Índice de Capítulo

    Aviso de conteúdo:
    Este capítulo aborda temas sensíveis, como manipulação emocional, luto familiar e sentimento de culpa em uma criança. As cenas podem ser emocionalmente intensas ou gatilhos para leitores que vivenciaram traumas similares.

    Se você estiver passando por dificuldades emocionais, considere fazer pausas durante a leitura ou buscar apoio com alguém de confiança. Sua saúde mental é importante.

    Os últimos acontecimentos, ainda que breves, durante o início dos festejos foram impactantes.

    Com a acachapante aparição de Marduk, Noah estava com uma definição diferente, longe do jovem aguerrido, mesmo que em silêncio, que as garotas tinham ciência.

    No observar político da Família Lagi, onde Lanumoaga e Orchid, que tinha Olaga entre seus braços, uma dupla, sempre unida, estava de mãos dadas.

    Assim como eles, Ingrid e Íris tinham olhares para Noah, com mais intensidade.

    O albino, parecendo estar perdido e confuso, mostrou passividade a tudo que aconteceu, o que criou mais estranheza nas duas.

    — “Noah… o que tá acontecendo?” — a das ondas tinha um olhar mais revoltado. — “Você nem falou com a gente! Porque você ficou calado? Porque?”

    — “Menino bonito…” — a canina exótica também pensava, mais intimista. — “Você estava mais bonito dessa vez, mas… O seu olhar estava diferente, como se alguma coisa estivesse errada…”

    A dupla ficou lá, olhando para o centro, a fim de ver os passos do jovem, que ficou o tempo todo acompanhando Marduk no meio dos fiéis.

    Embora bem recebido por todos, com afagos e admirações, sua passividade latente destoava do seu comportamento característico, que era se manter neutro em sua fronte e com uma inabalável determinação.

    A continuidade dos eventos era observada por ele, mas não com os mesmos olhos.

    Tampouco com noção da realidade, a sua.

    Para cada canto que o zurkan carismático seguia na festa, lá também estava Noah, como um fiel escudeiro.

    A cada metro percorrido, palavras de fidelidade a Kai eram o que marcava o território do zurkan.

    — Mesas fartas, a felicidade aos montes, progresso à frente e um povo forte! Assim é o Caminho de Kai! — falou Marduk, com os dois braços levantados apontados para o céu. — Clamem a ele! Festejem! Hoje é um dia de celebração!

    O encanto do líder era abismal.

    Seus dotes como zurkan atraiam olhares de adoração, fazendo do momento uma cerimônia de pura idolatria e fidelidade.

    Seu nome era ovacionado, repetido diversas vezes, elevando sua posição frente ao povo, em êxtase por causa da paixão a ‘Kai’.

    O nome reverenciado, o mais repetido, era Marduk.

    Seu magnetismo e poder de influência marcavam os quatro cantos da Festa da Colheita, como um marco genuíno de adoração.

    Noah testemunhava esse evento midiático, onde a paixão elevou a imagem de Marduk a um patamar messiânico, quase invertendo o próprio Kai.

    O olhar vazio de Noah era arrebatador.

    Como se não tivesse esperanças.

    — “Meu maior prêmio é vê-lo ao meu lado, jovem Noah…” — em seus pensamentos, Marduk realçava sua conquista. — “Todos estão contemplando o mais novo protegido, o meu! E nós dois iremos longe, comigo à frente te liderando e você, inteligente, influenciará a todos do Lugar do Caminho! É estupendo!”

    Ele era uma alegoria, um tipo de troféu que Marduk fazia questão de ostentar.

    Nessa situação inesperada que se encontrava, o jovem se colocou em pensamentos.

    Não em reflexões ou algum desejo, mas em lembranças.

    Eram como marteladas em uma bigorna de forja, mas sem metal algum entre os dois — só o choque, incessante, desgastando lentamente seu ímpeto de viver.

    Foi logo após acordar depois do sono do almoço, à tarde.

    Marduk o havia convidado para escolher sua roupa, visando a Festa da Colheita.

    Próximo a um espelho, o traje preto do mestiço estava lá, sobre um armário.

    — Jovem Noah… — falava Marduk, sorridente. — Este é o seu traje para amanhã.

    — Por que devo vestir isso? — perguntou o menino. Ele não se limitou a só esse questionamento. — E por que devo ir a essa festa?

    A rebeldia do mestiço era um empecilho que Marduk não tinha controle.

    Arredio, o jovem dava claros sinais de que sua autonomia de pensamento estava crescendo demais, e isso pesou para que o zurkan usasse de seu poder de influência em um nível acima.

    — “Hora do herege ser subjugado…” — pensou, com uma voz interna denotando algo próximo do ódio. — “Sutileza, generosidade, imposições e visão do meu mundo, como eu vejo… Esse é o momento de lhe mostrar a realidade!”

    Em um local reservado, como seu aposento, era um cenário favorável para que usasse de suas principais características: a persuasão abrangente.

    Ele se ajoelhou perto de Noah, o abraçando pelo pescoço com carinho.

    Os dois se olhavam no espelho, em uma dualidade visível aos olhos de ambos.

    Enfim, as palavras de Marduk foram ouvidas:

    — Escolhas, Noah. Escolhas… — falou, apoiando seu rosto ao ombro do menino. — Quando você as tem, abre-se muitos vieses. Você sabia?

    — Como assim? — a voz de Noah tinha ternura, ao mesmo tempo que sua curiosidade foi atiçada.

    — Ora… Você pode ter escolhas para tudo. No que vestir, o que comer, praticar… — seu tom de voz, mais esguio e intimidador, alterava o entendimento. — E também no que acreditar.

    A pouca idade de Noah ainda não o permitia entender das nuances das palavras e do teor delas quando evocadas do líder carismático.

    Elas tinham um simbolismo maior, movimentando, às entrelinhas, o imaginário e pensamento do jovem.

    Durante sua estratégia, ele preparou o terreno, um arado de terra suave:

    — Todos da vila precisam ver sua beleza, jovem Noah… — disse, bagunçando o cabelo do menino. Uma brincadeira para descontrair. — Aparência é tudo se quiser ter sucesso, sabia?

    Noah se manteve neutro, mas não incomodado pelo afago do líder.

    Sua força de pensamento inata o manteve firme o suficiente para não cair em armadilhas, por puro instinto.

    Noah não tinha noção de seu mecanismo de defesa mental.

    Marduk continuou:

    — Nunca falamos disso antes, mas: quais eram suas escolhas para a viagem com seus queridos pais?

    Só em ouvir isso já foi o suficiente para que a respiração de Noah aumentasse.

    Não só isso, seu coração começou a bater mais forte, em um sincronismo que estava a par da sua taquicardia.

    — Meus pais e eu… — sua fala pausada se tornou mais frequente após a pergunta. — Meu pai escolheu ir desbravar novos mares… e minha mãe também…

    O zurkan continuou:

    — Você queria ir nesta viagem ou foi obrigado? — ele foi mais incisivo nesse detalhe, cirúrgico. — Responda com sinceridade, jovem Noah.

    O albino, trincando os dentes, lutava para não falar, mas uma angústia latente o remoeu por dentro, o instigando a responder:

    — Ah… eu… — o desconforto do albino só aumentava. — Eu que quis…

    O caminho que Marduk queria foi mostrado.

    A trilha estava clara e aberta.

    Um solo fértil para plantar sua semente, a que sabia como ninguém enraizar:

    — Você fez uma escolha, não foi?

    — S-sim… — preso em sua narrativa, Noah afundava ainda mais.

    Sem dó, o zurkan do Lugar do Caminho da Folha do Vulcão seguiu em frente:

    — Seria mais fácil se fosse obrigado… Não seria?

    A pergunta do gato monge soou feito um sino, cujo som se propagou até o mais fundo de seu inconsciente.

    Nem mesmo a Herança Eterna de seu pai foi capaz de filtrar a mensagem.

    — Seu pai escolheu viajar… Navegar pelos mares em busca de descobertas — a voz eloquente de Marduk, sussurrante, aumentou o potencial de suas palavras. — É ao mesmo tempo lindo e belo, e também perigoso e… trágico.

    Certeiro e efetivo, o gato branco fechou seus olhos, sentindo as reações do jovem como um encontro de ideias, as quais tinha total ciência de tê-las plantado lá dentro, cujo cultivo era quase instantâneo.

    Os olhos verdes de Noah pareciam até perder a bela coloração, como se sua vida perdesse parte da cor.

    Sem parar, Marduk continuou a conversa:

    — Com essa sua escolha, de ir em viagem, seus pais queriam te mostrar o mundo, além mar. Eles te amavam, eu sei… — disse, olhando para o reflexo de Noah no espelho.

    O jogo de palavras, o interesse em subverter o significado, passou sobre a inteligência acima do comum de Noah.

    Foi naquele instante que Marduk descobriu o ponto fraco do mestiço: seu sentimento de culpa.

    Nunca antes Noah tivera segurado tamanho fardo.

    Ele sequer sabia do pesar desse estado de espírito.

    Isso o desarmou.

    Noah, frente a esses estímulos psicológicos, se viu acuado e culpado por tudo.

    Como um implacável demagogo, Marduk, triunfante, aspecto visível em seu tom de voz mais forte, cravou de vez as garras na rebeldia de Noah:

    — Sua escolha levou a um fim trágico… — mostrando um semblante fechado, o zurkan concluiu. — Lamentável, jovem Noah. Uma escolha infeliz…

    O jovem estava possesso por arrependimento.

    Essa sensação não era a real, tampouco deveria carregar ou até mesmo supor que tivesse responsabilidades.

    Porém, as palavras desprovidas de empatia e de zelo paterno impuseram a Noah em uma espiral terrível.

    Marduk, ao levantar, pegou o traje preto, o entregando ao menino.

    O gato tinha mais a dizer:

    — Essa roupa carrega um simbolismo: o luto. Tome-o para ti e respeite o elo com seus queridos e estimados país. Por isso que você deve usá-lo.

    Incapaz de maturar algo, seu subconsciente, herói que o salvou dos últimos eventos traumáticos, se aquietou, não esboçando defesa.

    Noah era só uma criança normal naquele instante, entregue aos pensamentos e dizeres de Marduk, vulnerável desde o início.

    O gato conseguiu colher o fruto que plantou, e tratou de fincar em suas entranhas mais de sua lábia incontestável:

    — Esse seu gesto, de receber um presente de mim, me deixa muito feliz, jovem Noah. Obediência o fará ser meu protegido… — falou, se ajoelhando na frente de Noah.

    O olhar fixo nos olhos do menino definiu a influência.

    — Eu sei que você não quer ter mais perdas, não é mesmo? Lembre-se: as escolhas do seu pai… — ele pausou a fala, gritando em seguida. — SUA ESCOLHA o levou até aqui!

    Fato consumado.

    Marduk obteve uma vitória, mais uma das inúmeras.

    Ele não silenciou, mesmo assim:

    — E eu, jovem noah te protegerei… Então, a partir de agora, receba essa honra e me deixe guiá-lo. Só eu e ninguém mais.

    No emaranhado de imagens, tudo aquilo apagou aos poucos o esplendor da Herança Eterna como se fosse mágica.

    Noah só obedeceu, rodeado por dilemas terríveis em sua mente revirada.

    Voltando ao presente, no preciso momento que a música alegre e afável voltou a seus ouvidos, era possível vê-lo com um olhar distante e submisso.

    Ele tinha um fardo a segurar.

    Algo que consumiu sua determinação.

    Qual foi o motivo do destino ter levado seu sábio pai e sua amável mãe?

    Uma escolha.

    Qual o resultado?

    A sua culpa.

    Esse era o fardo que ressoou em sua mente corrompida por palavras manipuladoras.

    Uma espiral do luto.

    Mas, até quando?

    Recado do autor:

    Esta é uma história sobre escolhas, dores e caminhos que muitas vezes nos são impostos antes mesmo de entendermos o peso que carregam. Em um mundo fantástico, repleto de mistérios e poderes, os personagens enfrentam conflitos que espelham dilemas muito reais: manipulação, perda, traumas silenciosos e a busca por identidade.

    Embora situada em um universo de fantasia, esta obra não foge das sombras emocionais que podem nos acompanhar — especialmente na adolescência, quando sentimentos muitas vezes são intensos, difíceis de nomear ou de entender.

    Esses temas são abordados com seriedade e empatia, jamais glorificando o sofrimento ou naturalizando comportamentos abusivos. O objetivo é provocar reflexão, diálogo e, acima de tudo, compaixão.

    Se você, leitor(a), em algum momento se sentir afetado emocionalmente pela leitura, saiba que não está só. Conversar com alguém de confiança — um amigo, familiar, professor ou profissional da saúde — pode fazer toda a diferença.

    A história de Noah e dos que o cercam fala sobre o quanto a mente pode ser fragilizada — mas também sobre o quanto ela pode se reerguer. E, às vezes, isso começa ao dar o primeiro passo: reconhecer o que se sente.

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