Capítulo 89 - Tensão Absoluta
Casa de Noah | Noite
A conversa dentro da residência do praticante do Kaipasu continuou por mais alguns minutos.
Ao saber da história do albino, trouxe um entendimento melhor do quinto membro e uma ideia geral de suas ambições.
Eram nobres e belas.
Noah não se esqueceu de onde veio e, o principal, tinha uma promessa a cumprir.
Contudo, o que Carol levantou um tempo atrás fazia sentido: o que aconteceu com Íris e Ingrid?
Nem mesmo Lilac, dotada da responsabilidade de liderar o seu time, ousou ir tão longe.
Noah passou por uma provação angustiante e, por compaixão, respeitou seu espaço.
A dragão tinha uma preocupação agora: cumprir a missão de recuperar o imenso resquício da Jóia do Reino, que se tornou o prêmio principal do torneio.
— “Temos agora o Noah ao nosso lado, mas…” — pensou a jovem, planejando o que fazer — “Acho que preciso dar um passo de cada vez. Primeiro temos que ir até a Shang Mu Arena. O Santino Rock1 vai nos encontrar lá… ”
Após a leve e singela conversa que tiveram depois da votação, as atenções estavam em fazer a inscrição no Tormenta.
A saída da casa ocorreu minutos depois, com o grupo caminhando em direção ao local programado.
A trilha até o local foi rápida, alguns metros da casa de Noah.
Porém, no meio de templos, que estavam pelo caminho, um brilho no meio de uma das vielas escuras da região chamou a atenção só do mestiço.
Ele olhou, estranhando o ocorrido, como se alguém estivesse duvidando do que viu.
Lilac, percebido, comentou:
— Noah, o que houve?
— Ah, não sei… Eu acho que vi algo brilhando naquele beco.
Ele apontou, o que fez com que Carol, a frente de todos, fosse até lá, para observar.
No fim, não encontrou vestígio algum.
— Não tem nada aqui. Só breu, frio e perda de tempo.
— Carol, já entendemos! Para de falar assim!
— Só tô pondo drama, nyah!
Embora não houvesse nada, Noah guardou aquilo que viu.
— “Não é a primeira vez…”
Mas o que ele quis dizer com isso?
Sem perderem tempo, seguiram até a área sul.
Minutos depois…
Arena Shang Mu | Noite de inscrição
— Ahh! Minha nossa! Esse lugar transpira luta! E olha o tamanho dessa estrutura!
Viktor, com seu grito entusiasmado, deixou claro a grandiosidade do prédio.
A fachada monumental do ginásio era impressionante. O teto todo em vitral era ao mesmo tempo belo e imponente.
Os destaques em vermelho davam a exata. Impressão que o humano passou em seu encanamento: a essência das artes marciais.
Nem mesmo a escuridão da noite foi capaz de impedir que a incrível construção fosse apreciada.
Era enorme, assim como as demais edificações da Cidade de Shang Mu.
A iluminação não era tão intensa quanto a do centro.
Aquela área, conhecida pelas garotas e Noah, era tombada pela prefeitura — uma forma populista de Mayor Zao para conquistar o povo
As diretrizes do local milenar eram sagradas.
Espaços como esse, que continham tradição histórica, eram respeitados por toda Avalice, e seus líderes nunca macularam tais preciosidades.
A luz baixa era proposital: um ar solene, respeitoso… e humilde.
Em frente ao ginásio gigante, a conversa prosseguiu.
— Como que um lugar desse tamanho existe? — falou Viktor, ainda vislumbrado. — Nem no meu mundo vi uma arena assim!
— É uma arena bem grandona mesmo, Viktorius! — falava Milla, apoiando seu braço ao do rapaz. — Acho que tudo nessa cidade é assim!
Noah, com seriedade na voz, falou um pouco da história:
— Essa construção existe desde o fim da Guerra dos Milenares. Foi feito para selar a união entre os povos dos templos de artes marciais de toda Avalice.
— Espera. Deixa ver se eu entendi: esse lugar foi feito só para dar fim a uma guerra?
— Teoricamente, sim… — Noah concluiu. — Um embate político por áreas afastadas de Avalice desencadeou a ruptura da paz. Não durou muito tempo, mas o suficiente para criarem leis de fronteiras.
O contexto histórico só engrandeceu o espetáculo que estava por vir.
Porém, Carol, sempre ela, levantou uma questão:
— Perai… Essa arena tá muito moderninha pra ser “milenar”. Que parada estranha…
Noah foi rápido, para definir bem o contexto:
— Mayor Zao a modernizou.
— O que?! — o humano se surpreendeu. — Mas esse lutar não é tombado?
— Sim… é — sua fala pausada veio com certa ironia. — O prefeito desta cidade o fez logo depois de reformá-la. Uma jogada política…
— Haha! Aquele carinha é demais… — Carol, risonha, sabia do contexto. — Mas, pô: o lugar ficou massa demais assim!
— Mas não se enganem… — o albino continuou, caminhando para dentro do saguão. — É só a fachada. Zao não mexeu um milímetro de seu interior.
— Até ele tem limites… — Lilac falou, acompanhando Noah. — Bem, vamos definir a inscrição para começarmos a traçar nossos planos.
Visando o desenrolar, a dragão liderou seu time para o saguão principal.
Lá dentro, a confirmação do que Noah falou: o local esbanjava tradição, com arquitetura oriental.
O teto alto dava a real escala colossal da arena, com madeira vermelha nobre e um teto de vidro, deixando evidente o dueto moderno-antigo, que parava por ali.
No interior da construção, o grupo seguiu até o balcão ao fundo, onde foram recebidos por um raposo
Ele trajava uma roupa oriental, com um longo cabelo vermelho bagunçado, mas com certo charme.
Seu olhar era penetrante, quase hipnótico mas, ao ver o grupo de Lilac se aproximar, sorriu.
— Olá, sou Huli. Sejam bem-vindos a Arena Shang Mu! — falou, com um tom de voz amistoso. — Presumo que estejam interessados em fazer a inscrição do Tormenta.
— Fala aí, lindão! — Carol, com seu jeito nada polido, tomou a frente. — Tamo aqui pra isso mesmo! Manda ver na caneta aí!
— Carol, isso não é jeito de falar! — Lilac a repreendeu, a puxando para trás. — Moço, estamos aqui para o Tormenta.
— Foi o que ele disse, dã! — a gata selvagem não perdeu a piada. — Vai, fala logo com o npc aí!
A ironia de Carol irritou um pouco a dragão, mas a normalidade voltou no instante que tratou dos assuntos importantes.
— Por favor… escreva o nome de cada um dos integrantes do seu time neste requerimento — explicou Huli. — Leia também as regras do torneio, que está na folha de trás.
— Ah, muito obrigada! Você é muito gentil — Lilac ficou encantada com a educação do rapaz.
Pegando o papel e se virando para o time, Carol olhou para a sua amiga dragão de um jeito desconfiado.
— O que foi, Carol? Porque está me olhando assim?
— Hm… Esse sorrisinho no teu rosto não me engana!
— D-do que está falando? — Lilac recuou um pouco, surpresa.
— Ah, lá! Até gaguejou! — esboçando um sorriso arteiro, a gata provocou. — Tu tá de xaveco com o lindão aí, né?
— Hã?! Carol, não é nada disso! — ela ficou corada, mas não por causa do que Carol insinuou. — Ele é educado e gentil, somente isso!
— Tá, sei… — desconversava a felina, fechando um dos olhos. — Ó, tô de olho, tá?
— Para com isso!
Com o papel em mãos, a curiosidade tomou a todos.
Agrupados no centro do salão, que ganhava mais pessoas para se inscreverem, Lilac comentou:
— Então essas são as regras…
Como a leitura, lá estava escrito:
Lutador, essas são as regras do Torneio Original Real do Maior Elemento Nobre de Toda Avalice!
TORMENTA!
Vamos a elas:
É uma luta de submissão. Ou seja, é necessário jogar seu adversário para fora do octógono. Não pegue leve, porque ninguém vai pegar leve com você!
Caso um participante queira desistir, está livre para sair da área de combate e chorar no cantinho! (Estamos brincando, tá?)
O espírito esportivo deve ser respeitado: Nenhum oponente poderá fazer provocações desrespeitosas, embora conversas sejam permitidas. Então, vale provocar, mas não fique falando gracinhas!
Se algum participante se ferir gravemente, um grupamento médico estará de prontidão. Então, já sabe: o oponente caiu? Deixa na conta do árbitro. Se ele puder lutar, aí você volta a bater sem pena! (Mas não exagera, hein!)
A luta será paralisada até que haja um laudo de que o lutador para continuar ou não. Coisa séria: ninguém quer machucar gravemente o oponente. Rivalidade 10 x 0 inimizade.
Se um lutador não se levantar após um golpe brutal (brutal, não violento!), será aberta a contagem até 10! Já sabem, não é? Se ele não se levantar, é nocaute! Observação: o árbitro não precisa terminar a contagem pra isso acontecer. Então, sangue nos olhos!
Na primeira fase, será uma luta no estilo “melhor de três”: o time que vencer duas lutas estará classificado a seguir no torneio. Você se lembra daquele jogo de luta de arcade que tinha times? É quase isso… Quase!
O integrante vencedor da luta deverá ficar no octógono até que seja vencido, sendo substituído por outro. Ganhou, fica. Perdeu, sai. Difícil?
A escolha de integrantes é livre nessa fase. Porém a única forma de um integrante ser substituído durante a luta será: ou perder ou desistir da luta. A desistência também ocasiona uma derrota para seu time, se feito já de início. Não queremos fracotes no torneio… e nem você no seu time!
As regras das fases seguintes serão passadas logo após. Isso não é incrível? Ninguém sabe o que virá, como um lutador honrado encontra na vida!
O tom despojado das regras foi motivo de observação mais crítica por parte de Lilac, que refletiu no time inteiro.
— Ah, só eu percebi que essas regras parecem ter sido escritas pela Carol?
— Gostei da moral, hein! Valeu mesmo, hehe! — a gata estava reluzente, com pompas.
— Não estou falando isso como elogio, Carol! — ela estava falando sério.
— Hã? Como assim?
— Eu estava esperando por algo mais sério, sabe?
A decepção de Lilac foi grande.
Tanto que a garota voltou até Huli, para tirar dúvidas.
— Ah… oi de novo.
— Sim, senhorita. Como posso ajudá-la?
— Bem, acho que o papel que nos entregou é algum tipo de erro de impressão ou coisa do tipo… — disse, colocando o documento sobre o balcão.
— A que se refere? — ele pegou o papel, curioso.
— Acho que alguém trocou algumas palavras, sabe? Parece até que quem fez isso não estava levando a sério o torneio.
O raposo ruivo efetuou uma breve leitura, chegando a um entendimento.
— Hum… Acho que sei do que se trata seu ceticismo, senhorita.
— E o que é? — ela o fitava, esperando pela resposta.
— Você conhece o urso Brian O’Bryan?
— Hã?! Mas o… — a dragão se lembrou. — Acho que… foi aquele que fez o anúncio do Tormenta!
— Ele mesmo… — enfim, a confirmação. — Todo o marketing e divulgação do torneio está sob sua responsabilidade. A Arena Shang Mu não tem nada a ver com o confeccionado documento.
— Espera! Quer dizer que esse é o flyer oficial do Tormenta?!
— Exatamente. Brian O’Bryan é um entusiasta por lutas, por todo Avalice. Mayor Zao o contratou por sua identidade e proximidade com esse meio. Essas palavras podem lhe parecer coloquiais, mas totalmente dentro da cultura de lutas pelo planeta.
Huli usou muitas palavras, mas explicou todo o contexto por trás da informalidade das regras.
Ou seja, a linguagem era a adequada para o mundo da luta que o torneio estava centrado.
Longe de ser um espetáculo, mas mais distante ainda de ser uma disputa formal.
Voltando para perto do grupo e descontente com o tom nada sisudo do torneio, Lilac parecia um pouco irritada com isso.
— Lilac, o que houve? — perguntou Viktor, preocupado.
— Ah, nada. Só que… — ela abaixou sua cabeça, buscando calma. — Estamos em uma missão. Temos que conseguir o resquício gigante para impedir o pior… e parece que ninguém tem ideia da gravidade disso.
— Mas, Lilac… — o humano ficou um pouco mais surpreso com seu comportamento. — Só nós sabemos disso tudo.
— Eu sei, Viktor. Mas… Como podem pensar em diversão em um torneio de artes marciais? Isso até parece brincadeira… Não é justo!
O fato de parecer não estarem levando a sério mexeu com a dragão.
Seu comprometimento com a missão recebida por Royal Magister a levou a um senso de urgência genuína, onde qualquer coisa que fosse contrário já era o suficiente para deixá-la irritada.
Desde a constatação após o anúncio na prefeitura ela tem esse comportamento.
Indo além, Carol tinha, além deste juízo, outro assuntos.
— “Ok… Ela tá fazendo isso de novo…” — a gata pensou, com mais afinco. — “Eu tô de olho. Faz um tempo que ela tá estranha, mas tô ligada no ‘subtextismo’ das ideia…”
A desconfiança da felina verde só ganhava força.
E isso não era de agora: Carol já vem a um bom tempo entendendo as entrelinhas da mudança de postura de sua amiga dragão.
Desde a reunião com Zao tem observado Lilac com outros olhos, destoando de suas características.
Em outras circunstâncias, levaria tudo aquilo com leveza e irreverência, o que se esperaria dela.
Mas, conhecendo bem a púrpura, seu cuidado era palpável.
Por outro lado, não era só Carol que mantivera essa didática.
— “A senhorita Lilac tem mostrado muita preocupação com a missão”… — Viktor pensava, continuando. — “O Mayor Zao deve ser aquele panda vermelho que governa essa cidade. Ele não levou a sério a situação, e agora esse texto estranho e cheio de maneirismos… Eu te entendo, Lilac.”
No meio de tantas nuances, existia um fato, que Noah ressaltou para que não perdessem a linha.
— Bem, vamos fazer a inscrição — falou, chamando por Lilac. — Você é a líder do time. Acho que seria melhor resolvemos isso primeiro. O torneio é uma incógnita, sabemos.
— É, você tem razão… — Lilac concordou, indo à frente. — Vamos então.
Retornando mais uma vez até Huli, o objetivo foi inscrever o time no Tormenta.
Porém:
— Só há quatro nomes… — comentou o raposo ruivo. — Senhorita, não posso continuar com a sua inclusão no torneio com o quinto membro faltante.
— Bem, ele já está vindo para cá… — sua fala veio com um pouco de dúvida. — “Cadê o Santino Rock? Já era para estar aqui, ele prometeu…”
Lilac sentiu a tensão no ar.
Seu punho se contraiu, deixando claro sua reação de nervosismo.
Sem perder tempo, se virou para Carol.
Ele tinha o que dizer.
— Carol, você tem o nome do Santino. Ligue pra ele agora!
— Hã?! Ah.. tá… — a gata, às pressas, pegou seu celular. — Perai…
Primeiro a gata mandou uma mensagem, que foi entregue.
Sem resposta, e sem registro de visualização.
Passado um minuto, a dragão insistiu:
— E aí? Cadê ele, Carol?
— Pô, sei lá! Tô tentando… — mais mensagens ela enviou, mas sem reações do destinatário. — O cara não respondeu ainda…
— Carol, foi você quem deu um voto de confiança pra ele! Esse tempo todo não enviou nenhuma mensagem para saber por onde ele andava?
— Aí, vai devagar! — Carol franziu seu rosto, incomodada com a pressão. — Tá certo que eu dei uma moral pro cara mais cedo, mas não vem jogar a culpa pra cima de mim!
— Você que tinha elo com ele!
— Tá, mas que culpa eu tenho se o cara não dá sinal de vida? Relaxa aí!
— Eu não vou relaxar! — gritou a dragão, mostrando irritação.
Esse foi o ponto de ebulição que faltava: o evidente estresse emocional de Lilac.
Todos que estavam no lugar olharam, surpresos, com o brado inconsequente da dragão, que silenciou assim que percebeu o excesso.
Noah ficou calado, impactado pelo fato, que passou a olhar com um pouco de preocupação.
Como ele, Milla ficou acuada e se mantinha calada, mas não insossa:
— “Ih! Acho que a Lilac tá muito tensa com isso que estamos passando. Mas, o que podemos fazer?!”
Viktor, que também estava sentido, se aproximou da jovem.
Ele não ficou calado.
— Lilac, está tudo bem… — ele a tranquilizou, de forma singela. — Não precisa ficar acanhada! Tudo isso está acontecendo muito rápido e o relógio está correndo. Mas estou certo de que ele vai aparecer.
— Ah, eu… — envergonhada, se apoiou no ombro do jovem. — É que quero muito que tudo corra bem e o mais depressa possível. Só que, sem o quinto membro, nós…
O corte abrupto em sua fala foi justificado: Carol foi até ela, com o celular em mãos.
— Lilac, o Santino! — tinha muita aflição na voz da felina.
— Hã? O que foi?
— Aqui… — ela aproximou o telefone do rosto da amiga. — ESCUTA!
O detalhe mostrado por Carol tenha fundamento, talvez os mais sinistros que imaginava.
Ela ouviu ruídos estranhos, como se alguém estivesse lutando.
Isso trouxe um vale de estranheza na mente de Lilac.
— Meu deus… — sua incredulidade era imensa. — O que está acontecendo?!
Sua respiração se tornou mais ofegante, onde olhou para todos os lados, tentando achar o que não conseguia ver.
A líder em ascensão, posto responsável que aceitou com afinco, lhe fez ir longe em pensamentos.
Lilac não era rápida só em se mover, mas também em pensar.
E usando seus dotes, ela encontrou uma possibilidade.
Uma incógnita que, de tão plausível, se tornou terrível.
Arregalando seus olhos, indagou em sua mente:
— “Os Red Scarves…?”
A constatação era uma só, e veio para todos ouvirem:
— Ele… o Santino… pode estar em perigo!
Algo de muito ruim estava acontecendo.
E Lilac sabia que precisaria fazer alguma coisa.
E rápido.
Agora não era mais sobre completar o time…
Era sobre salvá-lo.
- Nota: o quarto membro escolhido por Carol, no Capítulo 59 – Correndo contra o tempo[↩]
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