Índice de Capítulo

    As intrigas por detrás das paredes do mosteiro explicaram uma rixa antiga entre duas frentes.

    Mas a noite estava somente começando.

    Enquanto isso, ainda no monastério…

    Ala de leito | Noite adentro

    No interior do lugar de descanso, levemente iluminado, deixando o ambiente mais confortável, os olhos verdes de Noah se abriram.

    Devagar, sua consciência voltava aos poucos, e a cada piscar de seus olhos, buscando foco, tornou o acontecimento ainda mais tranquilo.

    — Onde eu estou? — disse o albino, ainda confuso.

    Enquanto abria seus olhos, ele ouviu uma voz cheia de doçura dizer:

    — Na Vila Aldeia Melanmarii, Noah! Você dormiu um tempo…

    Aos poucos sua visão tomava nitidez e, ao lado de sua cama, pôde ver Ingrid, que sorriu ao vê-lo acordar.

    — Ingrid?! O que… — o jovem ainda não recobrou totalmente a memória. — Porque estou aqui?

    — Relaxa, você não virou oferenda pra Kai ainda, tá? — disse, com um sorriso travesso.

    Ela levantou, indo até um jarro para pegar água e beber.

    Logo após, Noah quis ouvir dela o fato que já tinha conhecimento.

    — O que aconteceu lá naquele lugar? Me diz os detalhes!

    — Ah, bem… Você e a Íris lutaram e, olha, até que você aguentou bem pra quem caiu duro no chão.

    — Íris?! — gritou Noah, com um certo desespero em suas voz. — Onde está ela? Como está?

    O brado forte do albino chamou a atenção de todos que estavam no local, trazendo burburinhos aos corredores.

    Nesse meio tempo, por puro instinto, Noah se lembrou de todo o ocorrido mais cedo, até antes de receber o golpe de Íris e cair desacordado.

    Mas, desta vez, seu coração estava calmo e, por causa disso, seu semblante neutro voltou.

    Os sentimentos ruins haviam sumido, graças ao inatismo da técnica “Herança Eterna” de seu pai.

    Um silêncio se tornou no lugar, logo após a exaltação do híbrido, dando lugar a vozes ao redor e ruídos lá longe.

    Claro, era um lugar aberto, sem portas, e o som se deslocava com facilidade.

    Contudo, passos uniformes, que aumentavam de volume, ficaram mais destacados, dando a entender que alguém se aproximava.

    Feito isso, Íris, a canina de olhos bicolores, adentrou no espaço destinado a Noah, que a viu.

    No mesmo instante, ele a olhou, mostrando alívio em sua fronte.

    A jovem, demonstrando desconforto em seu rosto exótico, caminhou lentamente para próximo da cama, passos silenciosos que ainda carregavam o peso da culpa.

    — Noah… — sua fala baixa dava o tom de sua melancolia.

    Com ela junto a Ingrid, tentou esconder seu olhar, desviando de Noah.

    O mestiço não demorou para falar.

    — Fico feliz que esteja bem.

    Uma frase simples, mas com um peso abismal.

    Naquele instante, a mente de Íris foi corroída por uma grande sensação de pesar pelo o que foi responsável horas atrás.

    Ela não segurou seu pranto assim que as lágrimas surgiram de seus lindos olhos.

    Isso chamou atenção de Noah, que tentou investigar.

    — Mas… o que houve? Porque está chorando?

    Bastante constrangida, Íris lhe entregou sua sinceridade.

    — Eu… Eu fui malvada com você, falei coisas ruins… — seu choro até a atrapalhava de falar. — Eu não sabia como te convencer a lutar e… eu fiquei te provocando e te magoei…

    As poucas palavras da canina foram o suficiente para que Noah se lembrasse das falas, mas nenhuma delas o feriam mais.

    Íris não havia acabado de tentar se retratar, ademais.

    — Desculpa… — Íris, aos prantos, suplicou. — Me desculpa! Eu não queria, de verdade, falar aquelas coisas feias pra você! Me desculpa!

    Todavia, nem mesmo as lembranças dolorosas e que trouxeram pela primeira vez a raiva em seu cerne foram capazes de fazê-lo buscar algum tipo de retaliação ou justiça forçada.

    Pelo contrário.

    — Esqueça isso… — disse Noah, segurando uma das mãos de Íris.

    O gesto carinhoso e carregado de empatia, somados, deixaram claro a imensa ternura honesta de Noah.

    — O que?! — ela, incrédula, buscou respostas. — Esquecer o que aconteceu?!

    — Aconteceu muita coisa… — Noah não desgrudou o olhar da canina. — Senti coisas que nunca antes senti e… Bem, aprendi muito com você.

    Ele não guardou ressentimento algum, relevando qualquer comportamento hostil.

    Mesmo tão jovem, sua maturidade destoou um pouco, surpreendente a ponto de tomar o coração da canina.

    Ela até parou de chorar, embora as lágrimas ainda não tivessem cessado.

    Aos poucos, o lamentar da jovem aprendiz do Kaipasu deu lugar a um sorriso lindo, que levou a mão de Noah para perto de seu rosto, em sinal de extremo alívio.

    Contudo, observando aquilo tudo, uma certa alguém que estava ali precisou chamar atenção.

    — Eh… aí, eu tô aqui, tá? — disse Ingrid, olhando para os dois de relance.

    Isso fez com que Iris voltasse a consciência, percebendo que sua amiga estava ali, naquele momento tão íntimo que:

    — Parece que você dois são namorados, sabia?

    A canina das ondas voltou a provocá-los, fazendo com que Noah virasse seu rosto, corado, assim como Íris, que fez o mesmo para o lado contrário.

    Mas como era uma noite de reconciliação, as coisas não iriam terminar assim tão cedo.

    Com Íris já mais tranquila, Ingrid se aproximou de Noah e falou:

    — Noah, eu também preciso fazer uma coisa…

    — Hã? — o jovem se virou, curioso. — O que?

    Sem mais nem menos, a canina das ondas beijou sua testa, para surpresa de Noah.

    — Gah?! O… O que… Mas o que… — pela primeira vez, Noah ficou envergonhado ao extremo, chegando a gaguejar e não encontrar palavras para se expressar.

    Isso também desencadeou um espanto histérico em Íris.

    — O que?! Mas… mas… mas… — ela ficou ainda mais histérica. — O que você pensa que está fazendo, Ingrid?!

    — Ué, tô agradecendo o Noah por ter te perdoado, ora! — a afronta da jovem foi direta. — Já te disse que a nossa mãe sempre me fazia isso quando eu era uma boa menina, né?

    — E você tinha que fazer isso com o Noah assim, do nada?! — ela se referiu ao beijo, gritando.

    — E você, que pegou na mão dele, o que é então? — mais uma vez, Ingrid a provocou, a olhando nos olhos com um sorriso no rosto.

    Mas, durante a breve discussão, perceberam que Noah estava com as mãos sobre seu rosto, avermelhado, mostrando bastante vergonha.

    — Ah, o que foi, Noah?! — perguntou Ingrid, sendo um pouco intrusa.

    — É que… Nunca fui beijado por uma garota antes, sabe? — ele, pegando uma coberta, deixou parte de seu rosto escondido, só com os olhos à mostra.

    Isso por si só já foi motivo de mais ataques histéricos, das duas ao mesmo tempo.

    — Por Kai! Que fofinho! — falou Ingrid, tentando abraçar Noah. — Vem cá, Noah! Deixa eu te abraçar!

    — Ei! Eu vi o garoto bonito primeiro, Ingrid! — Íris não deixou por menos. — Vem, Noah! Não precisa ficar assim. Vou te salvar dessa atrevida aí!

    Isso transformou o ambiente e trouxe mais discussões.

    — Quem é atrevida aqui, Iris? — disse, gritando próximo ao rosto da outra canina.

    — Você, Ingrid! — a exemplo da amiga, esbravejou também.

    Só que as duas esqueceram que estavam em um local reservado e recatado, o que trouxe reações.

    Uma voz madura foi ouvida, dando fim ao tumulto no lugar espiritual.

    — Vocês duas, parem de arruaça!

    Logo a amistosa disputa de atenções de Noah foi paralisada, com as duas caninas olhando para a entrada do leito.

    — Zome Lanumoaga?!

    Elas, sem perder tempo, o reverenciavam, em sinal de respeito. Talvez fosse até além do normal, dado a pressa em demonstrar isso.

    — Eu já entendi: vocês vieram ver o novato da vila — situou o canino azul, olhando para as duas. — Mas isso não é motivo pra tanto barulho! Tem enfermos aqui e outros sacros!

    — Sentimos muito, Zome Lanumoaga! — disseram as duas, ao mesmo tempo.

    Passada a confusão, Noah ficou mais a vontade, se deitando normalmente na cama.

    O azul, olhando, tomou curiosidade pelo albino.

    — Estupendo. Híbridos são extremamente raros.

    — Hã? Porque o senhor disse isso?

    — Espécies diferentes geram um herdeiro com as características da mãe, incondicionalmente. Entretanto, Kai permitiu que você recebesse tal preciosidade.

    Lanumoaga referiu sua informação sobre a biologia de Avalice.

    Casos como Noah eram quase inéditos, não havendo mais de 10 de sua característica a cada 40 anos.

    Voltando a conversa, Íris comentou:

    — Como eu te disse, Zome Lanumoaga, eu já pedi desculpas ao Noah.

    — E fez muito bem… — falou o canino, tomando caminho até a saída. — Marduk foi imprudente em deixar que a luta prosseguisse até isso. Mas irei respeitar sua vontade. Ficarão mais fortes assim.

    Após o breve diálogo, a urgência parecia estar estampada no rosto de Lanumoaga.

    Ele deixava o lugar, mas não sem antes chamar pelas meninas.

    — Ingrid e Iris, vamos para casa — disse, antes de sair da sala. — O jantar já deve estar pronto. Vocês sabem como Orchid gosta de pontualidade.

    Elas correram até a saída, mas não sem antes Íris voltar, dois passos, olhando para Noah.

    — Ei, Noah…

    — Hã? — o albino, confuso, perguntou. — O que foi?

    — Ah… Bem… — ela esfregou seus indicadores um no outro, desviando o olhar. — Vê se melhora logo, tá? Tchau!

    Seu singelo sorriso deixou o ambiente mais terno.

    Não durou muito tempo, já que Ingrid surgiu por trás de Íris, a puxando com carinho e ternura. Claro, ignorando o fato dela ter tapado a boca da jovem de olhos bicolores.

    Não satisfeita, a canina das ondas falou:

    — Na verdade, ela queria dizer que gosta de você, haha! — ela disse, mostrando a língua para Noah e fechando um de seus olhos. — E eu também gosto de você, tá?

    As duas, atabalhoadas, deixaram o lugar brigando.

    Bem, Lanumoaga entrou em ação.

    — Parem com isso, vocês duas!

    Depois da visita inesperada, Noah voltou a se aconchegar na cama, ficando pensativo.

    Seu olhar, buscando por algo, contrastava com seus pensamentos.

    Haviam coisas que ele recebeu em seu subconsciente, que regressaram na sua mente como uma lembrança involuntária.

    Fragmentos pareciam dançar em sua mente, empurrando-o para dilemas.

    Eram visões abstratas o suficiente para que não pudessem ser identificadas, dentro das capacidades que Noah tinha para processar tanta informação.

    Claro, ele só tinha 10 anos.

    Mas aquilo agiu como um prelúdio.

    Adentrando ao recinto, era Marduk, segurando um livro em mãos.

    Noah olhou bem para ele, com seu rosto neutro característico.

    E o zurkan, espirituoso, disse:

    — Assumiu um protagonismo impressionante no Lugar do Caminho da Folha do Vulcão, jovem Noah.

    Ele caminhou e se sentou em uma cadeira que estava ao lado da cama.

    A sua fala prosseguiu.

    — Kai lhe agraciou com uma dádiva, eu sabia.

    — O que o senhor quer de mim? — Noah foi direto ao ponto, sem rodeios.

    — O que todo líder deseja: sua integração plena e total à Vila Aldeia Melanmarii.

    Sem sombras de dúvidas, isso pegou o jovem de surpresa, o fazendo até mesmo se sentar na cama.

    — O que quer dizer com isso?

    — Simples, jovem Noah… — abriu o livro, mostrando uma lista. — Vou colocá-lo como um de nossa vila. Não tenho dúvidas de que você tem o aval de Kai para viver conosco.

    Noah ouviu aquilo e tomou coragem de voltar com um assunto.

    — O senhor disse uma vez que eu não tinha como voltar para minha casa… — o albino olhou para dentro dos olhos de Marduk. — Me diga, de verdade, o porquê, por favor?

    A educação de Noah deveria ser correspondida, como o zurkan tomou para si.

    — Naquele momento, eu te mostrei o mapa da região de Big Sea Island. Pois bem, estamos envoltos pelos “Mal que habita”.

    Noah prestava atenção a Marduk, continuou suas palavras.

    — Fora dessa ilha, além dos perigos do Mar das Predições Eternas, os “Mal que habita” são uma tormenta que Kai trava todos os dias.

    Noah, ao ouvir isso, perguntou:

    — Então vocês lutam contra eles?

    — Kai nos protege. Eles vivem tentando acabar conosco por abdicarem das forças maiores, que é Kai. Eles seguem o caminho do “Mal que toca”.

    — O que é isso? — Noah estava curioso.

    — Uma praga que corrompe pessoas boas daqui de Melanmarii… — disse, pegando o livro e folheando algumas páginas.

    Por um breve momento, Marduk ficou em silêncio, fazendo a leitura de alguns nomes.

    — Gilbra, Traan, Mauí… Todos fortes indivíduos que, embora nunca tenham aceitado plenamente a Kai, cooperavam com o que tinham de melhor em nossa humilde vila.

    — E onde eles estão? — perguntou Noah, curioso com o paradeiro dos citados.

    O zurkan foi direto, como se soubesse que o jovem faria a questão.

    — Foram corrompidos pelo “Mal que toca”… e nunca mais saíram do mosteiro.

    As palavras ditas por ele vieram com um tom bastante carregado de culpa e desolação.

    Noah não tinha ciência da gravidade, mas naquele momento percebeu que aquilo significava algo muito ruim.

    Contudo, Marduk resolveu mudar de assunto, engajando o mestiço a outras vieses.

    — Orgulhoso de ter se saído bem em seu primeiro dia no Lugar do Caminho da Folha do Vulcão? Kai lhe reservou um lugar, uma oferta cheia de bençãos.

    Assim como o zurkan, Noah foi direto.

    — Eu não quero fazer aquilo de novo…

    — Uh? Teme crescer como Kai assentiu? — ainda olhando para o livreto, ele desviou por alguns segundos o olhar, a fitar Noah.

    — E eu não quero machucar mais ninguém.

    — Machucar? Hehe… — trazendo afeto em seu gesto, Marduk bagunçou os cabelos de Noah. — Não, jovem Noah. Aquilo que fez é parte dos ensinamentos do Kaipasu.

    — Eu não sei de nada disso, mas aquela garota com os dois olhos com cores diferentes ficou triste.

    — Íris e seu bom coração… — o gato branco continuou a folhear o livro. — Ela é uma ótima discípula, a melhor da vila, mas sua compaixão exacerbada limita seu potencial.

    Esse comentário pareceu bem frio. Até mesmo Noah, sendo bem jovem, recebeu isso com estranheza.

    — “O que ele quis dizer com isso? O Marduk acabou de falar dessa forma…?!”

    Decerto, o zurkan viu o olhar do jovem mudar, dizendo:

    — Se você tiver compaixão contra quem deseja seu mal, não espere isso dele. E nesse dia, com total certeza, você não estará nessa terra.

    — Você tá dando dos “Mal que habita”, não é?

    — Certamente, jovem Noah… — ele fechou o livro, levantando em seguida e olhando para Noah. — Kai escolhe os mais aptos para proteger Big Sea Island. Guerreiros formidáveis que não fogem da responsabilidade.

    Deixando o olhar a perder, Marduk caminhou até a saída, mas ele ainda tinha o que dizer ao albino:

    — Amanhã teremos mais um dia de treinos do Kaipasu… — suas palavras soaram como um convite.

    — Eu não vou lá! — Noah exclamou, virando-se na cama. — Não quero machucar mais ninguém!

    Sem se virar, Marduk pareceu saber que teria essa resposta.

    Todavia, ele falou mais uma coisa antes de se retirar, sem se virar.

    — Você tem apreço por elas, eu sei. Elas te cativaram… — disse Marduk, abrindo caminho para convencer o menino.

    — Do que está falando?

    — Jovem Noah, Ingrid e Íris o receberam de braços abertos e elas o iniciaram no Kaipasu. O carisma das duas o levaram até o Lugar do Caminho da Folha do Vulcão.

    — E o que quer dizer com isso? — o albino se sentou na cama, tamanho sua curiosidade.

    — Ora, elas estarão lá te esperando. Proteger quem ama é uma das paixões do Caminho de Kai. Ou você vai desistir deste caminho?

    Marduk deixou o lugar, caminhando em direção ao corredor do mosteiro.

    Ele provocou o mestiço, de forma sútil.

    Noah, confuso em seus pensamentos, ainda sentado na cama, refletiu o que decidir sobre seu futuro.

    O que Marduk disse impactou nesse seu comportamento.

    E que trariam consequências no desenrolar da Vila Aldeia Melanmarii.

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