Índice de Capítulo

    Os eventos dentro da Zona Sacra da Festa da Colheita atingiram o ápice daquela noite sinistra.

    Mesmo em um ambiente ecumênico, o clima tenso imperou por quase todo o tempo.

    Luz e trevas, forças opostas, ditavam os dilemas, com vários contextos que deixavam tudo confuso e incerto.

    As peças estavam na mesa, e a próxima jogada tinha o poder de definição.


    Minutos antes…

    Centro da Festa da Colheita | Noite adentro

    Momentos depois do anúncio de Marduk de ter Noah como seu protegido, quando caminhavam juntos em direção à Zona Sacra, Ingrid e Iris olhavam os dois.

    Como era de se esperar, o assunto era sobre o anúncio.

    — Íris, tem coisa errada nisso! — falou a das ondas, acelerando seu passo. — Eu não tô gostando!

    — Ingrid, espera! — a canina exótica a acompanhava, tentando ser mais racional. — Eu concordo com você, mas não podemos desobedecer o senhor Lanumoaga!

    — Lá vem você com esse papo de novo… Será que não tá vendo que nada disso faz sentido? O senhor Marduk disse pra gente não ver o Noah, o senhor Lanu também disse a mesma coisa…

    — Ingrid… — murmurou Íris, olhando para os dois. — Você falando assim é quase como o que eu pensei várias vezes…

    Por um breve momento, Íris, mantendo o olhar para o zurkan e seu protegido, analisou bem a situação.

    Sua preocupação em atender às expectativas exercia uma pressão gigante na sua moral.

    Aquela pressão já martelava sua honra.

    Em sua mente, dizeres ao acaso surgiram, como um mantra que compôs sua postura conforme o tempo passou.

    — “‘Parar e refletir’, ‘pensar e desenvolver’, ‘criar e acionar’…”

    Junto a isso, pensamentos negativos, de perda e arrependimento assolaram seu âmago.

    Talvez isso fosse uma percepção exclusiva da canina de olhos heterocromáticos.

    — “Eu não posso só ficar pensando…” — sua voz interna sussurrante deixou evidente para si mesma o grau de urgência. — “Não quero ficar longe do Noah pra sempre… Eu quero saber o que está acontecendo com ele!”

    Das duas, ela era a mais centrada e sentimental.

    Íris encontrou dentro de si a motivação para quebrar regras, de fazer o que seu coração mandava.

    Mesmo assim, sua racionalmente manteve sã, com um tom mais crítico, influenciado por Ingrid.

    A de olhos bicolores, fechando seus punhos, pensou:

    — “Todas essas coisas que o Sr Lanumoaga me disse uma vez estão fazendo mais sentido agora… Mas por quê?!”

    Era natural o desenvolvimento do pensar mais analítico de Íris.

    As engrenagens da mente, se bem impostas e modeladas, tinham potência suficiente para mover sistemas e mecanismos.

    Seu pleno funcionamento dependia do trato das peças, a forja precisava ser de qualidade.

    A maquinação e a manipulação exigida traria resultados do mesmo nível.

    Essa energia já tinha despertado em Ingrid, uma energia latente que se destacava desde o início de forma natural.

    Para alguns, esse despertar é mais rápido; para outros, um pouco mais de tempo.

    Mas, no fim, qualquer pessoa, cedo ou tarde, encontraria seu equilíbrio racional.

    Ao jeito dela, seguiu com seus questionamentos:

    — Ah, então você percebeu também, né? Por que tão fazendo isso? E por que o Noah tá sendo o centro de tudo?

    Sempre questionadora, a canina das ondas forçava respostas antes de Íris, que evitava fazer perguntas.

    Diante das circunstâncias, isso se tornou impossível.

    — Isso que você disse… — outra vez, a jovem dos olhos bicolores pensou. — “Cada minuto que passa fica mais difícil não fazer alguma coisa!”

    Até mesmo a mais centrada da dupla havia encontrado o seu ponto de agir. Ela queria respostas.

    Ingrid e Íris, intrépidas, caminharam até próximo da entrada da Zona Sacra, local onde o zurkan do Lugar do Caminho da Folha do Vulcão e seu protegido entraram.

    Diante do portal que estava à frente das duas, só dúvidas e dilemas soaram em suas mentes.

    Contudo, hesitar não era uma opção.

    — Se seguirmos em frente, vamos desobedecer os dois — Íris continuou com sua fidelidade moral, mas sabendo das consequências. — E se não continuarmos, nunca vamos entender.

    — E se a gente não continuar, não vamos falar com o Noah — Ingrid tinha noção do que viria a seguir, mas tinham um forte interesse em comum. — Pois é, né? Eu… preciso entender!

    Não havia outra escolha.

    O primeiro movimento foi feito, movendo-as para a frente com a desobediência que, aos poucos, perdia o significado negativo.

    Ambas deram as mãos uma à outra, selando não apenas um pensamento comum, mas também uma decisão compartilhada, que moveu a dupla para o desafio.

    Cada passo que executaram, juntas, não era só uma afronta aos líderes que tinham tanto respeito.

    Elas queriam ver o Noah.

    Mas, sem que soubessem, a ação delas carregava muito mais do que poderiam pensar.

    Uma soma de emoções, honestas e puras, desencadearam várias outras.

    Não só contra a ordem, mas em direção à verdade.


    Voltando ao presente…

    Zona Sacra da Festa da Colheita | Meio da noite

    No exato momento que Noah deixou as dependências do local reservado, eis que Lanumoaga, já com Ingrid e Iris abrindo caminho para que o albino corresse, o logo fez a pergunta:

    — Porque Noah saiu correndo daqui, Marduk?

    Sacro zome Lanumoaga… Você demorou para que viesse até aqui.

    A cena era construída aos poucos.

    O zome, frente ao portal, impedindo a passagem, soava como um guardião destinado a proteger o que acreditava.

    Marduk o encarava, anunciando de antemão seu antagonismo.

    — Muito bem… — sem desviar o olhar, o zurkan manteve seu semblante com teor arrogante. — Essa será uma noite longa, eu prevejo.

    Ele aceitou a peleja.

    Dentro do lugar, espectadores como Haalaee e Alfreedah só observavam o diálogo, como testemunhas de um julgamento.

    E Ingrid e Íris eram, juntas, um sopro meio a um vendaval descontrolado, com destroços ao ar que poderiam atingir qualquer um.

    Lanumoaga, sem mexer um milímetro de seu rosto, partiu para a ofensiva.

    — Uma pergunta simples te causou dificuldades, sacro zurkan?

    — Hum… Se refere ao jovem Noah, sacro zome? — Um pouco de deboche nas falas de Marduk soaram como uma resposta à altura. — Eu não tenho ideia do porquê de sua fuga.

    — Acha mesmo que irei acreditar nisso? — O olhar mais incisivo do canino foi feito para incomodar.

    O fitar de Lanumoaga causou mesmo mal estar ao gato branco.

    Por esse motivo, o líder da Guilda Agalelei caminhou até próximo dele, demonstrando estar no limite de sua paciência.

    Mesmo em uma noite triunfante, tudo aquilo ia contra suas vontades.

    — Parece que você, sacro zome, está procurando por algo que trará consequências… — Marduk o encarava, desta vez com mais fúria em seus olhos. — Kai fortifica os seus seguidores quando há guerra, você sabe.

    — Sei perfeitamente disso, sacro zurkan… Por isso ambos estamos prontos para momentos de crise extrema, como essa.

    As formalidades eram só fachada.

    O desejo de cada um deles era o embate, sem dúvidas. Algo que não ficaria só no verbal.

    Porém, os componentes do cenário impediram tal acontecimento traumático, ato que traria desestabilidade à harmonia caótica do clero.

    — Sacro suko Haalaee, porque Noah saiu daquela forma? — perguntou Lanumoaga, sem desviar o olhar de Marduk.

    O jovial cervo, cujo semblante mostrava inquietude, respondeu:

    — E-ele estava… ah… assustado e… — ele gaguejava, sabendo que estava em fogo cruzado. — “O que vou fazer?! O sacro zome apareceu aqui do nada e… o sacro zurkan está agindo menos polido que antes! Esses dois vão lutar, eu tenho quase certeza!”

    O azulado, repetindo a pergunta, colocou Haalaee contra a parede.

    — Responda, sacro suko!

    — Zome L-lanumoaga… eu… — sua relutância durou até que um pingo de coragem o empurrou a falar um pouco mais que deveria. — Aquele menino tinha algo que… não deveria estar lá!

    Um silêncio ocorreu, breve e tão intenso quanto uma explosão.

    O espírito dos que chegaram recebeu um abalo, quase descontrolado, o susto foi grande.

    Alfreedah se viu na obrigação de entrar no assunto. Mesmo sem conseguir enxergar com os olhos, lhe restou os outros sentidos.

    Aliás, foi além: usou o coração.

    — A alma de Noah o fez correr deste lugar.

    Poucas palavras para muitas reações.

    A fala da morcega “raposa alada” mudou a perspectiva de todos adentrados à cena.

    Lanumoaga arregalou seus olhos, com a indiferença de Marduk destoando desse estado emocional do azulado.

    Todavia, o ato de pressionar ainda mais as mãos das caninas Ingrid e Íris foi o maior ponto de virada. Saber deste detalhe fez com que suas implicações internas eclodissem.

    Haalaee era amparado por Alfreedah, que segurou em seu ombro, ao mesmo tempo que Marduk falava:

    — Está tudo sob controle, sacro zome. Não é necessário que se emocione…

    Ele foi tolo em pensar que sua lábia funcionaria contra o canino azul.

    — CHEGA! — o grito enraivecido de Lanumoaga ecoou por toda a Zona Sacra.

    O tremular do olho direito do zurkan era como uma faísca a ponto de se chocar contra a palha seca do verão: nunca antes a iminência de um combate entre as duas forças foi tão grande.

    A justificativa não aconteceu; ela foi construída mediante as circunstâncias que a alimentaram.

    Os dois, em uma aplicação mais íntima de análise, já viram o inevitável.

    Eles não trocavam olhares; se provocavam internamente.

    Foi o estopim para que reações desta revolta oculta se tornassem mais físicas: tanto Lanumoaga quanto Marduk começaram a emanar aura de seus Nirvanas, azul e dourado, nessa ordem.

    Até mesmo seus olhos começaram a se iluminar nesses tons.

    Haalaee e Alfreedah ficaram em choque. Mesmo a morcega não tendo brilho nos olhos, foi capaz de visualizar o ritual pré combate.

    O cervo, temeroso, ousou dar um passo, virando mediar a disputa.

    Sua fé era muito maior que seu conhecimento em lidar com crises assim.

    — Alfreedah, algo de muito ruim está para acontecer e eu não sei o que fazer! — ele recuou, assustado. — Que Kai nos proteja!

    A aflição do cervo não era para menos.

    Uma ruptura do clero era evidente.

    — “Me segurei até onde pude, Orchid…” — pensou Lanumoaga, já com o corpo fervendo com seu Nirvana aflorado. — “Vou acabar com esse desgraçado aqui e agora e devolver a ordem ao nosso lar!”

    Um leve sorriso surgiu no canto da boca de Marduk, que pareceu desejar que o embate desse seu início.

    — “Tudo está correndo como eu esperava. Há muito tempo que este insurgente procura o confronto físico…” — em um pensamento, o gato monge, com satisfação recebeu aquela oportunidade.

    O ponto máximo foi alcançado.

    A luta, vindoura, terminaria com uma das partes no chão e mudaria o panorama da vila.

    Porém, havia mais em jogo na noite da Festa da Colheita do que um simples duelo.

    Ingrid, possuída por pura vontade interior, se moveu para entre os dois, trazendo Íris consigo.

    Sem soltar as mãos, mantiveram-se unidas.

    Não só isso: a canina das ondas fitou Marduk, em uma clara afronta à autoridade do zurkan, o que transformou o ambiente.

    Lanumoaga, pasmo, fez cessar sua aura

    O felino pálido, líder da Guilda Agalelei, compartilhava do comportamento do azulado:

    — Jovem Ingrid, o que está fazendo? — perguntou o zurkan, com o rosto mostrando incredulidade.

    Sem mais nem menos, Ingrid deu o primeiro passo.

    A ação da jovem foi impactante, o que mudaria o rumo dos acontecimentos na Zona Sacra.

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