Capítulo 0 — Parte 2 — A Ordem
Caminhando vagarosamente ao redor da mesa, Falcão propositalmente mantinha o silêncio para aumentar as expectativas. Manipular as massas era um dos seus dons, e isso se refletia até mesmo entre os seus companheiros.
— Primeiramente, devo agradecê-los e elogiá-los devidamente. Eu não poderia desejar membros melhores para compor a Ordem. Sei que todos estão acostumados com isso, mas ressaltarei os últimos grandes feitos de cada um e, assim, justificar o porquê de sermos merecedores de estarmos aqui.
Esta introdução foi o bastante para aumentar o moral do grupo. Este era um discurso corriqueiro e todos já sabiam o que ele falaria, mas ele o fazia para animá-los e fazê-los se esquecerem, mesmo por um mísero momento, de que a reunião era realmente importante.
— O primeiro de todos, nosso querido Tartaruga. Não podemos nos esquecer de tudo que ele fez pela Ordem no passado. E, mesmo que não viva mais os seus dias de glória, ele é mais sábio do que todos nós. Quem não se lembra quando ele decifrou o Enigma de Karx, um mistério que durou quatro séculos, em apenas quinze minutos? Ao Tartaruga, um brinde! — Ele brindou.
Os membros ergueram seus copos e brindaram em homenagem ao Tartaruga. Ele tinha a poderosa habilidade de desacelerar o tempo. Enquanto todos ao seu redor ficavam lentos, ele permanecia com sua velocidade padrão. Mesmo sendo idoso, ele não deixava a desejar nos combates. Falcão bateu fraco no ombro esquerdo dele e se aproximou dos próximos.
— Eu poderia falar do próximo, mas é melhor falar dele junto de sua metade. Coelho e Raposa, o casal que fez a Ordem chegar às grandes cidades do sul. Não temos como agradecê-los por isso. Seu trabalho em equipe impecável não é por acaso. Fico feliz que o fruto dessa união tão poderosa entre vocês tenha nos dado tanta relevância. Ao casal da Ordem, um brinde!
Coelho, um jovem loiro com olhos verdes, reservado e gentil, fitou Raposa com alegria. Seu poder, a Inversão, o colocava entre os mais poderosos da Ordem. Raposa, que tinha longos cabelos cor de rosa e olhos azuis, retribuiu com um beijo. Ela tinha o domínio absoluto dos relâmpagos e raios. Certa vez criou uma tempestade porque Coelho se esqueceu de um encontro.
Falcão então se aproximou dos próximos.
— Gato, Rato e Pato. O trio de irmãos responsável por levar a imagem da Ordem até as grandes cidades do norte. Suas ações levaram a Ordem a um patamar que eu jamais poderia sequer sonhar. Vocês são incríveis, e talvez sejam o trio mais respeitado de Eudora. Ao trio, um brinde!
Os três se levantaram antes mesmo dos outros e brindaram entre si. Pato era o mais velho, alto com olhos azuis e cabelos vermelhos. Seu poder era o domínio da água. Gato tinha olhos azuis, cabelos ruivos e controlava campos magnéticos. Por fim, Rato, o caçula. Era agitado, mas habilidoso. Olhos azuis, cabelos loiros e a habilidade de aumentar ou diminuir seu tamanho.
Certa vez, ele se infiltrou nos aposentos de Águia para vê-la tomar banho, mas Falcão também estava lá e ele viu coisas das quais não se esqueceria tão cedo. Falcão então passou para o próximo membro.
— Lagarto… Devo admitir que tive minhas suspeitas quando te trouxe para cá, mas seus serviços acabaram com minhas dúvidas. Você tem meu respeito e minha admiração. Me lembrem de nunca tentar argumentar contra o Lagarto. A lábia dele é de outro mundo! — Ele brincou. — Ao Lagarto, um brinde!
O copo de Lagarto já estava vazio, mas os demais brindaram da mesma forma. Ele tinha a habilidade de ficar invisível. Era tão hábil que podia apagar seu rastro e anular os sons que emitia. Tartaruga e ele eram próximos, então o mais velho o serviu com mais bebida.
Em seguida, Falcão se aproximou de Águia, trocando olhares com ela.
— Minha amada Águia. Há dez anos entramos na Ordem, e há dez anos você nos mostra o porquê ainda está aqui. Não posso expressar o quanto você é importante para nós, e para mim, principalmente. Você é minha melhor amiga. Minha companheira. Minha confidente. Minha noiva. À Águia, um brinde!
Todos se levantaram e brindaram alegremente. Águia tinha muito carisma entre os membros da Ordem. Seu poder lhe dava pleno domínio sobre as chamas vermelhas, fazendo parecer que ela tinha o próprio sol nas mãos. Antes que Falcão seguisse, ela segurou em sua mão direita e piscou para ele, dando um sorriso notoriamente apaixonado.
Pouco depois, Falcão se dirigiu à jovem Morcego.
— Pequena Morcego. No início, muitos a subestimaram, inclusive eu, mas sua ajuda nos últimos três anos fez você ser uma das mais queridas do grupo. Só cante mais baixo quando estiver no chuveiro. — Ele brincou, antes de brindar.
Morcego ingressou na Ordem com apenas dez anos de idade, mas logo se tornou muito querida por todos. O cabelo era verde escuro, quase preto, e os olhos eram vermelhos. Era capaz de controlar o som. Certa vez, estourou as cabeças de cinco inimigos de uma vez apenas com o grito. Falcão passou a mão na cabeça da jovem e seguiu caminhando.
— Tigre, meu leal braço direito e meu irmão. Temos dezenas de histórias para contar. Você me acompanhou em todas as minhas aventuras quando éramos crianças, até mesmo quando conhecemos a Águia. Por mais assustadora e perigosa que aquela noite foi, essa sempre será minha história favorita.
O poder de Tigre era refletido em sua excelente forma física: força. Apesar do laço de sangue com Falcão, certa vez ele o arremessou contra uma parede pelo simples fato de ele ter pegado o último filé de peixe frito.
Falcão então olhou para Lobo e o encarou em silêncio. Eles eram grandes amigos, mas também eram rivais. A Manifestação Espiritual do Lobo lhe dava a incrível capacidade de roubar os poderes de outras pessoas.
— Lobo, meu melhor amigo. Você é o responsável pela Ordem ainda existir. Quase todos nós temos uma dívida com você. Quando estávamos à beira da morte em Statan, cercados por dez mil homens, você, um completo estranho, nos salvou. Ainda me lembro de ver o céu escurecer quando o “Lobo Solitário da Noite” surgiu. Quem dera você estivesse na velha Ordem quando tivemos que enfrentar um problema maior no passado. Meu amigo, saiba que ainda irei te superar e realizar uma entrada ainda mais gloriosa. Ao Lobo, um brinde!
Todos se levantaram e, em vez de brindar, aplaudiram o Lobo, que ficou sentado. Até mesmo Tartaruga, que tinha dado bronca nele mais cedo, se juntou aos demais para aplaudi-lo. Lobo então se levantou e olhou todos.
— Quando entrei para a Ordem, achei que estava apenas me aproximando de uma vida melhor, mas não. Vocês se tornaram minha família, se tornaram a minha vida. Tivemos altos e baixos, mas a Ordem sempre será minha casa e vocês sempre serão meus irmãos! — Ele exclamou.
Os aplausos ficaram ainda mais altos diante desse breve discurso. Falcão ficou um pouco incomodado, mas logo sorriu e se dirigiu à sua cadeira.
— Até mesmo no discurso você me supera, Lobo? Deixe-me ter um momento de glória ao menos uma vez! — Ele brincou, gerando breves gargalhadas.
Então, aos poucos, a euforia deu lugar à tensão. Todos sentiam que algo grande estava para acontecer. Falcão colocou os braços sobre a mesa e suspirou. Era difícil até mesmo para ele abordar um tema tão importante.
— Irmãos, hoje uma nova era se inicia na Ordem dos Cavaleiros Brancos. Antes que comecem a criar teorias, escutem o que tenho a dizer. Durante anos, a Ordem foi uma sociedade quase sagrada. Distribuímos a paz para o mundo e sempre entramos em ação quando éramos chamados. Porém, estive analisando a situação do Extra-Mundo e cheguei a uma conclusão. Nós não somos fortes o bastante e a Ordem corre risco de morrer se seguirmos assim. — Ele concluiu, apoiando os cotovelos na mesa e juntando as mãos.
Uma série de sussurros surgiu entre os membros. Alguns ficaram calados, apenas encarando Falcão, já outros não se conseguiram se segurar.
— Isso é ridículo! Acha que a Ordem é fraca? Olhe o que nós conquistamos! O mundo todo conhece a Ordem dos Cavaleiros Brancos! — Exclamou Gato.
Outros membros concordaram com seu ponto de vista e continuaram questionando Falcão. Morcego até mesmo se levantou, indignada.
— Por que acha isso?! Nós lutamos quase todos os dias e arriscamos nossas vidas para o seu objetivo de trazer a paz ser alcançado! Acha que não fizemos o bastante? Acha que há outros melhores para ocupar nossos lugares? O que precisamos fazer para você finalmente nos reconhecer de verdade?!
Depois de ouvir tantas queixas, Tigre se levantou, furioso, e socou a mesa de pedra. Isso quase a partiu ao meio, o que assustou aqueles com os nervos mais aflorados. Ele estava com raiva, mas logo retomou a calma e se sentou.
— Eu não sei o que meu irmão tem em mente, mas ninguém aqui tem o direito de dizer uma palavra sequer contra ele. Ele nos uniu. Ele fez a Ordem ser o que é hoje. Sem ele, vocês não seriam nada. — Ele dizia, antes de se sentar novamente. — Vocês irão se calar e escutar o que ele tem a dizer, e somente depois disso escolherão se irão protestar ou não.
Mesmo com os ânimos exaltados, todos se colocaram em seus lugares e se sentaram novamente. Falcão suspirou, aliviado, e o agradeceu.
— Amigos, o que quero é nos tornar ainda maiores e mais fortes. Não preciso de membros novos para tal. Nós podemos ser fortes hoje e o mundo pode nos conhecer, mas há um problema. O mundo precisa de nós? Ele clama por nós? Pensem. O mundo ainda está em guerra. Somos um grupo poderoso, mas a nós ainda não foi confiado o poder para acabar com o caos. O mundo está doente e nós somos a cura, mas ninguém está disposto a tomar este remédio!
Falcão então se levantou e voltou a caminhar ao redor da mesa, nervoso. O cenário mundial não o agradava e ele acreditava que a Ordem era a grande solução para esses problemas.
— Então, tendo isso em vista, eu enviei representantes da Ordem para várias cidades grandes dos quatro cantos do continente. Sabem o que conseguimos? Reconhecimento. Isso é o bastante? Não! Precisamos de apoio! Precisamos que eles acreditem em nós! Enquanto Eudora for dominada por líderes idiotas, o caos nunca dará lugar à paz, o medo nunca dará lugar à esperança!
— O que propõe? Se há tantos problemas, suponho que você já elaborou um plano. Então nos diga, Falcão. O que faremos? — Perguntou Tartaruga.
Os outros ainda estavam inquietos, mas mantinham a compostura para evitar novas intrigas. A Ordem sempre teve reuniões respeitosas e organizadas. Discussões eram raríssimas. Após ouvi-lo, Falcão sorriu e colocou as mãos para trás, fazendo um breve suspense. O momento de compartilhar a sua mais nova ambição enfim havia chegado.
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