Índice de Capítulo

    Após a reunião com a doutora Tuvluv no interior do Palácio de Shang Tu, o time de Lilac se focou em se preparar para a vindoura missão em Shang Mu.

    O tempo agora era o maior desafio. O quanto antes retornassem, mais perto estariam de ajudar Viktor.

    Horas depois…

    Casa da árvore de Lilac | Tarde

    Novamente, a residência sobre o alto de uma das grandes árvores da Floresta do Dragão estava animada. 

    Não era para menos: Shang Mu era o destino da próxima missão.

    O almoço estava sendo servido por Viktor, como de praxe.

    A refeição da vez: sopa de miso, arroz cozido a vapor e pratos como peixe grelhado, nori (também conhecido como algas secas), pickles, natto (soja fermentada) e vegetais.

    — Pô, sou chegada não em comida natureba, mas isso aqui tá divino, piá! — disse Carol, devorando um prato inteiro. 

    — Mais uma comida saborosa feita pelo Viktorius! — desta vez era Milla, mostrando felicidade em seu rosto.

    — É, a cada dia você se mostra um ótimo cozinheiro. Parabéns! — elogiou Lilac, com seu sorriso característico.

    — Uma refeição balanceada para termos energias. A nova missão vai exigir isso, não? — Viktor estava extasiado pelos elogios.

    O bom humor estava contagiante à mesa. O grupo parecia ainda mais unido, com o entrosamento aumentando a cada interação entre os membros do time da dragão púrpura.

    Durante o almoço, a conversa prosseguiu, descompromissada.

    Assuntos diversos, de coisas que aconteceram em Shang Mu e Shuigang, histórias de Avalice, aventuras que Carol (a tagarela) realizou e outras coisas. 

    Todavia, a cada minuto passado, Lilac olhava para Viktor de forma mais pensativa, comportamento acompanhado secretamente por Carol. A gata tinha bons instintos. 

    Enfim, uma “reunião” se iniciou.

    — Viktor, como é o seu mundo? — perguntou Lilac. 

    — Posso dizer que não é muito diferente de Avalice, mas lá não tem robôs gigantes em cada esquina.

    Carol riu disso, de forma tímida. 

    — Hehe. Deve ser um mundo mó chato, então. 

    — Carol! — repreendeu a dragão. — Não começa! 

    Mesmo com a gozação, Viktor continuou.

    — Lá temos quase tudo que eu vi aqui em Avalice: carros, prédios, shoppings, muitas pessoas… Só não vi muitos dojos por aqui ainda. 

    — Pô, vou te dar uma dica… — Carol falou, desta vez sem brincadeiras. — Tem um lugar maneiro no norte da cidade que está cheio dessas parada.

    — Sério mesmo? Eu gostaria muito de ir até lá um dia.

    — Já é, piá! O nome do lugar é… — a felina foi interrompida. Aliás, foi ela mesma quem fez isso. — Ops, nada de infodump aqui, leitor maroto. Fica com a gente que vocês vão saber, nyah!

    O grupo inteiro olhou para a gata, sem entender ao certo o que aconteceu. Até Viktor perguntou: 

    — Uma coisa que eu percebi é que você, Carol, sempre fala coisas que no meu mundo que são bem comuns. E, do nada,  você também fala como se alguém estivesse nos assistindo ou nos filmando. Porque você faz isso?

    — Piá, relax! — ela mostrou um sorriso gigante enquanto falava. — Tem coisas que a kid aqui faz pra “tirar a tensão” e “deixar a leitura mais agradável”. Tá tudo bem, nyah!

    Lilac tomou a frente e restabeleceu a conversa. Ela, basicamente, “atropelou” sua amiga.

    — Não dê ouvidos para ela, essa maluca! — disse a garota, olhando para Viktor. — Qual o nome do seu planeta?

    — Ah, é Terra. O planeta azul.

    — Terra?! Um nome tão comum…

    — Chikyū. Earth. Tǔ-dì. Terre. Erde… Existem várias palavras em idiomas diferentes. No meu país de origem, Terra se chama Gi.

    — Nossa, isso é muito legal! Então há outros nomes. Não é tão simples, então. 

    Lilac estava bem à vontade, isso na frente de todos do grupo. Em sua mente, ela tentava elaborar uma linha de investigação.

    — “Como a doutora Tuvluv disse: existem três teorias. Viktor veio de outro planeta? Ainda que Terra seja um, não confirma se veio de uma outra galáxia, já que ainda há outras teorias. Tenho que tentar achar alguma coisa pra tentar ligar os pontos!”

    Nesse entendimento interno, a dragão prosseguiu.

    — Você, em algum momento em seu mundo, já viu portais dimensionais?

    A pergunta, tão vaga e aleatória, foi motivo para que todos ficassem calados. A surpresa foi tanta que, na frente de Carol, uma bola de palha surgiu cruzando a mesa, para deleite da felina. 

    — Depois não querem que eu quebre a quarta parede, nyah!

    Ignorando essa passagem, voltamos para a resposta de Viktor.

    — Bem, eu não sei bem como isso funciona na realidade. Mas, na ficção, nos filmes e séries que eu assisto, tem muito disso sim. Mas, porque me perguntou isso?

    — Nada… — Lilac tinha ciência que a pergunta foi equivocada, no que diz respeito à falta de noção. — Acho que não fui clara no que queria perguntar… “O que deu em mim em perguntar dessa forma?”

    A dragão transpareceu um pouco de tensão e, principalmente, insegurança, o que não era comum de sua pessoa. 

    Lilac sempre foi muito confiante e sensata, mas deixou essa impressão para suas amigas mais próximas, Milla e Carol. 

    Foi isso que desencadeou pensamentos na felina. 

    — “Ué, qual foi da diva linda dessa vez? Sem noção total essa pergunta! E ela não para de olhar pro cara. Que tá rolando?”

    Enquanto Carol pensava, Lilac explicou melhor seu ponto de vista. 

    — Eu fiquei preocupada após te ver ficar um pouco triste na reunião com a doutora Tuvluv. O que eu mais quero é te ver feliz e te ajudar a voltar para casa, Viktor.

    — Está tudo bem, Lilac — disse o rapaz, terminando sua refeição. — Acho que agora os cientistas do palácio estão mais próximos de encontrarem uma forma de eu voltar. Pelo menos mais do que ontem, por exemplo. 

    — É, eu concordo com isso… — disse a dragão, já terminado de comer. Mas ela, mesmo assim, se colocou em pensamentos mais uma vez em seguida. — “Não posso parar de tentar buscar algo. Tudo que eu conseguir aqui do Viktor pode ajudar a doutora e aos outros cientistas!”

    O grupo continuou conversando sobre outros assuntos. Com isso, o clima ficou mais agradável e leve, o que trouxe tranquilidade a Carol. 

    — “Ufa. Pelo visto só foi um susto. Tava mó preocupada com a diva linda…”

    Ela pensou isso um pouco cedo demais.

    Foi nesse momento de relaxamento que a dragão ousou.

    — A teoria do caos. A doutora Tuvluv parece ter exagerado nisso. 

    — Lilac, porque está dizendo essas coisas? — perguntou Viktor, surpreso. — Ela falou isso, sobre a tal teoria do caos, mas não tenho muito o que adicionar.

    A jovem foi direta a perguntar em seguida, olhando para o rapaz. 

    — O que de estranho e diferente você fez antes de vir para cá em seu mundo?

    — Hã? Algo diferente e estranho? 

    — Alguma coisa que não fez sentido algum de ter acontecido com você. Você se recorda?

    — Não fiz absolutamente nada de diferente do que já vinha fazendo. Porque está me perguntando isso? 

    A dragão continuou as perguntas, sem perder tempo. A estranheza do comportamento da garota dragão só aumentava por parte dos presentes.

    — E o que de mais grave te aconteceu antes de vir pra cá? 

    — O que?! — ele se surpreendeu ainda mais. — Senhorita Lilac, não creio que isso seja muito relevante para conversar dessa forma.

    Carol já tinha se levantado, dando sinais de desconforto. Logo, seus pensamentos trouxeram reflexões.

    — “Que parada é essa, de repente?! O que a Lilac tá querendo com isso? Parece até a Neera…”

    Pareceu até coincidência, mas a fala a seguir da dragão tinha um quê da panda tenente. 

    Por isso, Lilac disse:

    — Desde que apareceu, não sabemos muito sobre você. Acho que seria melhor nós fazermos essas perguntas antes que alguém do Reino de Shang Tu faça isso… — ela voltou a comer, mas mantendo o olhar para o jovem.

    — Alguém? Quem faria isso? 

    Carol foi muito específica em quem seria, do jeito dela. 

    — Ora, piá, a pandurona, a demônio, a duas cores, a puliça… Em outras palavrinhas, a Neera.

    — Mas porquê a senhorita Neera me faria essas perguntas?

    A questão de Viktor foi a mesma dúvida que a gata verde passou a ter. 

    — É, tu tá certo! — ela se virou para a sua amiga dragão em seguida. — Porque a Neerota faria essa pergunta pro piá, Lilac?

    A intromissão de Carol irritou um pouco a jovem, que não demorou para responder.

    — Carol, vou pedir que não se meta na conversa. Isso é coisa séria. 

    — Ih, ah… Que tá pegando? Tô tentando ajudar, ué! — a felina franziu sua sobrancelha, em sinal de desaprovação.

    — Estou tentando investigar a situação do Viktor, não percebeu? 

    — Percebi sim, mas tu tá passando do tom! Pô, pega leve com o cara! Tu acha que é bacana ficar respondendo pergunta assim? Isso aqui não é show do bilhão, não! Para com isso!

    — Eu estou conversando educadamente, Carol! 

    As duas estavam quase travando uma guerra de egos, trocando palavras ofensivas.

    Quebrando o clima entre a dupla, Viktor levantou sua mão, como se estivesse pedindo a palavra. 

    E foi exatamente isso que o rapaz fez. 

    — Senhoritas, não briguem… — disse o jovem, olhando para Lilac em seguida. — Respondendo sua pergunta: eu tive uma perda recentemente na minha vida, em meu mundo. É isso.

    Se existiu algum momento de que o clima era de disputas, ele mudou para um estado de luto. O silêncio imperou instantaneamente.

    Foi imediata a reação de Carol e Lilac, a mais impactada. 

    E isso foi ampliado por verem Viktor se levantar e, como sempre fez, recolheu a louça e os talheres.

    Sem esboçar mais comoção, o jovem passou pelas duas e se limitou a dizer: 

    — Com licença…

    Assim que ele saiu e foi para a cozinha da casa da árvore, Carol foi a primeira a tomar a frente. 

    — Tá vendo? Precisava cavar fundo assim? Qual é a sua, Lilac? Porque tu ficou fazendo perguntas do nada, a torto e a direito? 

    A jovem dragão ficou abalada. Quieta, essa foi a única resposta que conseguiu externar.

    A gata, sua amiga, deixou a sala, indo para o quarto das garotas. Ela também ficou sentida pelo rapaz.

    — Depois eu que sou a louca, né? Tu que é a cabeça da equipe e tá agindo que nem a Neera! Dá licença, tá? Estresse aqui tá no limite.

    Milla, que só observou a conversa, se aproximou de sua amiga. Logo, ela se expressou.

    — Lilac, não fica assim. Você só estava tentando ajudar. 

    — Eu fiz besteira, Milla… — disse, refletindo consigo mesma após isso. — “Estou tentando fazer o meu melhor, mas não consigo simplesmente investigar sem levantar suspeitas! Droga, o que vou fazer?”

    Desta vez, foi a pequena que também percebeu que Lilac estava pensativa. Por isso que não esperou muito para falar o tal motivo do luto de Viktor.

    — A avó dele morreu faz pouco tempo. 

    — Hã? Como você sabe disso, Milla? 

    — Ele me contou. Sabe, o Viktorius parece que não gosta muito de expor essas coisas e prefere enfrentar isso sozinho.

    — Eu entendo, mas ele poderia ter me dito antes. 

    — Mas porquê ele deveria ter te dito? O Viktorius também tem o direito de guardar certas coisas, não é? Qualquer pessoa tem.

    — Mas ele te passou essa informação… — Lilac falou, mas se dispôs a baixar o tom. — Ah, isso não importa. O fato é que eu falei demais e errado. Sabe, Milla, eu estou mesmo tentando fazer as coisas do jeito certo, mas é um pouco difícil. 

    — Você é a líder e essas coisas que acontecem deve ser porque você se sente responsável, não é verdade? 

    — Sim, isso é verdade… — indagou a dragão. — Só que eu agi como uma irresponsável agora.

    Milla se sentou ao lado dela, em um gesto empático. Logo, se viu na obrigação de lhe dizer algumas palavras.

    — Minha mestra disse que “se você tem um papel de liderança, então tem mais responsabilidades como pessoa”. E ela não estava só falando de saber ter planos ou estar na frente e sim de saber lidar consigo mesma.

    Foi uma sugestão muito bem vinda. 

    Sem cerimônias, Milla presenteou Lilac com uma dica importantíssima, que a fez enxergar além de sua posição.

    A dragão estava o tempo todo se martirizando sobre uma promessa difícil de cumprir. Mas, mesmo com o peso desse dever, ela ainda era: 

    — “Eu mesma! Como eu pude me deixar cair assim? Isso que Milla disse é a mais pura verdade! Eu devo ser o que eu sempre fui, e mudar para tentar reverter essa situação do Viktor me fez mostrar um lado de que eu não tenho!”

    Foi uma reviravolta na mente da jovem. 

    Um alicerce foi levantado, cuja coluna era forte o suficiente para fazê-la firme em quem ela sempre foi. 

    — Obrigada, Milla! — ela abraçou a pequena, com carinho. — Por isso que eu gosto muito de você ao meu lado. Sempre facilita minha vida, hehe.

    — Eu gosto de ajudar. Por isso estou aqui e pode contar sempre comigo!

    Enfim, uma definição. 

    Contudo, havia outra pessoa com dúvidas. 

    Enquanto isso…

    Quarto das garotas | Meio da tarde 

    Deitada à vontade no seu lugar favorito, no meio de várias almofadas bem felpudas, Carol se espreguiçada e tentava relaxar. 

    Pelo menos seu físico estava conseguindo esse objetivo, mas sua mente estava trabalhando a ponto de mostrar inquietação.

    — “Pô, qual foi a da Lilac em fazer aquilo? O piá é mó gente boa, cara parça de verdade! Não gostei de ver o cara ir pra fossa sem ter culpa nenhuma.”

    Após essa reflexão inicial, Carol se levantou e foi até a janela. 

    A vista era estonteante, mas não foi o suficiente para que conseguisse relaxar. 

    Pelo contrário. 

    — “Aquela conversa cheia de nerdice com a doutora fofuda parece ter virado uma chave de dane-se na Lilac, só pode. Não tá certo isso. Já faz um tempo que notei ela diferente desde que voltamos de Shuigang. Não é a diva linda que eu conheço, oxe.”

    Mesmo depois de voltar suas atenções para dentro do quarto, seus instintos lhe trouxeram uma decisão. 

    — “Tem coisa no ar. Lilac não tá como antes e isso me incomoda pacas. E eu tenho certeza que ela não vai me dizer. Então, meu irmão… eu vou descobrir na marra! Se não é com amor, então vai ser na dor! Eu tô certa que ela não quer o mal pro piá, mas tem coisa marota nesse meio, ah se tem!”

    Com isso, Carol fincou consigo mesma um objetivo.

    Sua missão pessoal, ademais.

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