Índice de Capítulo

    “O que nasce no silêncio interior só alcança sua plenitude quando se revela no encontro com o outro.”

    Kierkegaard


    — Sacro zome Lanumoaga, o que pensa que está fazendo?!

    Essa foi a primeira frase a soar no interior da Zona Sacra da Festa da Colheita, e era dita por Marduk segundos depois que Ingrid e Íris foram autorizadas a sair do local para encontrarem Noah.

    O gato, com um semblante tenso diante do canino azul, que se manteve a postos no portal do acesso ao espaço ecumênico, estava frustrado.

    Marduk não berrava, um esforço consciente para manter as aparências, mas em seu interior uma guerra era travada.

    — “Este energúmeno está me afrontando de forma descarada!” — dentro de sua mente, Marduk estava ainda mais nervoso. — “Nem sequer tem iniciativa para me enfrentar de verdade… o que pretende com isso”

    Sob os olhares surpresos do cervo Haalaee e da morcego “raposa alada” Alfreedah, o diálogo entre os dois ocorria com muita apreensão por parte dos membros da Guilda Agalelei.

    Lanumoaga, muito mais calmo e íntegro, olhou para o zurkan, dizendo:

    — Elas são apenas crianças, sacro zurkan… — sua serenidade foi impactante. — E estão agindo como tal.

    — Ingrid e Íris desferiram sua rebeldia juvenil contra mim e você, sacro zome. Não fará nada? — inquiriu Marduk, quase o empurrando com as palavras.

    — Se sentiu ofendido com as estripulias das duas? — falou, em um tom descontraído. — Já fomos tão jovens quanto elas. É esperado essas coisas, não acha?

    — O que?! — o felino branco viu aquilo como um ataque. — Está debochando da minha inteligência, sacro zome? Aquelas duas cometeram transgressões contra nossa honra e, principalmente, à Guilda Agalelei!

    — Transgressões?! Honra?! Ofensa?! — disse, olhando para os lados, como se estivesse procurando por alguém. — Onde? Onde estão aquelas ‘transgressoras da honra’?! Alguém viu a honra ser atingida?!

    Era uma piada, literal o bastante para Alfreedah e Haalaee começarem a rir.

    Veio espontâneo, natural.

    Marduk, impactado, reforçou sua exigência:

    — Deixe de estripulias e faça alguma coisa!

    — Ah, é? Só um instante… — o azulado, caminhando para o centro com tranquilidade, se dirigiu aos outros membros. — Sacro suko Haalaee, sacra zome Alfreedah… Vocês se sentiram ofendidos com a rebeldia daquelas garotinhas?

    O tom de sua voz permaneceu leve, como se estivesse fazendo pouco caso do ocorrido. Até mesmo seu olhar e feições estavam dizendo que não estava levando a sério.

    A resposta dos membros veio nesta mesma temperatura:

    — Bem… acho que não — o cervo, sorridente com timidez, estava à vontade. — Eu já fiz isso uma vez, hehe…

    — Crianças podem ser rebeldes às vezes, mas são almas puras… — a morcego deixou bem claro sua opinião. — Ir contra as regras, na palavra de Kai, é um tipo de crítica.

    Lanumoaga recorreu a um eficaz método de métrica: a democracia da Guilda Agalelei.

    Marduk ficou sem saber o que fazer, precisando engolir seu orgulho e aceitar a condição.

    Inquieto em sua mente, seu nível de desorientação estava quase atingindo a superfície.

    — “O que está acontecendo aqui? Eles concordaram com ele, na minha frente?!”

    Lanumoaga estava com um ar renovado. Mais solto e relaxado, ficou evidente sua mudança brusca.

    — Sacro zome… — era Alfreedah, indo em sua direção. — Senti uma leve alteração no tom de sua voz e de sua respiração.

    — Ah, sim… — o canino se aproximou da morcego, esboçando um sorriso. — Se você disse isso, então é verdade. Sim, estou mais disposto e sem ‘tensões e animosidades’, caso tenha entendido.

    A fala, arranhando na citação específica na sua frase, trouxe um sorriso no rosto de Alfreedah, que entendeu a referência.

    Aliás, Haalaee também pescou a sutileza, mesmo sendo o mais inocente, o que lhe rendeu boas risadas.

    Aquilo brincou com os brios de Marduk, que reagiu:

    — Porque estão rindo?

    — Hehe… Sacro zurkan… — falava o cervo. — É que o sacro zome falou engraçado.

    — Engraçado?! — ele não estava aceitando a realidade. — “Por que essa mudança? Estávamos prestes a travar uma guerra e, indevidamente, o clima mudou…”

    Esse seu incômodo, a ânsia que foi gerada pela mudança abrupta da tensão para o de calmaria e leveza, foi posto à prova.

    A quebra de expectativa lhe causou danos.

    — Exijo uma explicação imediata, sacro zome Lanumoaga.

    — Hã? A que se refere, sacro zurkan?

    — Estávamos prestes a resolver nossas diferenças e, abruptamente, você mudou o tom da discussão que estávamos tomando antes que aquelas insurgentes aparecessem e…

    Sua pausa teve um ótimo motivo: ele viu o canino abraçado aos membros da guilda.

    Aquele gesto simples, do abraço entre entes queridos, fez com que o gato arregalasse os olhos, tamanha sua surpresa.

    Marduk quase expôs seu desconforto ao vê-los naquele momento de camaradagem e lisura.

    — “O que significa isso?! Onde Lanumoaga conseguiu tamanha intimidade com Haalaee e Alfreedah?!”

    Seu espanto até lhe trouxe o esquecimento da pergunta.

    Mas Lanumoaga, ligeiro, não só chamou a atenção do gato monge como também o respondeu:

    — Eh… sacro zurkan…? — falou, ironizando a desatenção. — Quer uma explicação ao que disse? Eu a tenho.

    — Hã?! Ah… o que… — desconcertado, Marduk voltou a si. — Então diga! Eu quero saber!

    — Muito simples: por causa do Caminho de Kai.

    Ele falou isso com uma das mãos sobre o coração.

    Lanumoaga, sem usar nenhum tipo de linguagem subliminar ou entrelinhas, respondeu com sinceridade.

    Isso emocionou Haalaee, com Alfreedah esboçando felicidade em sua fronte coberta por seu cabelo.

    O clima dentro da Zona Sacra era outro.

    Mais amigável, acolhedor e, como sempre deveria ser, religioso.

    Enquanto isso…

    Centro da Vila Aldeia Melanmarii

    Festa da Colheita | Meio da noite

    Os festejos, conforme a noite tomava mais corpo, ficou mais encorpada.

    Dezoris e Motavia, as duas luas que adornavam o céu noturno de Avalice, trouxeram mais beleza e significado à festa.

    As observando, lá estavam Orchid e seu filho, Olaga.

    Sempre sorridente, o menino falou:

    — Mamãe, o papai tá demorando… Queria que ele visse as luas comigo!

    — Acalme-se, Olaga… — disse a loba mantendo a calma, característica sua. — Tudo a seu tempo. Logo ele aparecerá…

    Ela demonstrava quietude em tudo que fazia.

    Até mesmo em seus pensamentos Orchid era ponderada.

    — “Lanu olhou para mim faz alguns minutos. Eu conheço aquele olhar… de quando está centrado e determinado. Kai tocou seu coração, eu sei, eu sinto…”

    As intuições dela estavam mais do que certas.

    Unindo a seu presságio, eis que, ao encontro deles, Ingrid e Iris surgiram, correndo como nunca no espaço religioso, o que chamou a atenção da loba e do filho.

    As jovens estavam apressadas.

    — Senhora Orchid! — disse a das ondas, ofegante. — A senhora viu o Noah passar?

    — Sim, mas… O que está acontecendo? Porque saíram correndo de dentro da Zona Sacra?

    — Não temos tempo pra explicar! — retrucou Íris, mostrando ainda mais sua pressa. — Temos que achar o Noah o mais rápido possível!

    A moça, acometida, respondeu:

    — Eu vi o menino sair em disparada, como vocês duas, mas… — sua pausa foi por análise. — “Ele… aquele garoto… Tinha algo nele que só Kai teria respostas…”

    — Rápido, senhora Orchid! — apressou Ingrid, com um olhar de emergência.

    A súplica da canina fez com que a lupina de feição serena percebesse nuances até então ocultas à primeira vista: ela viu algo além delas, uma coisa que ascendia a uma interpretação divina.

    Orchid ficou surpresa, receosa até mesmo de falar alguma coisa.

    Por isso, se pôs em pensamentos:

    — “A força de Kai está conduzindo essas duas para uma missão…” — seu poder de premonição era soberbo. — “Eu não posso me intrometer nesta epopéia proposta pelo soberano…”

    Não havia tempo a perder.

    Orchid tinha se decidido.

    A loba, se ajoelhando, falou a seu filho:

    — Olaga, você viu o Noah… Ele passou por nós, lembra ?

    — Sim, ele passou rapidão!

    — Use seu bom faro e deixe que seu dom divino leve-as até o menino.

    — Mamãe, a senhora tá me dando uma missão?! — o garoto, mais jovem que a dupla de caninas, estava impressionado.

    — Olaga, meu filho… Quem está lhe dando essa responsabilidade é Kai — ela o olhou de forma terna, beijando sua testa em seguida. — Eu só sou uma mensageira de sua palavra… e você é o nobre rastreador que as levará até o destino.

    O pequeno lupino, com um sorriso ainda maior que de costume, se fortificou com o que sua mãe lhe disse.

    Era algo especial mesmo sendo tão novo, recebendo uma tarefa que nivelou sua importância à das caninas.

    Ele, convicto, se colocou à disposição, coçando seu nariz em sinal de confiança, comum quando era desafiado.

    — Tá bom! Eu vou levar a Ingrid e a Íris! Vou usar o meu faro até eu cansar!

    Como a pressa era muita, Íris adiantou a suposta missão:

    — Vai, Olaga! Nos leve até o Noah! Confiamos em você!

    — Pode deixar! — ele já usava seu olfato aguçado. — Vem, por aqui!

    As vias iluminadas por velas e coloridas pelas flores e estandartes tomavam um ar mais aventureiro, dada a urgência das caninas.

    Aliás, agora era um trio de jovens intrépidos com um objetivo em comum.

    Vendo-os sumir entre as pessoas no festejo sazonal, Orchid sorriu, esperançosa pelo resultado daquela busca.

    — “Kai, não sei o que está acontecendo, mas tenho plena certeza de que esses três são a representação mais pura que temos no momento…”

    O som distante das risadas e melodias foi se diluindo conforme as figuras de Olaga, Ingrid e Íris desapareciam na penumbra sagrada da noite

    A procura começou.

    Incessante, até encontrarem Noah.

    Enquanto isso…

    Zona Sacra da Festa da Colheita

    — Sacro zome Lanumoaga, saia da minha frente imediatamente!

    Marduk estava dando claros sinais de inquietude, comportamento que já chegara ao patético.

    Sua exigência, autoritária, tinha um motivo: seu desejo de ir atrás de Noah.

    Como um guardião determinado, ele não deixou seu posto, impedindo qualquer um de sair do espaço.

    Tentando restabelecer a ordem, Lanumoaga estava fazendo o que podia para evitar excessos:

    — Sacro zurkan, peço que se recomponha! — Falou o canino azul, com paciência.

    — Sou responsável por Noah! Preciso encontrá-lo eu mesmo! — o gato tentava passar, sendo impedido.

    A indagação de Marduk deixou uma brecha para o zome contra atacar com uma pergunta retórica:

    — Você duvida das capacidades de Ingrid e Íris, por acaso?

    — Noah é meu protegido! Não mude de assunto!

    — A seuk do Lugar do Caminho da Folha do Vulcão não gostaria de saber que seu líder não confia nela, sabia? — retrucou o azulado, o olhando ressabiado.

    — Você sabe muito bem que eu tenho responsabilidades sobre ele!

    Era o que Lanumoaga queria ouvir. Isso ficou visível em seu olhar, franzindo a testa logo a seguir.

    Não só isso: ele queria que os demais ouvissem também.

    Foi por esse caminho que trabalhou sua articulação.

    Ele olhou para Haalaee e Alfreedah, sem pestanejar.

    Uma pergunta direta foi feita:

    — Sacro suko e sacra zome… Noah aceitou o pedido do sacro zurkan em ser o seu protegido enquanto estava aqui dentro?

    O questionamento surgiu como uma bomba.

    Era fato que nenhum dos dois tinham ouvido ou sequer levantado a hipótese de Noah ter falado alguma coisa.

    A imagem que Haalaee guardou em sua mente foi a de ver o albino abrir os braços e caminhar em sua direção.

    Isso lhe trouxe lembranças ruins.

    — “Agora que Lanumoaga disse… Eu me lembro de ter visto o garoto meio que me pedir algo, não sei… mas foi assustador!”

    Suas dúvidas eram reais.

    O cervo olhou também para Marduk, como se estivesse procurando por uma rachadura em sua moral abalada.

    — “Ingrid disse que ele foi o único que Noah teve contato… Isso é estranho.”

    Lanumoaga insistiu na pergunta:

    — Suko Haalaee, qual sua resposta?

    — Ah, bem… Não lembro de ter ouvido ele aceitar.

    — Muito obrigado, sacro suko… — disse, desta vez olhando para a morcega.

    Alfreedah também puxou seu pensamento um pouco mais a fundo. Memórias recentes que vieram à tona.

    — “O sacro zome tem razão. Noah não oficializou Marduk como seu protegido, como segue as leis de Melanmarii…”

    Tão questionável era a conduta, ela também ficou mais pensativa.

    — “Aquele menino estava com nosso zurkan esse tempo todo e ele estava naquele estado…”

    — Zome Alfreedah, e qual a sua?

    — Não. Em nenhum momento Noah anunciou sua aceitação.

    Enfim, a constatação.

    O canino azul, segurando as leis com força, lidou com o assunto como se fosse um pseudo julgamento moral:

    — Sacro zurkan Marduk, foi instituído em Big Sea Island que qualquer um que quisesse ter um protegido precisaria oficializar tal ato com a concordância. Isso não aconteceu, como vimos.

    — O que quer dizer? Noah sempre esteve comigo esse tempo todo e cuidei de suas feridas. Dei-lhe um lugar para dormir, uma vida digna desde que surgiu em nossa humilde vila!

    — O que quero dizer? Pois bem… — falou, se sentando sobre uma das almofadas.

    O ato de se sentar, daquela forma informal, tinha um significado: Lanumoaga estava fincando seus alicerces no ego de Marduk.

    Seu jeito de lidar com o zurkan tinha voltado com toda força, o minando onde mais o irritava.

    — Ninguém formalizou a utilização do espaço sacro!

    — E o Noah não oficializou sua tutela — ele foi direto na ferida aberta. — Além do mais, estamos em uma festa. Quer formalidades? Tudo bem, eu irei conceder isso… — disse, se levantando.

    Assim que o fez, ele arrumou o lugar, pondo a almofada no lugar.

    Lanumoaga desfez sua falta de decoro.

    Aquilo mexeu muito com Marduk, que se segurava como podia.

    Contudo, o azul não arredou:

    — E então… O que tem a dizer sobre sua falta, sacro zurkan? Ou devemos esquecer desse ‘pequeno deslize de conduta’?

    O canino não parava, como uma rocha sólida caindo sobre uma superfície de gelo fino.

    A desconfiança tomou os membros de surpresa.

    Isso foi sentido por Marduk, desconfortável com a pergunta feita.

    — “Lanumoaga está ultrapassando todos os limites! Já estou farto de tanta insurgência!” — sua irritação interna não descansava.

    O cenário era desfavorável ao zurkan, como nunca antes tinha presenciado.

    Uma ferida dolorosa, após o golpe recebido, se abriu mais.

    Dentro de sua mente, acostumada com vitórias e ordens impostas, seu ego ferido o moveu rápido para encontrar um caminho estratégico.

    Não houve resposta, para sua frustração.

    Mas, a contragosto de Lanumoaga, Marduk ainda era o líder.

    Mesmo arredio, o felino manteve a compostura. Sua aparência era o elo entre a sua grandeza e poder e a descentralização de sua liderança.

    Sabendo de sua posição privilegiada, Marduk não deixaria que tudo que construiu ruísse sem lutar.

    Uma luta silenciosa, e com armas que só ele sabia manejar.

    Tomado por uma vontade interior avassaladora, seu olhar tomou foco e sua imponência retornou, como uma mágica sinistra.

    Isso foi sentido em todos os presentes, onde Haalaee e Alfreedah deram um passo para trás, o impacto foi grande.

    — “O que foi isso?!” — falava o cervo, suando frio e com o olhar profundo. — “É como se fosse algo me empurrando para trás…”

    — “Oh, algo pressionou meu peito, me tirando o ar…” — Alfreedah também se manifestou, ofegante.

    Indo até a frente de todos, Marduk, com um semblante sério e sóbrio tomou a palavra.

    Seu tom de voz voltou a seu habitual timbre:

    — Sacros que estão nessa sala nobre… — falou, se ajoelhando para os três. — Minha pressa em agradar a Kai trouxe desatenção às leis de nossa vila. Peço desculpas pelo meu atrevimento e falta.

    O controle de dano de Marduk foi certeiro. Ele não só apaziguou a situação como mostrou humildade em reconhecer seu erro, mas sem surpreender Lanumoaga.

    — “Como esperava. Ele desceu do pedestal para depois subir até o topo…” — o canino estava seguro de si. — “Pois bem, deixa eu entrar nesse jogo, mas sob minhas regras dessa vez!”

    Dentre os membros da Guilda Agalelei, aquilo foi um apagar de chamas incandescentes no ápice do incêndio.

    Lanumoaga, ao ouvir isso, se aproximou, lhe estendendo uma das mãos.

    Tão rápido e audacioso foi seu rival, sua postura se igualou à dele.

    — Aqui… — ele manteve o movimento. — Todos nós aceitamos suas desculpas.

    — Obrigado, sacro zome… — ele, ao segurar na mão do azulado, sorriu, demonstrando controle emocional.

    O ato entre os dois, visto como um movimento de apaziguar amistoso e maduro pelos demais membros, encheu de expectativa e vislumbre por tempos melhores.

    Alfreedah e Haalaee sorriram, mesmo após o pressentindo maldito de minutos atrás.

    Mas aquilo foi um aviso, terrível se assim dizer.

    Assim que as mãos um do outro se encontraram, Lanumoaga recebeu uma carga absurda de más sensações.

    Era algo angustiante, que rompia o aceitável entre o mundo terreno e o espiritual.

    Além disso, uma pulsão destrutiva invadiu sua mente naquele instante.

    Algo soturno e sombrio.

    — “Uh… O que… Essa sensação estranha…” — ele pensava, impactado pelo mal estar. — “Sinto minha alma sendo esmagada e a minha vida esvaindo para longe… O que é isso?!”

    Esse sentir, como agulhas negras perfurando o coração, drenava o vigor de Lanumoaga.

    Um comichão, um mal agouro impiedoso, atingiu o âmago dele, sem pedir licença

    Os olhos do canino azulado, antes cheios de vida, agora refletiam uma presença antiga e estranha, como se algo o observasse de dentro, moldando seus gestos com uma vontade que não era sua.

    Diante desse cenário, as reações alcançaram o exterior da Zona Sacra, atingindo diretamente o íntimo de Orchid.

    Ela, que estava observando de longe o galpão, foi acertada com uma pontada em seu coração.

    — Ah?! Isso que senti… — ofegante, seu olhar se tornou amedrontado. — Por Kai, essa sensação… é dos “Mal que habita”?!

    Era só uma centelha, mas que gerou uma angustiante sensação de terror.

    O que estava de fato acontecendo?

    Longe dali…

    Extremidades de Big Sea Island

    A escuridão da noite recebia a luz das luas de Avalice como única fonte luminosa.

    Sua imagem refletia no espelho d’água do mar, que estava bem revolto no ambiente noturno.

    Isso foi evidenciado pelo barulho forte das ondas que batiam e quebravam ao se chocar contra a areia da praia.

    Era como um ritual: o barulho relaxante se encontrava com o violento choque contra a costa, unindo a beleza com temor.

    Diante do cenário exótico, lá estava um jovem.

    Sua pelagem branca se destacava no escuro, em um duelo simbólico entre luz e trevas, em contraste com sua vestimenta preta.

    Era Noah, de pé e olhando para o mar.

    Ele, com um olhar perdido, era só um reflexo do que foi um dia.

    Seus olhos verdes, que eram motivo de admiração por todos, não tinha brilho.

    Seu cabelo, bagunçado e sujo com folhas e musgos, deixava claro que sua fuga não foi fácil.

    Mesmo no estado que estava, suspirou ao dizer:

    — Porque os levou… de mim?

    Sua voz, fraca e repleta de lamentos, veio acompanhada por três ondas potentes à costa, onde a maré subiu e atingiu seus pés, os molhando.

    Duas conchas, que brilhavam naquela imensidão escurecida, apareceram à sua frente: uma amarela e outra cinza.

    Eram lindas, como duas jóias.

    Logo, uma brisa fresca pairou o ar, trazendo consigo uma folha, que viajou até Noah.

    Ela passou bem na sua frente, pousando sobre a superfície de uma poça de água límpida.

    Os fenômenos da natureza e o acaso trouxeram mensagens ao jovem, mas que passaram despercebidas por ele.

    Atônito e sem foco, Noah esperava que sua pergunta recebesse uma resposta direta.

    Ele precisava de ajuda.

    O quanto antes.

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