus argumentos são falhos. Por isso recorreu ao duelo?

    — Eu não poderei falar mais do que isso porque nós estamos dizendo a mais pura verdade desde o início. Então, com o duelo, no fim haverá justiça. Iremos falar com Dail e resolver todo esse problema.

    Então ficou claro: Viktor tinha interesse em lutar contra Ying, vendo essa como a única possibilidade a seguir.

    Lilac surtou ao ouvir o que disse, não acreditando na situação absurda que estava prestes a presenciar.

    — VIKTOR, O QUE ESTÁ FAZENDO?!

    Ying continuou pragmático com suas declarações:

    — Lilac, esse é o último aviso. Não tem autorização para falar! — disse Ying, olhando para a dragão.

    Novamente Ying impôs autoridade. Contudo, Viktor parecia querer dobrar a aposta, ao dizer:

    — Eu lhe dou permissão de falar o que quiser, Lilac. Carol e Milla também!

    O belo rosto de Ying mudou para um semblante mais irritadiço, como se aquilo o desagradasse. Poderia ser uma encenação, mas parecia bem real.

    — Como ousa fazer isso? — o guardião disse, olhando para o humano. — Ir contra minhas ordens é uma ofensa.

    — Como você disse, só eu posso me manifestar como mestre. Se isso é algo respeitado pelo seu reino, então as pessoas que estão comigo podem conversar comigo. Concorda?

    E Viktor estava certo, como Lilac entendeu no mesmo instante.

    — “Isso! Boa jogada, Viktor! Agora poderemos falar sem ferir as leis!”

    O direito que o jovem tinha deveria ser respeitado.

    No momento, ele representava Lilac, Carol e Milla, o que lhe dava autonomia para se responsabilizar.

    Lilac não perdeu tempo, até porque a dragão já havia entendido a ideia.

    — Viktor, eu entendi perfeitamente suas intenções. Você não pode lutar contra ele, mesmo assim.

    — Eu usei o coração, Lilac. Por isso mesmo que deverei lutar pra manter nossa missão!

    Esse foi o ponto em que houve discussões.

    Ying foi bastante honesto a seguir.

    — Lutar contra mim, Viktor? É essa sua solução? Você sequer sabe o suficiente dos lutadores de Avalice.

    — Eu sei lutar, Ying — disse, se colocando em base de luta. — Vou te mostrar do que sou capaz!

    Pelo histórico recente do carateca, que não era segredo para ninguém, Lilac até iria entrar na conversa, mas Carol logo impediu sua amiga de prosseguir no que iria fazer.

    A puxando pelo braço e se aproximando da dragão, a felina verde foi direta.

    — Lilac, não fala nada pro piá — disse, cochichando.

    — Mas, Carol, ele não tem poderes e nem habilidades especiais — no mesmo tom de voz, a dragão púrpura disse. — Você viu o que Ying fez a Ruby.

    — Tô sabendo dessa parada aí, mas…

    — Mas o que? Temos que fazer algo, como você disse!

    — Calma, tá? Vamo ver como essa pendenga aí vai terminar.

    — O que?! Mas você não pod… — Lilac até iria argumentar, porém freou suas palavras.

    A dragão púrpura percebeu nuances, das quais mudaria completamente o desenrolar da situação.

    O seu time tinha muito mais a oferecer que imaginava.

    As intrigas aumentariam ainda mais.

    E o momento de definição estava se aproximando.

    1. nota: na filosofia pós socrática, Kant considerou a imagem do monstro e da monstruosidade na filosofia kantiana, no contexto da emergência da racionalidade moderna. Kant insistiu na necessidade de garantir condições de segurança para a experiência do sublime, para que a sublimidade não seja confundida com a monstruosidade.[]

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