Capítulo 90 - Ecos das Sombras
A urgência tomou Lilac, por completo.
Os eventos recentes a moveram para fora do saguão principal, voltando ao exterior da Arena Shang Mu.
O local estava mais movimentado, com os demais participantes se reunindo após suas inscrições no torneio, foi sacudido por sua habilidade especial veloz; todos viram o deslocamento da jovem líder a toda potência.
Eles abriram espaço, pois viram alguém com bastante pressa. Até mesmo a poeira do chão se levantou, causando tosse em alguns dos transeuntes.
Sob a luz lunar de Motavia e Dezoris, a suposta investida do clã ninja Red Scarves levantou fantasmas do passado, que ela sabia muito bem.
— Droga! Por que eu não pensei nisso antes? — falou a dragão, executando seu Impulso do Dragão para ir mais rápido. — É óbvio que eles seriam sujos o bastante para fazerem isso!
Mas antes de ser perdida de vista, Carol a alcançou, fazendo com que parasse.
— Ei, calma aí! Lilac, conversa comigo! — disse Carol, a segurando pelos ombros.
A jovem de escamas púrpuras quase tropeçou, freando seco ao tranco repentino da sua amiga.
Mesmo assim, Lilac não estava tão disposta a conversar.
— Carol, me solta! Você sabe muito bem que não temos muito tempo!
— Tô ligada. Só que você agindo assim até parece eu em um dia muito ruim. Pô, te conheço pacas. Tu tá estressada, então refresca a cachola, cabeça de lula! — a gata provocou, ao mesmo tempo que mostrava irreverência mas que não escondia sua preocupação.
— Como é?! — a dragão até ameaçou outro surto, mas pôs os pensamentos em dia.
Sim, Lilac parou, percebendo, com a provocação intencional de sua amiga, que estava perdendo o foco.
Frustrada, mas contida, ela respirou fundo e, aos poucos, recobrou sua sensatez característica.
— É, você está certa… — ela cessou seus passos, raciocinando. — Mas isso não resolve as coisas.
— Tá, tu tá certa nisso… — a felina a soltou, mais aliviada. — Ufa, ainda bem que te parei antes de você sumir do mapa.
O sopro de alívio sentido por Carol era temporário. Pode ter impedido de sua amiga agir sem pensar, mas o tempo era o maior inimigo no momento.
— Sério, Carol, a gente tem que encontrar o Santino! Com certeza aqueles sons eram de luta!!
— Putz, pode crer… — ela se virou, percebendo passos ao fundo da praça onde estavam.
Os ruídos de aproximação tinham fundamento: eram do time, que conseguiu chegar até o local.
Por alguns metros nas adjacências da Arena Shang Mu, o grupo tinha vários dilemas.
O primeiro foi Viktor:
— Senhorita Lilac… — seu polimento retornou com força, dado o respeito que tinha pela garota. — Temos que pensar bem o que fazer. Não temos muito tempo…
— Você tem razão, Viktor — ela acenou positivamente com a cabeça, quase uma reverência. — E peço desculpas por ter agido como uma boba.
O garoto sorriu, como se estivesse ciente do sentimento culposo da jovem.
— “Ela pediu desculpas pra mim?!” — sua surpresa interna não transpareceu. — “Se ela fez isso, então é porque está muito mais preocupada do que eu imaginava. Está sendo cuidadosa comigo quando não precisava…”
A indagação na mente do humano deixou claro que até ele sentiu a mudança, talvez até com um significado ainda abstrato.
Já Noah, ao lado de Lilac, adicionou uma informação importante:
— Perguntei ao atendente do saguão: temos até às dez horas para inscrever o último membro. As boas notícias é que ele tem autonomia para isso…
— Eu até perdi a noção do tempo… — falava a dragão, olhando para o relógio. — Então temos uma hora para encontrarmos o Santino… ou ele nos encontrar.
— Mas o que vamos fazer agora? — Milla estava preocupada. — Temos pouco tempo!
Uma hora.
Esse era o limite.
Se antes a irritação era pelo pouco que Lilac tinha de fé na escolha de Carol, agora a situação era quase como a de um resgate de alguém que não tinha sequer convivência.
Em outras palavras, era um inocente que, talvez, estivesse passando por problemas por causa da dragão.
Isso tinha um peso ainda maior, a pressionando a um nível acima do que esperava.
Como eram muitas informações para processar, Lilac recorreu ao básico: seu raciocínio entrou em ação.
— “Se realmente os Red Scarves estão envolvidos, ficaram o tempo todo nos seguindo, vendo por onde andamos…” — a lógica foi sua arma naquele instante.
Sem perder tempo, internalizou todo o contexto em uma velocidade incrível de dedução:
— “Só o Santino se distanciou… Mas ele é forte e grande, e os ninjas não o atacariam em praça pública. Shang Mu tem luzes em cada canto. Nenhum ponto cego… exceto…”
Ela chegou a uma conclusão.
— “Só a área da Arena é mais escura… Então é isso!”
Ela encontrou o ponto.
— Time, o Santino foi atacado por aqui!
— Hã? Mas como pode estar certa disso, senhorita Lilac? — perguntou Viktor.
— Eles nunca fariam algo em campo aberto. Shang Mu não é como Shuigang. Eles agiram aqui perto por ser o único lugar escuro de toda cidade! O Santino não chegou até nós… porque foi atacado aqui!
O raciocínio foi rápido e preciso — Isso deu um norte.
Noah entendeu bem a leitura lógica de Lilac.
Dotado da mesma qualidade, olhou em volta, de forma breve.
Não demorou muito até que tivesse uma ideia:
— A área da Arena Shang Mu tem, pelo menos, 5 mil metros quadrados. Porém o raio do espaço é mais longo, por volta de 800 metros, por causa dos templos que formam a Zona Milenial de Shang Mu. Precisamos nos separar e procurarmos nos quadrantes: Norte, Sul, Leste e Oeste.
A ideia proposta por Noah foi instantânea e no ponto certo.
Porém Viktor, com o pouco de conhecimento de habilidades especiais, mais precisamente de Lilac, adicionou um detalhe:
— Mas a senhorita Lilac poderia usar sua velocidade para ir em cada canto! Com isso ganharíamos tempo! — comentou o humano, pensando na vantagem óbvia da habilidade dela.
— Viktor, eu não posso ficar usando meu Impulso do Dragão em qualquer lugar. Toda vez que faço isso com força posso quebrar a barreira do som sem querer e causar transtorno aos templos. Tudo aqui é muito frágil e milenar. Tenho que tomar cuidado.
Foi uma leitura honesta, mas a dragão púrpura tinha ciência do espaço em volta e das consequências em usar sua habilidade sem pensar.
Todavia, esse detalhe trouxe mais entendimentos a Viktor.
— “Ela está certa e… tem domínio do que pode fazer ao redor. Se ela está agindo assim, é porque tudo isso é de extrema importância.”
Viktor, naquele instante, entendeu que a garota dragão tinha urgência genuína e preocupação em todos os sentidos — era um momento de atitude arrojada para manter acesa a chama da missão.
Com o plano exposto, Lilac adotou a estratégia.
— Ótimo, Noah! Falamos isso! — ela foi até o centro do grupo. — Milla, você tem bom faro: vá para o Leste, pois é a área mais verde e sem muitos templos.
— Tudo bem! Conta comigo! — ela correu em direção ao ponto cardeal indicado.
— Carol… — desta vez a dragão se virou para sua amiga. — Você pode escalar os prédios com mais facilidade e sem danificar nada… Você pode, não?
— Claro, pô! Pra onde, então?
— Oeste. Os templos mais altos ficam lá.
— Tá sussa! — Carol partiu com toda velocidade. — Bora achar o trincado!
— Noah… Vá para o Sul.
— Entendo… — disse, se virando. — A parte mais central, a que eu conheço melhor.
— Isso mesmo! Santino Rock está usando calça preta e uma camisa branca. Guardou?
— Ótimo… — disse, seguindo para o ponto indicado.
Lilac, então, se virou para o humano.
O pedido foi especial, com cuidado.
— E Viktor… Quero que fique perto da Arena.
— Hã? Mas porque? Pensei que eu iria te ajudar indo com você para o norte.
— Não quero que se envolva nisso.
— O que? Mas… — ele olhou para o fundo, observando todos seguindo com o plano. — Eu quero ajudar, Lilac.
— Por isso mesmo… — ela divagou, tomando cuidado com cada palavra. — Não sabemos como será daqui pra frente. Estamos procurando pelo Santino, mas ele pode aparecer aqui e você o conhece.
Lilac, com carinho, segurou em um de seus ombros, com sinceridade em sua voz confiante:
— Caso isso aconteça, não perca tempo explicando o que fomos fazer: diga para que se inscreva no torneio o mais depressa possível!
Ela se posicionou a seguir, preparada para pôr em prática a procura.
Para terminar, falou:
— Tenho certeza que os Red Scarves sabem que estamos aqui e vão fazer de tudo para nos impedir.
A confiança da garota foi o caminho para trazer um sorriso no rosto de Viktor, que entendeu a ideia.
— Tudo bem, Lilac. Falei isso… — ele confirmou, acenando com a cabeça. — Sabe, é difícil não pôr “senhorita” antes de falar com você.
— Hã? E porque tem essa dificuldade?
— Eu te considero muito. Antes era só por você ser uma dragão, o que já significa muito pra mim. Mas agora, te vendo ter essa atitude, também é por você ser quem é.
Esse comentário, simples e cheio de graça, pegou Lilac de surpresa.
Mesmo diante de um desafio imenso, ela não sabia que restava alguém do grupo que poderia a motivar com pouco.
Isso a fez abrir um lindo sorriso, encantada com o elogio.
— Isso sim foi gentil — ela apertou as duas mãos do jovem, as sacudindo com força. — Eu realmente precisava ouvir isso. Obrigada, Viktor. De verdade!
O rapaz ficou sem palavras, só aceitando o gesto carinhoso da garota.
Mas, mesmo com a singela gentileza, havia uma missão.
— Temos que encontrar o Santino, Viktor… — falou Lilac, se virando para a direção onde teria de ir. — Participar do torneio é nossa meta no momento. Só temos uma hora…
Sem perder mais tempo, usou seu Impulso do Dragão com pouca intensidade, rumando para o norte.
Viktor, ainda vislumbrado com o gesto dela antes de ir, pensou:
— “Temos que entrar no torneio… e iremos! O Santino vai aparecer, cedo ou tarde. Tenho fé também, Lilac… Vamos conseguir!”
A confiança era muita, mas não o suficiente.
O canino, quinto membro do time de Lilac, precisava ser achado o mais rápido possível.
Horário de término da inscrição: 10:00 PM
Minutos depois…
Arredores da Arena Shang Mu
Hora atual: 09:15 PM
Zona Norte
Um quarto do tempo havia se passado.
Ao mesmo tempo, o grupo chegou até seus destinos para tentar encontrar Santino Rock, o lutador canino.
Correndo pelas vielas da área milenar de Shang Mu, Lilac tentava achar alguma pista ou até mesmo encontrar o próprio quinto membro por todos os cantos.
— “Conheço Spade o suficiente. Ele fará de tudo para conseguir esse resquício da Jóia, ainda mais pelo tamanho que ela é. Se aquilo que Dail disse for real, a urgência dessa missão é ainda maior!”
Os pensamentos da garota não eram à toa: ela tinha um compromisso enorme com a responsabilidade de cumprir o combinado.
Não só isso:
— “E tem o Viktor… Também devo cumprir com a promessa que fiz a Ying. E fico muito feliz que o Viktor esteja cooperando, sendo gentil até…”
Era recíproco o respeito que ambos tinham um pelo outro, em especial Lilac.
— “Ele é alguém que merece minha admiração… e farei de tudo para que não o envolva nos nossos assuntos.”
Mesmo pensando, ela não se descuidou em procurar pelo paradeiro do integrante perdido.
Nesse meio tempo…
Hora: 09:20 PM
Zona Sul
Noah corria pelas ruas e, assim como a líder do time, estava procurando pelos arredores.
Conhecedor da área, sua tipografia automática o trilhou por caminhos mais prováveis de esconder possíveis lugares.
Durante seu rastreamento, entre levantou teses:
— “Tudo isso que está acontecendo é muito estranho…” — pensava, continuando a correr pelas vielas estreitas e escuras da região. — “Lilac citou os Red Scarves. Então eles são a força por trás da ameaça global? Eles mal são vistos por Avalice… o que torna tudo mais crítico.”
Mesmo pensando intensamente, tinha uma habilidade incrível de processar informações ao mesmo tempo: manteve o mesmo desempenho de atenção — era como se estivesse no automático.
Sua suspeição o levou até um beco, mais escuro que os demais, já que era o local mais afastado e fechado de toda área milenar.
— “Sei das características do canino que Lilac me passou, mas…”
Seu pensamento foi cortado, pois sua percepção e senso especial lhe indicou que estava sendo seguido.
Sem perder tempo, Noah olhou para a direção onde notou o incômodo, correndo para lá: era uma trilha estreita e bem escura, no meio de pequenos templos.
— Quem está aí? Apareça! — ele gritou, mas não obteve resposta.
Sua apreensão foi ressaltada assim que, de fato, viu um vulto cortando o espaço; virou sua cabeça e foi atrás da pessoa, que correu.
— Pare agora!
Sua respiração, ofegante e nervosa, lhe dizia que algo de errado estava mesmo acontecendo, confirmando a preocupação de Lilac.
— “Droga! Eu me descuidei… Droga! Droga!”
Pelas vielas escuras, Noah manteve sua perseguição, até chegar a uma parte da zona onde havia movimentação de pessoas, o que o pegou de surpresa.
Ele estava tão imerso no rastreamento e em seus pensamentos que perdeu o fio da perseguição.
Ele olhou em volta, transeuntes indo e vindo, boa parte seguindo suas vidas — era final de expediente e também de atividades nos templos.
— “Tss… Eu perdi o rastro, mas tinha alguém me seguindo!” — Noah estava mais tenso. — “O que está acontecendo aqui… não é normal.”
Frustrado, ele voltou a procurar por pistas, mas ressabiado.
Tinha mesmo alguém o seguindo.
Isso foi constatado: em um beco mais fechado, uma silhueta onde as sombras a mantinha anônima a qualquer um.
E durante seu anonimato, eis que sua voz, feminina e firme, foi ouvida:
— O alvo está à vista… — disse, falando a um celular. — Ele é astuto, como imaginava. Quase me viu, mas não obteve sucesso.
Um diálogo foi iniciado, com o outro interlocutor comentando — inaudível.
Mas a figura misteriosa deixou o contexto um pouco mais exposto.
— Vou continuar, distante, o monitoramento. Tudo está saindo como prevíamos. Veremos como irão se sair…
O papo parecia se relacionar com o time de Lilac, mas não ficou claro.
E isso ficou ainda mais confuso após o comentário carregado de mistério da tal figura.
— “Meu alvo é você… Noah Hibiki — enfim, o que mudaria a impressão veio em seu pensamento. — “Terá sucesso? Espero que sim…”
Alguém estava seguindo Noah.
Mas qual o porquê? E para quê?
Mesmo com essas incógnitas, o tempo não parava.
Mais intrigas pairavam no lugar.
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