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    Lilac estava imóvel, como dito antes, mas relaxada o suficiente para manter suas mãos as de Ying.

    Havia uma curiosidade pelo o que o panda falou, mas o coração da dragão púrpura se manteve calmo.

    Em outro momento, provavelmente Lilac iria se manifestar de uma forma mais incisiva, mas a quietude e calmaria empregada na união que os dois realizavam, de mãos dadas, lhe trouxe a certeza de que uma explicação lógica viria do guardião.

    — Avalice está carente de pessoas como ele… — disse, sem desviar o olhar para a lua menor. — Pessoas que trazem gentileza consigo devem ser protegidas com unhas e dentes. Elas são os alicerces que citei mais cedo, incondicionalmente.

    Ele forcou de Lilac mais desse entendimento.

    — Você conseguiu ver o paralelo entre vocês? Viktor nunca se opôs a sua condição, agindo como se estivesse em seu próprio mundo. Tem noção de que isso é extremamente perigoso?

    Ela compreendeu a mensagem. 

    A dragão sabia que ignorar o fato de Viktor estar fazendo parte de seu time era um risco não assumido.

    Ela recordou do que houve em Shang Tu, do que o jovem humano se envolveu, entendendo que era mesmo arriscado.

    Sob esse contexto, disse:

    — Escute, nós pedimos ajuda ao Reino de Shang Tu para que encontrem algum meio de Viktor poder voltar para seu mundo, seja lá qual for. 

    Ying foi em uma direção mais crítica, socialmente falando.

    — Deixá-lo exposto ao planeta neste momento conturbado pode ser uma péssima ideia. Você sabe muito bem como tratam Naturais. Viktor pode sofrer indiferenças.

    — Acho que, se ele não se importa de sermos diferentes dele, assim como nós não temos preconceito por estrangeiros, Viktor não vai ligar para isso também.

    O rótulo “Natural” em Avalice era empregado para definir alguém que não possui habilidades especiais. Ou seja, é alguém que depende única e exclusivamente de seu porte e vigor físico para lutar

    Todavia, Viktor estava em uma escala ainda menor por ser um estrangeiro.

    A confiança de Lilac era um tesouro, sentimento que Ying tinha da dragão. Mas ele precisou ser realista, ao dizer:

    — Avalice é um planeta grande. Existem pessoas como vocês, compreensivas e extremamente empáticas, mas a diversidade de ideias logo cairá sobre ele. E, com isso, a realidade de cada cidadão o julgará. Você entendeu o que eu quero dizer? 

    — Viktor está entre nós, Ying. Por mais que eu saiba que outras pessoas possam agir com preconceito, nada muda o fato de que ele é uma excelente pessoa. 

    — Ninguém é obrigado a gostar de tudo e de todos. Os ignorantes não deixam de ser pessoas só por terem preconceito. Lembre-se: passamos por uma crise que poderia ter acabado com Avalice.

    Ying explicou exatamente como a sociedade dos povos do planeta se comportava.

    — As pessoas desta terra nobre ainda se movem pela emoção do que com a razão. Eu sei que você vai entender meu ponto de vista. O povo do nosso planeta ainda procura a cura da peste chamada Brevon. 

    — Ótimo! Por isso mesmo que não irei descansar até ajudar o Viktor, você entendeu? — Lilac respondeu, mas desta vez com um pouco mais de intensidade.

    — Me alegra vê-la ter essa atitude tão altruísta, cara dragão!

    A confiança de Lilac, novamente, aqueceu o coração de Ying. 

    Ela também sentiu esse calor, bem em seu interior mais profundo. Por algum motivo, a reação veio aligeira.

    A sensação foi descrita por ela.

    — “Eu não sei o que está acontecendo, mas me sinto bem em estar com ele” — a jovem pensava. — “É como se meu corpo estivesse se enchendo de uma energia revigorante, uma força esplêndida! Ele me passa paz, harmonia e… proteção.”

    O guardião tinha esse poder de cativar as pessoas. 

    Sua postura, contrastante, tinha um papel fundamental para o peso de sua balança moral e ética.

    Ying possuía controle emocional pleno, característica capaz de saber julgar o certo do errado da forma mais justa possível.

    Por isso, a conversa prosseguiu para, enfim, chegar ao assunto principal.

    — Saber lutar pelo o que é certo e justo é diferente de lutar para salvar a própria vida, cara Lilac. “Se os guardiões protegem, quem protege os guardiões?” é a tônica dessa conversa. — disse Ying, começando a caminhar com Lilac, ainda segurando em sua mão.

    Ele conduziu novamente Lilac para a área florida do jardim.

    Flores sortidas, de várias cores e espécies, foram vistas. Um aroma adocicado, agradável inclusive, deixou o passeio mais enigmático.

    Claro, não pelas flores mas sim pelo cenário exótico.

    Mas a noite retirava um pouco da beleza de sua coloração, onde a luz do dia se fazia necessária. 

    Fiz nesse local que Ying concluiu, com um monólogo.

    — Viktor mostrou desenvoltura no que diz respeito a controle emocional em nossa peleja. Ele me encarou no palácio e saiu vitorioso nos argumentos empregados. Mas, como você sabe, ele teria seu fim caso seu oponente tivesse pleno interesse em ceifar sua vida. Se vocês não o protegesse, essas flores lindas estariam enfeitando seu funeral. 

    — Ying… — Lilac já havia entendido a mensagem, ficando com um semblante mais sério. — Acho que já entendi onde quer chegar com tudo isso. 

    — Bom saber. Isso me poupa de mais cuidados com as palavras… — ele disse, continuando a dizer. — Viktor tem a pureza impregnada em cada centímetro de seu existir. Tenho absoluta certeza de que, em seu mundo, emprega um papel fundamental. Lá, ele talvez seja o que você representa para Avalice: a força de unir pessoas.

    Lilac se lembrou das palavras confortantes que Torque lhe disse a um ano atrás: 

    “Você guarda consigo um dom de conexão, capaz de conseguir feitos incríveis! Multiplique isso e sempre terá felicidade onde estiver.

    Mas, em paralelo ao que Ying queria dizer, também se recordou o que veio antes: 

    “Proteja quem estiver com você sempre. Tenho certeza de que serão pessoas especiais.”

    Ela percebeu que essa mensagem, repetida pelo guardião várias vezes, já fazia parte dos ensinamentos que obteve durante seu caminho. Sua responsabilidade foi testada desde então. 

    E, talvez após as últimas palavras de Ying, elas sejam multiplicadas.

    — Viktor possui sua própria jornada, mas ele não pertence a esse mundo. O porquê dele estar aqui é uma incógnita. Talvez faça parte de uma forma maior ou só um acidente de percurso.

    — Ying, eu não estou certa totalmente que Viktor irá aceitar isso. Você falando dessa forma é como se nós estivéssemos sendo egoístas por termos ele como aliado. Porque você veio com essa ideia de protegê-lo? Já não fazemos isso?

    — Egoísmo é um ato muito severo de pensar sobre isso. Eu definiria como irresponsabilidade, mas não chegando a esse extremo. 

    — Irresponsabilidade?! Por que isso? 

    — Você disse que já o protegem, mas eu lhe pergunto agora: como protegê-lo dele mesmo? 

    — O que está insinuando? — Lilac entendeu a mensagem. — Viktor é uma ótima pessoa! Tenho total certeza de que ele nunca iria se deixar cair assim! 

    — Então o conduza por um bom caminho e o faça voltar em segurança para seu mundo. 

    Ying estava muito mais inspirado no pedido. Consequentemente, a dragão, que a princípio tinha se ofendido, se tornou mais compreensiva depois de refletir. 

    — Tudo bem… — disse Lilac, olhando para o riacho. — Vamos voltar para Shang Tu amanhã cedo. Pode ter certeza de que irei ter uma conversa bem honesta com ele sobre isso tudo que conversamos.

    Ying foi bastante sincero após ouvir isso. 

    — Ele não pode perceber o seu objetivo em protegê-lo.

    — O que?! Mas como assim? 

    — Seu brio como artista marcial seria destruído. Todo lutador tem um código a seguir e, caso ele veja que é limitado por ser um Natural, pode ferir seu orgulho.

    — Então o que eu devo fazer?

    — Sua missão, Sash Lilac, é conduzi-lo são e salvo de volta para seu mundo, onde seu rito e significado se fará valer. É lá onde seu protagonismo significa algo. Ele não carrega culpa alguma, uma vítima das circunstâncias. Por isso mesmo que merece um porto seguro até que retorne para sua realidade. Mas, até que isso ocorra, você deve mantê-lo íntegro, do mesmo jeito que se encontra, física e emocionalmente.

    Ele, ainda mantendo o elo entre eles, de mãos dadas, se virou para a dragão púrpura, dizendo: 

    — Me prometa:  proteja Viktor de todo o perigo. Não exponha as mazelas do nosso mundo. Avalice é um lugar perigoso para alguém como ele, maior do que qualquer outro avaliceano.

    Suas palavras, cheias de sinceridade, suplicavam por uma ação onde seu alcance não haveria. Por ser um guardião, ele sabia que não poderia estar em todos os lugares, mas que tinha aliados alinhados às suas idéias.

    Por isso, indagou:

    — Todas vocês são exímias lutadoras, lotadas de potencialidade e habilidades especiais. Vocês foram capazes de deter Brevon, mas… — ele tomou fôlego para falar em seguida. — Por isso, eu quero que mantenha essa promessa. Eu, como guardião de Shuigang, exijo essa sua devoção! Me prometa, Sash Lilac: proteja Viktor a todo custo! 

    Lilac foi pega de surpresa totalmente.

    O guardião de Shuigang lhe pediu algo inimaginável, trazendo uma responsabilidade ainda maior que já tinha, por natureza, interesse. 

    Ela raciocinou bem antes de dizer qualquer coisa. 

    — “Se Ying está me pedindo isso, então é porque Viktor é mesmo especial. Eu não entendo o porquê disso tudo para ter chegado a esse ponto, mas eu não posso ignorar essa responsabilidade. Ele está certo, Viktor não é do nosso mundo. Não sabemos muito sobre ele, o porquê de estar aqui, nada. Mas, dentro desse contexto que Ying disse, Viktor deve mesmo ser importante no mundo onde vive. E, na real, meu time não pode envolvê-lo nos assuntos do nosso mundo.”

    Foram só segundos que antecederam a resposta esperada.

    — Eu prometo!

    Levar Viktor de volta ao seu mundo o mais breve possível. 

    Essa era a missão. 

    Um extra entre as várias nuances que Lilac carregava.

    Ela assumiu essa responsabilidade e estava mais do que certa em cumpri-la.

    A conversa não se alongou mais, restando aos dois trocarem olhares de conforto e confiança, além da confirmação de que estavam ajustados no mesmo objetivo.

    A noite no Palácio de Shuigang seguiu tranquilamente.

    No dia seguinte…

    Reino de Shuigang 

    Docas do Reino | Início da manhã 

    O dia começava na cidade dos pandas com um lindo céu azul, sem nuvens. 

    O sol ainda se escondia por detrás das imensas montanhas cobertas por neve no horizonte belo daquela parte de Avalice.

    As docas de Shuigang era o principal cartão postal e point de toda a cidade, já que era por ali que muitos chegavam ao continente, partindo de várias regiões do planeta. 

    Era um lugar de chegada e saída, então haviam muitos viajantes, comerciantes e afins, deixando claro que o local costeiro era bem requisitado.

    Em frente de uma das caravelas tecnológicas1 disponibilizadas por: 

    — Dail! — disse Lilac, sorrindo. — Foi muita gentileza dele ter oferecido esse transporte. 

    — Pode crer, diva linda! — Carol também estava sorridente. — Aquela foto ficou mó bonita também, nyah!

    — Voltar de barco vai ser muito legal! — e Milla completou, ainda mais animada que as demais. 

    Junto às garotas também estavam Viktor e Ying, este com sua roupa civil, tradicionalmente seu macacão jeans e vestindo uma camisa branca. 

    — Era o mínimo que nós de Shuigang poderíamos oferecer após todo o suporte que fizeram — disse o panda, realizando uma piscadela.

    Tudo já estava pronto para partirem. As garotas, já a bordo, se preparavam para se despedirem, inclusive.

    Viktor seria o último a embarcar, mas parecia que o humano tinha algo para dizer. 

    — Ying… — disse, olhando para o panda. — Eu agradeço muito a você por tudo que fez por nós. Pode ter certeza que levarei comigo muitas coisas que você me ensinou. 

    — O mesmo digo a você, caro Viktor. Já o vejo como um eterno amigo e que desejo tudo de melhor, sempre. Foi uma honra conhecê-lo — Ying o reverenciou, usando a etiqueta do palácio.

    Entretanto, Viktor lhe estendeu a mão. Informal, por assim dizer, ele tinha o desejo de apertar a mão de seu mais novo amigo, o que causou surpresa a Ying.

    — Viktor, o que significa isso? 

    — Ora, é assim que cumprimento amigos no meu mundo. 

    — Um aperto de mãos? A simbologia deste gesto é algo muito especial para mim.

    — Sério? Nossa, eu não imaginava! — disse o jovem, um pouco sem graça. — Desculpa por isso! 

    Mas, mesmo assim, Ying fez questão de retribuir o ato. Seu aperto de mão foi concretizado, com ambos trocando olhares.

    Um sorriso bem franco também foi compartilhado entre os dois. 

    — Espero te ver de novo, Ying. Tenho que aprender a receita de seus doces até que eu consiga pegar o ponto certo. 

    — Digo o mesmo. E sempre será bem-vindo aqui em Shuigang… — disse, esboçando um olhar mais profundo. — Mas espero que consiga voltar para casa. Tem pessoas te esperando no seu mundo, eu presumo.

    Aquela afirmativa foi ouvida por Lilac. Mesmo longe, ela conseguiu ouvir e, com isso, seu rosto deixou transparecer uma seriedade enorme.

    Foi novamente um pedido.

    Mas que trouxe uma simbologia ímpar.

    1. nota: em Shuigang, existem dois tipos de barcos: os tradicionais, que usavam do vento para se locomoverem e que eram feitos de madeira, e os modernos, com tecnologia empregada nas velas metálicas e com mecanismos eletrônicos em sua confecção.[]

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