Capítulo 60 - Correndo contra o tempo (Parte 2)
O grupo, assim como Lilac, segurava as expectativas, sabendo que o começo da solução estava ocorrendo.
O canino rapidamente pegou algo do bolso de sua calça, mostrando uma foto, com teor fidedigno, segurando um troféu em um ginásio.
Isso foi o suficiente para Carol.
— Beleza. Bem-vindo ao time, nyah!
Mas não para Lilac:
— Carol, espere! — disse, se colocando à frente da gata. — O que pensa que está fazendo?
— Fazendo o que muito técnico não faz: selecionar alguém competente, ué.
— Carol… — Lilac puxou sua amiga, lhe falando ao pé de seu ouvido. — Você já viu esse moço alguma vez?
— Não, nunca. Porque?
— Como pode acreditar no que ele disse? Fotos podem ser forjadas, você sabe disso.
A gata verde, batendo no próprio peito, tomou para si a responsabilidade.
— Tamo sem tempo e esse cara aí tá em boa forma… — disse, mostrando confiança em seu rosto. — O caramelo aí vai surpreender todo mundo! Confia na kid,nyah!
Lilac suspirou, sabendo que era um alto risco confiar em anônimos.
Mas até mesmo a dragão concordou de que o tempo era o maior adversário no momento e um voto de confiança em Carol era sua maior aposta.
A única, aliás.
Logo depois do acordo, Lilac, mesmo a contragosto, falou ao canino.
— Vamos te esperar em frente a Arena Shang Mu daqui quatro horas, tudo bem? Esteja lá.
— Pode deixar. Haha! — entre falou, socando o ar. — Não vejo a hora de lutar outra vez!
Ele deixou o local rapidamente.
Contudo, Viktor levantou uma questão.
— Porque ele não ficou com a gente? Acho que seria uma ótima oportunidade de conhecê-lo melhor.
— Piá, deixa assim! — Carol, ela outra vez, falava. — O caramelo deve tirar esse tempo pra se preparar ou tá indo pra algum lugar especial e…
Lilac a puxou outra vez, ainda contrariada.
— Espero que ele esteja lá, está ouvindo? E isso que o Viktor falou é uma verdade.
— Pô, relaxa aí, ô! O cara vai tá lá e vai te surpreender, eu garanto!
— Espero mesmo!
Feito isso e combinado o encontro no local marcado, o grupo voltou sua atenção para o:
— Quinto membro! — disse Viktor, segurando os livros. — Onde devemos ir para encontrar o último do nosso time?
Mas, antes que o assunto fosse levado adiante, Lilac olhou para os livros de Milla e:
— Esperem. Devemos entregar os livros para o Gong antes.
— Verdade, Lilac! — disse a pequena, apontando para uma direção. — A biblioteca está logo ali, como o Mayor Zao disse.
— Vamos até lá entregar os livros do Gong. Um problema a menos.
Dito e feito.
O estabelecimento estava logo no outro lado da rua, movimentada inclusive.
Aquela parte da cidade carregava um pouco do ar oriental, mantendo as fachadas como as demais antigamente em Avalice (se assemelhava muito à arquitetura chinesa de nosso mundo).
Não demoraram muito e adentraram na:
Biblioteca do Centro | Meio da noite

Lugar de estudos e pesquisas, a biblioteca citada era um lugar muito conhecido em toda Avalice.
Bastante lúdico e rústico, o acabamento amadeirado oriental deixava o ambiente convidativo para uma boa leitura.
Luzes baixas, fracas em intensidade, completavam a arrumação.
Por sorte, por estar no fim do expediente, o lugar estava vazio, sendo habitado somente pelo curador da biblioteca.
Trajando uma vestimenta toda preta, com uma faixa branca simetricamente no meio, o jovem tinha o rosto coberto por seus cabelos, escondendo parcialmente seu rosto. Estava somente com seu queixo à mostra, deixando evidente sua pelugem branca tanto quanto um albino.
Além disso, duas orelhas vermelhas felpudas foram vistas sobre sua cabeça, dando a entender que era um panda vermelho.
Rapidamente, Lilac se aproximou do balcão de atendimento, se dirigindo a ele.
— Oi, boa noite. Só viemos devolver esses livros.
Sem falar uma só palavra, ele estendeu sua mão, recebendo os livros.
Mesmo sendo um simples bibliotecário, a aparência dele deixou Carol levemente com os pêlos de sua cauda ouriçados
— Aí, Lilac… — disse a gata, cochichando. — Esse NPC aí é mó trevoso!
— Para com isso, Carol. Respeita ele.
Ele, com um tom de voz marcante, se limitou a dizer:
— Obrigado e volte sempre.
— Ah, bem… — Lilac também ficou desconcertada. — Te-tenha uma boa noite.
Ainda próximo ao balcão, logo após entregarem os livros, o grupo manteve a conversa.
Como estavam em uma biblioteca, estavam cochichando, com Viktor dizendo:
— Para onde agora? Alguém tem uma ideia?
— Eu tenho, nyah! — Carol, sempre ela. — Vamo para o centro e entrar nas academias por lá!
— E você acha isso uma boa ideia isso?
— Claro, piá! Ou a gente pode ficar gritando “tem uma vaga para o Tormenta! Sangue e ossos quebrados garantidos!”. O que achas?
Lilac tratou de tapar a boca de Carol, se incomodando com o jeito nada ortodoxo da sua amiga.
— Nada de gritar. Vamos fazer do seu jeito, mas o primeiro.
— Das academias, nyah?
— Isso. Das academias, “nyah”!
Já próximos da saída, Viktor ressaltou isso falando normalmente.
— Temos mesmo que encontrar o quinto integrante para o Tormenta o quanto antes! — ele também pensou em seguida. — “Eu não sei porquê, mas senti algo estranho nesse lugar. É como se o ar estivesse abafado, mesmo com o ar-condicionado.”
O grupo deixou a biblioteca, seguindo com a missão.
E eles foram observados, às escondidas, pelo atendente.
Com o rosto no anonimato, ele pareceu ter encontrado algum interesse no que ouviu.
Minutos depois…
Centro da Cidade de Shang Mu | Noite adentro
No interior da estonteante central cosmopolita que era a cidade, o time de Lilac se dividiu:
A dragão usou sua velocidade para ganhar tempo e procurar pelo quinto membro:
Carol, usando sua moto, também agilizou a procura, por conhecer muito bem as ruas;
E Viktor e Milla ficaram com a área mais central, onde as academias eram mais vistas.
A procura durou alguns vários minutos, com Lilac indo até Dojos e Carol desbravando lugares mais ermos.
No centro, a dupla restante fez o que foi possível, perguntando para cada pessoa que encontravam um potencial para lutador.
Todavia, sem sucesso.
Todos eles.
Duas horas depois…
Centro da Cidade
Trevo Zao | Noite adentro
Definitivamente a área mais central de toda Shang Mu.

O Trevo Zao foi nomeado desta forma para homenagear a família do prefeito. Mas, como efeito populista, Mayor Zao também usava dessas influências para angariar apoiadores.
Por isso, tudo no lugar era grandioso, desde edificações enormes a templos espaçosos, deixando claro que até mesmo locais ecumênicos eram abastados por Shang Mu.
Reunidos frente a um dos templos, onde vários transeuntes passavam, o grupo, exausto, mostrava evidente desolação.
Lilac era a mais preocupada.
— Droga! Parece que todos que tinham interesse no torneio já estão escritos! Nunca pensei que seria tão difícil encontrar lutadores.
Carol foi por esse mesmo caminho.
— Pô, pode crer… — ela arrumava sua moto enquanto conversavam. — Nem usando código, nem crack. Tamo ferrados!
Milla também expôs sua parte com Viktor.
— Nunca entrevistei tanta gente na minha vida. Não é, Viktorius?
— Eu também não… — disse o jovem, olhando para a dragão. — Lilac, o Santiro Rock em breve vai estar lá na Arena, não?
A garota, mostrando frustração, respondeu a pergunta.
— Sim. Mas o lugar é perto daqui, não se preocupe.
— Mas o que vamos fazer? Achar um lutador a essa hora, faltando pouco tempo para terminar a inscrição… — Viktor estava demonstrando a mesma responsabilidade de Lilac em sua atitude, pensando a seguir. — “Eu poderia ser o quinto membro e resolver isso agora! Mas, como Lilac disse, eu precisaria de muitos dias para treinar. Droga! Eu não gosto de ver a Lilac nessa situação!”
O sentimento de falta de perspectiva era a tônica no time.
Sem muito parte onde ir para procurar, Lilac, chamando o grupo, falou:
— Vamos para a Arena Shang Mu.
— Hã? Assim, do nada? — até Carol se assustou. E foi além. — Tá, qual o plano?
Ela estava muito decidida dessa vez.
O instante que parou para raciocinar a levou a dizer:
— Ir até lá e deixar as coisas acontecerem. Estamos em uma situação difícil, não vou esconder, mas temos um ao outro. Vamos conseguir uma solução, custe o que custar.
— Como pode tá certa disso, diva linda?
— Eu só estou faze… — Lilac precisou parar de falar.
Ela interrompeu o diálogo porque Carol, desesperada por algo que viu, gritou com toda força:
— LILAC, ATRÁS!
Instintivamente, Lilac executou um poderoso chute para trás e, para sua imensa surpresa, ele foi aparado.
Alguém mostrando certa habilidade em luta defendeu o golpe.
A dragão manteve seu chute, o sustentando, enquanto a tal pessoa, escondida pelo manto da noite, uma escuridão milimetricamente posicionada onde estava, manteve seu anonimato.
Viktor visualizou tudo, analisando em seguida:
— “Mãos trocadas, de quem tem tino de artes marciais! Quem será ele?!”
Enfim, o indivíduo oculto falou:
— Desejo conversar. Podemos?
— Quem é você? — disse Lilac, recolhendo sua perna, mas ficando em base de luta.
— Já nos encontramos mais cedo, na biblioteca — ele falou, enquanto caminhava em direção da jovem dragão.
Sem cerimônias, a pessoa deixou as sombras: era o:
— Bibliotecário trevoso lá! — Carol deixou claro sua surpresa.
Desta vez, seu rosto foi mostrado: ele tinha traços felinos juntando a primeira impressão de espécie por causa de suas orelhas; ele, na verdade, era um híbrido de gato e urso vermelho.
Entretanto, tinha a fronte toda albina, com olhos de cor verde, com sua pupila em formato de fenda1. Como sabido, tinha orelhas vermelhas felpudas.
Ele tinha uma aparência muito exótica.
— Sou Noah Hibiki.
— Noah Hibiki…? — indagou Lilac, ainda impactada pela repentina aparição. Porém, manteve um olhar controlado. — O que você quer conversar?
Ele foi direto ao ponto, embora tivesse recorrido ao contexto.
— Vocês conversavam sobre participar do Tormenta e também que precisavam de um membro para compor seu time.
Carol, ainda que um pouco arrepiada com o rapaz, investiu na conversa.
— Tu tava de X9 esse tempo todo, é?
— Está insinuando que eu os espionava?
— Essa parada mesmo, trevoso!
Lilac não gostou de como Carol estava conduzindo a conversa. Tinha muito em jogo e ela nem estava preocupada com os problemas de seu time desta vez.
— Carol, não chama ele disso!
— Pô, tu tá defendendo o cara aí? Qual foi?
— Ele quer conversar… — a dragão controlou a situação, olhando para Noah logo após. — Como ficou sabendo disso, Noah?
Ele olhou para Viktor, com intensidade suficiente para fazer com que o jovem humano desse um passo para trás.
— “Essa sensação… — o jovem pensou, confuso. — Eu a senti dentro da biblioteca. Mas porque estou sentindo isso? O olhar dele é… penetrante e intenso. Em uma luta, um olhar intimidador desse é um subterfúgio…”
Noah, como Lilac esperava, falou:
— Aquele estrangeiro ali comentou, antes de sair da biblioteca, o que estavam fazendo no centro da cidade, o objetivo de todos vocês.
— E o que isso importa a você? — questionou Lilac.
— Eu me ofereço para entrar no seu time.
Uma bomba.
Na verdade, uma solução instantânea, daquelas de caírem do céu.
Contudo, houve uma pessoa que se opôs à proposta: Carol.
— Mas nem com reza braba, trevoso! — a gata o encarou, ainda um pouco arrepiada. — Eu tenho calafrios só em te olhar, oxe!
O conflito breve, que a gata selvagem (tagarela) já alimentava desde a biblioteca, foi um ato irresponsável e que se tornou um obstáculo.
Por esse motivo, Lilac se virou para Carol.
Desta vez foi diferente: o olhar penetrou os olhos verdes da felina, que sentiu um temor ainda maior do que sentiu pelo albino.
— Carol, vou te pedir um favor: deixe tudo isso comigo a partir de agora.
— Li-lilac… — a gata chegou a engolir seco. — “Mano, que tá pegando?! A Lilac tá muito sinistra agora. Pô, vô recuar nessa, tá loco…”
Ela simplesmente ficou quieta e se resumiu a dizer:
— Tá. Faça o que tu achar melhor… — ela foi para perto de Viktor, pensando enquanto fez o trajeto. — “Mas ele continua sendo um trevoso…”
Resolvido o imbróglio, agora tínhamos Lilac e Noah frente a frente.
A conversa teve seu início.
— Noah, estamos em uma missão.
— Uma missão…? — disse, sem mudar um milímetro de seu semblante neutro. — Qual a importância?
— A segurança de Avalice.
Ele olhou com mais intensidade para dentro do olhar da dragão, que suportou seu ato.
O híbrido se mostrou cético.
— Um torneio de artes marciais não pode ser tão importante a ponto de envolver a segurança nacional.
— Você não precisa acreditar em mim. Mas, caso não façamos nada, saberá dos resultados ruins que os Red Scarves mostrarão para o mundo.
Noah se manteve no mesmo patamar, assim como Lilac.
Ela prosseguiu.
— Noah, você sabe lutar?
— O suficiente.
— E porque deseja entrar para o time? Você perguntou sobre os interesses do meu time e eu lhe respondi. E qual o seu?
Ele se calou. Abruptamente.
A dragão, neste ponto da breve conversa, meio que entendeu o porquê da inanição.
— “Tenho quase certeza de que é um motivo pessoal demais para dizer a desconhecidos. Senão, já teria falado sem cerimônias. Eu não sou de insistir nesse tipo de assunto, então…”
Seu entendimento era de que Noah não iria se abrir tão facilmente.
Lilac focou desta vez em resolver o problema do seu time: o último integrante.
— Você é um bibliotecário. Como poderemos saber que você realmente está apto a lutar em um torneio de artes marciais?
Assim que Lilac fez sua pergunta, Noah lhe deu as costas e se limitou a dizer:
— Todos vocês, me acompanhem.
Noah tomou a dianteira, pelo menos seus passos de Lilac, que o seguiu.
A exemplo dela, o restante do time fez o mesmo, o que causou apreensão a Milla.
— “Esse moço parece ter um tipo de Nirvana estranho. É como se ele tivesse algo que afasta as pessoas. Estou com uma sensação ruim. Será que alguém também percebeu isso?”
Havia algo no ar.
Algo realmente denso.
Minutos depois…
Após uma breve caminhada por vielas e vias estreitas entre as construções do centro de Shang Mu, enfim o grupo chegou até um descampado.

As luas, Dezoris e Motavia, eram as únicas fontes de luz no momento. O local era bem escuro.
Entretanto, ao passarem por um local degradado, que continha caixotes quebrados e muito entulho de construções, Viktor encontrou rastros pelo chão.
Houve algum tipo de movimentação no lugar, coisa que Viktor logo percebeu.
Era algo característico demais para passar despercebido de seu senso de artes marciais apurado.
— “Esse lugar… O mato está quebrado e… não são simples quebras. Alguém treinou aqui e… Não! Alguém treinou com tudo que tem aqui e por muito tempo, exatamente como no meu Dojo… O que está acontecendo? Quem é esse cara?!”
Lilac era a que estava mais a frente.
A dragão dragão estava estranhando o porquê de estarem em um lugar abandonado e cheio de detritos.
Isso a preocupou de verdade.
— Noah, porque estamos aqui? Nós precisamos andar rápido pois… — Lilac foi interrompida.
— Não há necessidade para explicações — disse o albino, ficando em base de luta.
Ficou evidente o objetivo de Noah.
Isso pegou a todos de surpresa, inclusive Lilac.
Viktor deu dois passos para trás, assim como Milla. Isso deixou claro que os dois tinham o mesmo sentimento perante o híbrido.
Enfim, foi ouvido o prelúdio.
— Lilac, eu a desafio! Vou lhe mostrar minhas capacidades. Espero que você esteja de pé no fim do nosso duelo!
Uma luta intensa estava prestes a começar.
- Nota: pupilas em formato de fenda se assemelham a uma meia-lua ou a um filete vertical; é uma característica que ajuda os gatos a se adaptarem a diferentes condições de iluminação. Ela permite que o gato controle a quantidade de luz que entra no olho, protegendo a retina do excesso de luz. Carol também possui essa característica.[↩]
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