Capítulo 0 — Parte 3 — O Novo Rumo
Olhares curiosos, e alguns apreensivos, rondaram pelo salão. Podia-se até mesmo ouvir o bater das asas de uma mosca e um vento forte entrava pela janela à direita, mas nada roubou a atenção que Falcão atraiu para si.
— Que bom que perguntou, Tartaruga. Dessa vez, tentem realmente manter a calma. Isso poderá ser chocante. Pois bem, se a guerra não vem até a Ordem, a Ordem irá até a guerra. Temos influência em todo o continente! Somos um mero grupo? Não! Por isso, a Ordem dos Cavaleiros Brancos deve tomar o poder! Conosco no comando, salvaremos tudo e todos! Meus irmãos, a paz está batendo na nossa porta, não vamos deixá-la esperando muito tempo!
Ao falar isso, surpreendentemente a maioria dos membros se levantou e gritou em apoio à ideia do Falcão. Percebendo que tinha a aprovação da maioria, ele pegou sua bebida, subiu na mesa e ergueu o caneco.
— Ao futuro! À paz! E, principalmente, à Ordem! — Ele exclamou.
Aqueles que apoiaram a ideia seguiram seu gesto e brindaram entre si. A reunião superou todas as expectativas. Era mesmo o início de uma nova era. Algum tempo depois, Lobo, Águia, Coelho e Raposa ainda estavam no local.
Esse era o melhor caminho possível? Lobo não parava de pensar no que leu em seu livro. A Ordem sempre foi um grupo pacífico, por que deveria mudar? As ambições de Falcão estariam colocando em risco tudo que eles tinham conquistado até então? Muitas dúvidas surgiram e nenhuma resposta apareceu. Águia percebeu sua angústia e caminhou até ele.
— Você está bem? Também foi um choque para mim quando ele me contou essa ideia antes da reunião. Acho que até sei o que se passa na sua cabeça agora… — Ela afirmou, desviando o olhar.
Lobo então a olhou enquanto seguia pensando no que essa ideia poderia resultar. Mesmo conhecendo Falcão há alguns anos, nunca ficou claro para ele quais eram as suas reais intenções com a Ordem. Por muitos momentos, o misto de amizade e rivalidade que eles tinham ocultou esse lado de Falcão.
— Sim, eu sabia. Não consegui convencê-lo a mudar de ideia. — Disse Águia, voltando a fitá-lo. — Vamos torcer para ele reconsiderar antes que seja tarde.
— Ele não vai mudar. Você notou, não notou? Quando ele subiu na mesa, ele brindou por três coisas: o futuro, a paz e a Ordem. O brinde principal foi para a Ordem. Ao falar isso, ele deixou suas intenções claras, mas os outros não perceberam. — Ele comentou, com o semblante triste. — Ele prioriza a Ordem em vez da paz, Águia. A paz não interessa para ele, ter o controle é mais importante. Ele quer que o mundo conheça a Ordem e seu líder, ou seja, ele mesmo. Isso é uma campanha de autopromoção. Ele quer a glória sem nem pensar no que ele teria de sacrificar para consegui-la.
Águia se assustou, mas se convenceu de que ele dizia a verdade. Falcão era seu amado, mas seria certo apoiá-lo quando ele estivesse prestes a fazer algo errado? Lobo queria impedir Falcão, mas como? Ele tinha um mau pressentimento e precisava contar isso para alguém em especial.
Alguns dias depois, os membros da Ordem saíram para missões, exceto Lobo, que foi visitar sua esposa grávida, na Terra. Sua amada o esperava em uma pequena cidade no Japão.
Era uma bela mulher, da mesma altura de Águia, mas com cabelos ruivos e olhos castanhos. Eles aproveitaram ao máximo o pouco tempo que tinham. Lobo ficou na Terra por apenas três dias, mas foi o suficiente para ele contar à sua esposa o que estava prestes a acontecer no Extra-Mundo.
— Eu sou forte, mas não tenho poder para impedir todos eles. O que houve em Statan foi uma exceção. Enfrentar homens é muito diferente de enfrentar Manifestadores, ainda mais aqueles que me conhecem tão bem. Eu tentarei recrutar aliados de dentro da Ordem. Pude notar que eu não fui o único a discordar da ideia do Falcão. Vou me esforçar ao máximo para impedi-lo, pois, se eu falhar, a Terra correrá perigo e nosso filho poderá ter um futuro terrível. Se tudo der certo, eu deixarei a Ordem e voltarei para ficar ao seu lado, Shiro.
Os olhos dela se encheram de lágrimas e ela logo desabou em choro, abraçando-o o com força. Lobo sabia que era quase impossível sobreviver a um combate contra todos os outros membros, mas ele devia tentar. Mesmo sabendo que o destino mais provável era a morte, ele confortou sua esposa com a esperança de que voltaria. Ele então se abaixou e beijou a barriga dela.
— Meu filho, cresça forte e saudável. Lute por aqueles que você ama e nunca desista de algo. Você nascerá para ser o salvador dos mundos. — Ele afirmou.
— Por que está fazendo isso, Kayn? Eu sei que você pode arrumar um jeito melhor. Lutar é mesmo a única opção? — Ela indagou, limpando as lágrimas.
— Lutar talvez seja a natureza dos extra-humanos, e eu tenho cada vez mais certeza disso quando faço isso em nome da Ordem. Apesar de lutar por algo bom, tudo sempre se resume a sangue e mortes. Eu gostaria que essa fosse a última vez que eu terei sangue em minhas mãos, ainda mais sabendo que estarei lutando para salvar algo de verdade, como você e o nosso filho.
— Você vai voltar? Por favor, me prometa que você vai voltar! — Ela suplicou.
Quase inconsolável, Shiro levou as mãos ao rosto dele, mas desviou o olhar para tentar conter as lágrimas. Lobo a olhou com um leve sorriso de canto e voltou a olhar para a barriga dela, a acariciando suavemente.
— Mesmo que eu não volte, você sempre terá a minha imagem ao seu lado. Quando olhar para o nosso Kamito, você saberá que eu nunca os abandonei.
— Como quer que eu fique tranquila sabendo que você veio para se despedir?! Não posso criá-lo sem você, ele vai precisar do pai! Tem que ter outro jeito! — Ela exclamou, voltando a olhar para ele.
— Se houver, preciso encontrá-lo logo. Após dar o primeiro tiro, eu não estarei mais seguro, então prefiro levar quantos deles for possível antes de eu cair.
Ao se levantar, algumas lágrimas saíram de seus olhos e eles logo se abraçaram. Um longo e caloroso abraço que parecia não ter fim. Talvez fosse isso que eles desejassem. Infelizmente, era hora de partir. Lobo beijou sua esposa uma última vez antes de partir e deixou a Terra pouco depois.
Era hora de agir, mas aliados eram necessários. Lobo observou seus companheiros por dois meses e pôde observar quem realmente apoiava o Falcão. Ele precisava agir rápido, pois o progresso que a Ordem obteve nesse período foi imenso. Lobo então comunicou os companheiros escolhidos para se encontrarem com ele em um lugar longe do quartel da Ordem.
Ao anoitecer, Lobo estava sentado sobre uma rocha, lendo aquele velho conjunto de páginas que sempre carregava consigo. O vento soprava forte e a lua brilhava. Ele então se levantou e encarou o luar enquanto o vento jogava seu sobretudo para trás. Essa era a paz que ele tanto queria.
— Não tinha um lugar melhor para nos trazer? Nem lugar para sentar temos. Por que não vamos para a minha casa? — Sugeriu a primeira convidada.
Era Raposa, inquieta graças à escolha do lugar: uma clareira no meio de uma densa floresta, com alguns troncos e rochas. Coelho surgiu logo atrás dela e colocou as mãos nos ombros dela para tranquilizá-la.
— Se acalme. Já estamos aqui, não é? Aliás, não poderíamos nos reunir em nossa casa. A Ryruka está dormindo a essa hora. Enfim, Lobo, do que se trata? Nos chamou para uivarmos para a lua como uma bela alcateia? — Ele brincou.
— É sempre bom ver um pouco de humor em você, Coelho. Eu irei lhes contar tudo, mas esperem nossa última convidada chegar. — Lobo pediu.
Minutos depois, Águia apareceu entre os arbustos e se desculpou pelo atraso com um sorriso meigo. Os outros a cumprimentaram e logo se acomodaram. Coelho e Raposa se sentaram em um tronco, enquanto Águia ficou escorada em uma árvore com os braços cruzados.
— Então, por que nos trouxe a este lugar? Suponho que o motivo não seja tão simples como você fez parecer quando nos convidou hoje à tarde. — Pontuou Raposa, após cruzar as pernas e mexer no cabelo.
Lobo os encarava com um olhar sério. Mesmo tendo coletado informações, ele não tinha garantia de que eles ficariam ao seu lado. Ele então respirou fundo e contou a eles o que pensava.
Seu semblante e suas palavras estampavam seus medos e preocupações. Após se explicar, ele aguardou ansiosamente por uma resposta. Se ele falhasse, seus companheiros poderiam matá-lo ali mesmo por traição.
— Eu sei que é arriscado e sei o quanto a Ordem significa para vocês, mas, se não impedirmos isso, o mundo poderá desabar. Eu não aceitarei isso de braços cruzados. Já tiramos muitas vidas por defendermos o que acreditamos ser o certo, mas e se agora estivermos errados? Para mim, isso é mais do que o suficiente para me colocar entre o Falcão e sua ambição. O que me dizem? Estão do meu lado? — Ele perguntou, preocupado.
— Estamos com você, Lobo. – Raposa afirmou. — Eu e meu Coelho odiamos a ideia do Falcão. Ele acha que terá o mundo todo beijando seus pés se acabar com a guerra? Ele vai acabar arrumando ainda mais conflitos. Há muitos Manifestadores poderosos pelo Extra-Mundo, então tudo isso irá gerar ainda mais mortes e isso é tudo que eu menos quero. Certo, Coelhinho?
— Somos minoria, isso é fato. Mesmo se todos aqui aceitarem essa “missão”, ainda serão quatro contra oito, mas podemos vencer se agirmos com cautela. Ninguém mais pode nos ajudar contra o plano do Falcão, Lobo? — Perguntou Coelho, levando a mão direita ao queixo.
— Tigre e Tartaruga certamente o seguirão fielmente. Os três irmãos também parecem ter gostado da ideia. Pensei em chamar o Lagarto, mas foi o Falcão quem o tirou de uma vida pacata, então ele lhe deve alguma gratidão. A Morcego parece indecisa, mas é mais vantajoso para ela compor a maioria. — Ele apontou. — Então, após escolher vocês dois, só restou…
Todos então olharam para Águia, que não tinha se pronunciado. Era uma decisão difícil. Ao mesmo tempo que o amava, ela temia que sua ambição o destruísse. Sua decisão seria a chave para aquela ideia dar certo ou não.
— Eu… concordo. O Falcão mudou… Ele parece outro homem. Parece não se importar com mais ninguém. Até mesmo o Tigre tem se distanciado dele. Eu o amo, então não posso deixar que ele destrua o que conquistamos. Entramos para a Ordem quando éramos jovens. Só eu, ele e o Tigre no meio de grandes Manifestadores. Fizemos da Ordem a nossa casa, e agora devo lutar por ela.
Aliviado, Lobo se levantou, pediu para eles se aproximarem e os abraçou. A batalha seria difícil. Cautela e paciência seriam necessárias. Essa talvez fosse a última noite de paz do quarteto. Ao fim da noite, o plano foi criado.
— Recapitulando… Cuidaremos primeiro da Morcego e dos três patetas, certo? Assim, será quatro contra quatro no final. Com nossas Manifestações, acho que teremos uma vantagem decisiva. — Disse Raposa.
— Exato. Eu tenho um plano para lidar com a Morcego. Quanto aos irmãos, o ideal é separá-los e lidar com eles individualmente. Se estiverem juntos, dificilmente venceremos sem causar grande tumulto. — Lobo comentou.
Como todos conheciam as forças e fraquezas uns dos outros, ter cautela seria vital. O futuro era como uma lâmina de dois gumes. Venceria quem ousasse se cortar para cravá-la no coração do inimigo.
— Eu lidarei com o Pato. Minhas chamas não perderão para ele. Coelho, seu poder é perfeito para enfrentar o Gato. Se você inverter os polos magnéticos, ele não conseguirá lidar com a própria Manifestação. Raposa, cuide do Rato. Vingue-nos pelas vezes que ele nos espiou. — Águia propôs.
Para a surpresa dos demais, ela colaborava bastante, mostrando estar realmente disposta a acabar com essa ideia para tentar recuperar seu amado Falcão. Águia ainda tinha esperança de que ele mudaria de ideia sem precisar lutar e se agarrava nessa possibilidade com todas as forças. Lobo sorriu e seguiu adiante, sentindo um pouco mais de esperança.
— Assim, sobrarão Lagarto, Tartaruga, Tigre e Falcão. Sei que eles são fortes, mas temos condições de vencer. Nosso principal alvo deve ser o Tartaruga, assim Falcão perderá seu melhor estrategista. Tigre e Lagarto são perigosos, mas nossas Manifestações podem nos dar boas vantagens. Falcão deverá ser o último a sobrar. Ele estará tão ocupado com seu plano que não vai perceber a Ordem desmoronando. — Lobo concluiu.
Estava decidido. O plano foi aprovado por todos e era apenas questão de tempo para tudo começar a acontecer. Lobo estava confiante e começava a acreditar fielmente na possibilidade de sobreviver para passar o resto da vida com sua família. Foi combinado entre eles executar a primeira parte do plano numa noite em que não houvesse lua. Quanto menos a visibilidade, melhor.
Enquanto esta noite não chegava, eles coletariam ainda mais informações de seus companheiros e seguiriam agindo conforme os planos de Falcão. O quarteto recém-formado caminhava lado a lado com o sol nascendo diante deles. Era o início de um marco histórico, seja lá qual for o seu epílogo.

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