Capítulo 37 - Coragem

No capítulo anterior, Lilac tinha dilemas em sua mente. Ela até mesmo precisou interromper seu raciocínio para, enfim, por seus pensamentos no lugar.
Havia um grande motivo pra isso: diferente de outras vezes, Carol mostrava um olhar mais maduro, contrastando totalmente de sua natureza despojada e sem filtros.
Por mais que Lilac fosse a líder, ela não era a única protagonista de seu time. A confiança de ambos os membros dizia por si só a didática que sempre tiveram.
— “Carol está falando mesmo sério — pensava a dragão, a continuar. — Ela sabia que o Viktor não teria chances, mas está disposta a deixar ele fazer o que deseja.”
Isso também alcançou Milla, com a mesma ótica de Lilac.
— “Milla está concentrada, esperançosa. Esse sentimento é contagiante, mas… De onde ele veio?” — a dragão tinha a resposta todo esse tempo.
Carol expôs isso.
— Diva linda, tu que deu essa moral. Tamo confiando no piá por sua causa.
Milla também.
— O Viktorius representa cada uma de nós, porque você nos inspira. E eu acho que ele fez isso porque entendeu também!
O dever de cumprir a missão. Essa era a tonelada que Lilac pensava carregar sozinha.
Ela tinha amigas leais, e agora um novo integrante.
— “Mesmo eu sendo rápida, demorei pra perceber o quanto meu time cresceu. Eu entendi agora, Viktor. Não posso te tirar o direito de fazer o que quer. Mas você não está sozinho nessa…”
Lilac, assim como suas amigas, ficaram todas concentradas no desenrolar da conversa.
Uma luta estava por vir, elas sabiam.
O guardião, que já se preparava para o duelo, se colocou em base de luta frente a Viktor, decidido afinal.
— Muito bem, Viktor. Eu aceito seu desafio. E o que irá exigir se vencer?
— O direito de conversar com o monarca.
— E você já sabe o que vai acontecer de eu vencer…
Ambas as partes sabiam do que estava em jogo. Por isso mesmo, Viktor divagou:
— Isso tudo é desnecessário, Ying… Mas você me deu essa oportunidade. Não se esqueça disso. E sim, eu sei o que vai acontecer.
As coisas não estavam boas.
Ying e Viktor iriam mesmo duelar.
Carol, se aproximando de Lilac, logo cochichou:
— Lilac, o Ying vai esfolar o pobre do Viktor. Tu fica na atividade aí, porque eu tô aqui!
— Eu sei, Carol. Porém…
— Porém? Fala logo, pô!
— Se fizermos qualquer coisa só vai piorar nossa situação. Por isso, devemos esperar, como você disse. Eu já pensei em algo, mas precisa ser o último trunfo.
— Tá. Tu tem um plano B, né?
— Tenho, mas vai depender do que o Viktor vai fazer — ela disse isso olhando para Milla.
O trio tinha um plano, mas qual seria?
As coisas estavam ficando ainda mais complicadas.
Já no centro do salão, Viktor e Ying encaravam-se
Era impressionante pensar que a poucas horas atrás estavam tendo uma incrível manhã entre amigos e agora, prestes a lutarem, mediam egos.
— Então é isso, Ying? Será que não pode reconsiderar o que está prestes a fazer? Eu não vou deixar que machuque ninguém aqui.
— Nenhum de vocês sairá deste castelo a não ser que me derrote, Viktor.
Até mesmo Viktor tinha plena noção do perigo. Sua rápida análise dos fatos mostrava que estava mesmo pensando em tudo:
— “Ele deve ser tão rápido quanto Lilac e isso quer dizer que eu não tenho muitas chances… Pior, acho que tive mais chances contra a senhorita Neera Li. Ele está armado e não parece que irá pegar leve… Eu estou em maus lençóis. Só tenho uma chance… E eu só vou poder usar aquilo.”
Viktor tinha um trunfo na manga…?
A segundos de começar o embate, o jovem se colocou na mesma posição que estava contra Neera Li no torneio de Shang Tu: com uma das mãos à frente de seu dorso e a outra à frente de seu rosto, levemente dobrada.
Era uma base defensiva.
Enquanto a luz da lua tomava o espaço, mesmo que timidamente pela pequena entrada na parede, o teor caótico daquela noite conturbada tomava ares dramáticos.
De um lado, um humano que estava em outro mundo. Do outro, um panda guardião altamente treinado e disposto a tudo.
Sem cerimônias ou qualquer tipo de juízo, Ying partiu para cima de Viktor a toda velocidade com seus chakrans em punho.
Era impossível que Viktor pudesse vê-lo a tempo de evitar o pior.
E, enquanto estava no ar, prestes a golpear o rapaz, o guardião disse:
— Mãos de um guerreiro desarmado são mãos cegas. Encare isso como um aprendizado, amplamente mortal!
Mas tudo que aconteceria em Shuigang naquele instante era inesperado.
Estamos falando de uma situação extrema: Viktor seria de fato morto.
Contudo, passando por cima de todas as regras impostas pelo guardião, Milla surgiu na frente de Viktor no momento que Ying iria atingi-lo em seu pescoço.
A canina usou de seus poderes de feixes alquímicos e formou um escudo, protegendo o jovem e a si mesma do ataque poderoso do guardião.
A pequena estava com um semblante diferente do habitual.
Ela não parecia nem um pouco satisfeita com o que estava acontecendo. Contudo, havia outras preocupações.
— Viktorius, você está bem?
— E-estou, Milla — disse Viktor, tomado por alívio. — Você apareceu bem na hora!
O guardião não gostou do que estava acontecendo.
A força que o guardião segurava suas armas expressava abertamente sua irritação, não só ao vermos seu semblante sério.
— Isso é uma afronta! Trate de se recolher, Milla! — Disse Ying, mantendo seus chakrans encostados ao escudo de Milla.
— Não! — de forma seca e direta, a pequena respondeu negativamente. — Você não vai fazer isso com o Viktorius! Eu não vou deixar!
— Você duvida da minha palavra?
— Eu nunca duvidaria da palavra do Ying, mas você não é ele!
— Milla, saia já… — o guardião foi surpreendido.
— EU NÃO VOU! — Milla gritou com raiva. — Você não é o Ying! O Ying que a gente conheceu sabia respeitar as pessoas, era legal, leal e bondoso. Mas você… Desde que chegamos nesse castelo eu só vi coisa ruim e maldosa. E boa parte disso foi por sua causa!
— Eu não vou admitir que… — Ying novamente foi pego de surpresa em suas palavras.
— EU NÃO QUERO SABER! EU QUERO NOSSO YING DE VOLTA! Será que você não vê que estamos dando tudo de si para cumprir uma missão? Você machucou pessoas, de forma cruel! Você seria capaz mesmo de fazer mal ao nosso Viktorius?
Ying precisou ser mais direto, como esperado.
— Você está cometendo um crime contra todo o reino de Shuigang. Eu tenho autonomia em aniquilá-los!
— Nós vamos lutar!
E, rapidamente, Lilac e Carol se juntaram à dupla.
Era uma atitude inesperada de Milla, coisa essa que a dragão tinha reconhecido.
— Estou vendo que a Neera colocou muitas coisas na sua cabeça, Milla — disse Lilac, sorrindo confiante. — Eu adorei o que fez. É isso mesmo. Vamos lutar todos juntos! Esse é o plano!
— Relaxa, coisinha fofinha — disse Carol, mostrando suas garras. — Tamo junto nessa bagaça. Adoro treta, nyah!
A dragão púrpura, fazendo valer seu posto de líder, olhou para Ying, sabendo que muito viria pela frente.
Mas não se abateu.
— Não é um crime lutar por justiça. Vamos até o fim por isso. Minha equipe já estava disposta a tudo isso mesmo antes de eu perceber. Essa é a hora que lutamos pelos nossos ideais! Esse é meu time, Ying.
Tudo levava a crer que não terminaria muito bem.
E essa constatação se confirmou assim que Ying levantou uma de suas mãos: centenas de guardas do reino de Shuigang apareceram aos balaústres do salão, portando armas larsers.
Isso tudo causou mais intimidação aos jovens.
Mas, surpreendendo Ying, ninguém recuou nem sequer se renderam.
Com esse cenário criado, o andrógino guardião tomou a palavra.
— Vocês estão diante de toda a guarda do castelo neste momento. Irão continuar?
— Nós temos noção nisso e vamos cumprir nossa missão! Nós iremos usar tudo que temos pra vencer! – disse Lilac, bastante decidida.
— Vocês não vêem que… — mais uma vez, Ying foi obrigado a frear suas palavras.
— Faça o que tem que fazer! — a dragão gritou, com seus punhos cerrados. — Nós não vamos recuar!
Era evidente o brio nos olhos de cada um dos jovens.
Viktor mostrava essa atitude, que ele deu início, visível a todos da guarda, além do guardião.
— Se somos criminosos, isso eu não sei. Mas, como nossa líder disse, temos uma missão. Eu tenho que voltar para Shang Tu para mostrar que não sou um criminoso também, sabia?
Carol, que ouviu o que ele disse, também falou.
— Piá, vai por mim: tu tá mais pra escoteiro do que pra trombadin. Relaxa que o Magister vai te perdoar, fica sussa com isso, nyah!
E Lilac também:
— Desde o início ele sabia que você era confiável, Viktor — disse a dragão, buscando uma posição ofensiva.
— E como sabe, Lilac? — perguntou o jovem humano.
Com um lindo sorriso, ela respondeu, sem dúvidas:
— Não tenho um porquê. Eu só senti que você era uma boa pessoa. Pra mim, isso já é o suficiente. E, depois de você me mostrar o que vi aqui, isso foi multiplicado. Parabéns.
O guardião ouviu a conversa, extasiado por tamanha ousadia do grupo.
Falando nele, Ying visualizou os rostos intrépidos de cada um dos integrantes do time de Lilac, seguindo arduamente em sua análise.
Era fato para ele, o que encontrou: nenhum dos jovens mostrava qualquer tipo de emoção negativa. Só era visto confiança, certezas e, principalmente:
— Coragem… — disse Ying, iniciando seu monólogo. — Muitos podem dizer que é uma atitude egoísta ou suicida… Mas eu vejo coragem nos olhares de cada um de vocês. É um gesto nobre e honesto, que dignifica qualquer pessoa. É na convicção da vitória, da vontade e da verdadeira noção de estar fazendo o certo, que percebo o quão íntegros vocês são. Não desviam do seu objetivo. Mesmo diante do perigo, se mantém fortes nas suas convicções. Reconheço que a postura que tomaram traz a força de sua trupe em cada um de vocês…
A tenso havia tomado conta do recinto, com uma fraca brisa, assim como outrora, que trazia mau agouro.
Um silêncio tomou o lugar, trazendo mais incertezas.
O guardião se manteve imóvel, parecendo olhar dentro da alma de cada um dos integrantes do time de Lilac, que, imóveis, aguardavam o primeiro movimento ofensivo de seus adversários.
Dezenas de soldados, em um nível acima de onde estavam, armados, esperavam pela ordem fatídica.
Passaram somente segundos, mas pareciam eras. Um intervalo temporal quase eterno, que enchia o momento de ansiedade, dada a prova exata do que cada parte de seus interesses.
A pressão psicológica só crescia, em cada olhar compenetrado e que buscava solução.
Contudo, restou ao guardião tomar a iniciativa: ele levantou uma das mãos, dizendo:
— Guarda real de Shuigang, abaixe suas armas.
O ruído das forças do Castelo de Shuigang desarmando seu poderio ditou o ritmo dos acontecimentos.
E, junto a isso, um anúncio inesperado e direto.
— Muito bem… Vocês poderão falar com nosso monarca.
Os guardas recuaram suas armas, enquanto Lilac e os outros não entendiam o que estava acontecendo.
A dragão, confusa, disse:
— O que é que está acontecendo agora? Por que isso?
— Porque são dignos da minha plena confiança porque vocês confiam no que acreditam. Somente indivíduos que carregam consigo a determinação de cumprir uma missão importante chegaram tão longe com essa atitude honesta.
— Espera! Isso foi um tipo de teste, é isso?! — Lilac caminhou para frente, incrédula.
Sim, aquilo era um teste, pelo menos o que ficou transcrito no ar dava essa impressão.
Mas, uma certa alguém “tagarela” ousou em reagir a seu jeito.
— Aí, bunito… Tipo, a gente tava com a corda no pescoço não faz nem cinco minutos e do nada tu muda as regras? Que parada louca é essa? – disse Carol, ainda com os pêlos de sua cauda ouriçados.
— Eu precisava mesmo tirar a prova de que vocês possuíam convicções plenas. E sim, eu estava certo.
— Pô, mas tinha que ser do tipo “iê iê, é pegadinha do Mallandro”? Ah, por favor, né? Sinal wi-fi aqui só tá no osso porque eu… — Carol precisou ser calada o quanto antes.
A dragão tapou a boca da gata selvagem (tagarela) antes que dissesse coisas piores.
E, enquanto ela fazia esse favor, Viktor caminhou para perto do guardião.
Não é preciso dizer que estava aliviado, mas não livre de dúvidas.
Por isso, perguntou:
— O que significa essa sua atitude agora? Desde o início nós estávamos dizendo que… – tentou indagar o rapaz, também confuso.
— Não é preciso se explicar, Viktor. Como Lilac falou, era um teste. Vocês passaram. É a única coisa que precisa saber. Peço desculpas pelo método que fiz uso — de uma forma bem mais formal, o guardião reclinou sua cabeça e dorso, em sinal de respeito.
Milla, então quieta só olhando todo o ocorrido, se aproximou de Ying também.
A pequena era a mais sensível das garotas e sabia bem como escolher as palavras.
— Eu sabia que você era o nosso Ying! — disse Milla, sorrindo. — Só que você me assustou um pouco, que até me fez duvidar que você era o nosso Ying, sabia?
O guardião, sentindo que a canina havia mesmo ficado impactada com a situação, foi até ela, a abraçando.
Beijando o alto de sua cabeça, ele disse:
— Diretriz 2 do código dos guardiões do reino de Shuigang, parágrafo 1: um guardião tem total autonomia de julgar a qualquer invasor, seja benfeitor ou malfeitor; e, a qualquer momento, lhe é permitido comprovar a veracidade dos interesses de cada um dos envolvidos se utilizando de metodologia.
— Hã? Mas… o que isso quer dizer?
— Minha bela, vou deixar bem claro: vocês me venceram no meu julgamento. Você, minha amiga fofinha, faz parte de um grupo cheio de virtudes.
O sorriso franco de Milla estampou bem a alegria que a canina voltou a demonstrar, coisa que só ela sabia fazer.
O alívio de todos por terem sido reconhecidos pelo guardião foi imediato.
Com Lilac se aproximando de Ying, ela disse:
— Agradeço de coração pela confiança, Ying.
— Eu que agradeço… E se me permitem dizer, sejam bem vindos ao Castelo do Reino de Shuigang. Providenciarei uma reunião com nosso monarca. Dail gostará de saber das novas.
O panorama havia mudado.
Em meio a um clima tenso e instável, tudo se resolveu de uma forma limpa e sem maiores danos.
Claro, não nos esqueçamos dos ninjas do clã Red Scarves, que foram feridos, mas todos estavam vivos.
A guarda do reino reuniu um contingente grande para tratar de seus ferimentos e os levaram até a ala médica do castelo.
Foram bem tratados para, depois, seguirem como prisioneiros.
Ao fim de todo o ocorrido, Ying guiou os jovens até o interior do castelo, seguindo até o salão principal do monarca.
Enfim, o portal de acesso ao palácio, saindo de seu subsolo, foi alcançado.
Um alívio tomou conta do castelo. Lilac e os outros estavam mesmo precisando de um descanso.
A missão foi cumprida.
Mas ainda não havia acabado.
O monarca os aguardava.
Assim como os assuntos dos três reinos de Avalice.
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