Capítulo 05 — Consequências do Despertar
Aquele maldito olhar sério que ele fixava nos olhos deles causava medo. Kamito sentia como se aquele homem penetrasse sua alma, deixando-o paralisado. Tudo o que pensava se dissipara, e ele podia deduzir que Akane sentia o mesmo. O olhar, a forma como Raishi se comportava… todos esses fatores pareciam ter o propósito de fazê-los temer o que estava prestes a ser dito. Naquele momento, tudo que podiam fazer era observar e escutar.
— Akane, Kamito, vocês dois são… Manifestadores Espirituais. Imagino que estejam se perguntando o que isso significa, correto? – Disse Raishi sorrindo, mas ainda com aquele olhar de mistério.
Era como se pudesse ler suas almas. Em seguida, colocou a xícara de café sobre a pequena mesa à sua frente.
— São seres capazes de conduzir e criar “poderes” através do controle da Energia Espiritual. Em outras palavras, pessoas com o dom de manipular livremente o poder da própria alma, tanto para ataque quanto para defesa.
Segundo Raishi, ambos possuíam esse poder, pois, de alguma forma, haviam sido afetados pela energia do Véu Espiritual, a barreira entre a Terra e o Extra-Mundo, e tornaram-se capazes de controlar suas Energias Espirituais.
Seu semblante permanecia o mesmo. Falava com sinceridade, e ver as reações de surpresa e, principalmente, de susto não o abalava.
— C-Como isso aconteceu? E por que logo nós temos esse tal poder? – Questionou Akane com a voz trêmula e tímida.
Era nítido que ela estava assustada com o que acabara de ouvir. Kamito também não conseguia acreditar naquela explicação.
— Que bom que perguntou. Eu irei contar a vocês. – Raishi sorriu novamente, pegou a xícara de café e bebeu mais um pouco. Parecia que aquele homem não possuía nenhum sentimento, pois não demonstrava se importar com a forma como reagiam. Para ele, aquilo era normal.
— Normalmente, apenas os seres do Extra-Mundo têm essa capacidade. Porém, existem pontos em que a Terra e o Extra-Mundo se “colidem”, e essas colisões acabam por afetar aqueles que já são naturalmente sensíveis aos fenômenos relacionados ao Véu Espiritual. Vocês foram afetados por isso.
Ele fechou os olhos calmamente e terminou de tomar o café. Kamito notou que o sorriso havia desaparecido, e isso começou a lhe causar irritação.
— Impossível! Não dá para acreditar nisso! Está dizendo que ganhamos esses poderes por causa de um fenômeno aleatório?! – Falou Kamito irritado e incomodado com a calma e a falta de empatia daquele homem. Era difícil aceitar que a tão esperada resposta fosse algo tão incerto.
— Kamito, por favor, se acalme… Não podemos tirar conclusões precipitadas.
Akane o olhava assustada. Seu olhar dizia tudo. Ela também não queria acreditar nas palavras de Raishi. Aquilo parecia simples demais.
— Tenho certeza de que há uma explicação melhor para isso, não é, senhor?
Seus olhos brilhavam enquanto olhava para Kamito. Ela estava à beira do choro por finalmente ouvir uma possível explicação. Logo, voltou a encarar Raishi, ainda com esperanças. O homem os observava sem demonstrar qualquer emoção. Em seguida, fechou os olhos, pensativo.
— Infelizmente, essa é a verdade. Não há outra explicação. Porém, isso não depende apenas do fenômeno, mas também de vocês. Vocês nasceram com a capacidade de sentir o Véu Espiritual, e isso os afetou até o ponto de manifestarem seus poderes.
Ele reabriu os olhos e voltou a encará-los. Dessa vez, seu olhar era ainda mais sério, o que os assustava ainda mais, pois não sabiam suas reais intenções. Talvez, agora, ele as revelasse.
— Apesar de tudo isso, tenho uma proposta. Se concordarem, garanto que esses poderes não serão mais um problema para vocês.
— N-Não, não pode ser verdade! Eu não posso acreditar nisso!
Akane desabou em lágrimas, levando a mão esquerda à boca. Ela não conseguia conter a tristeza nem aceitar que a resposta era apenas aquela.
— N-Não pode ser… Quer dizer que tudo aquilo que senti esse tempo todo foi por causa disso?! Por um fenômeno ganhei esses poderes?!
Kamito olhou para suas mãos e as fechou com força. Não queria acreditar. Mesmo que fosse verdade, ele relutava em aceitar, até ouvir sobre aquela proposta.
— Que proposta seria essa?
Ele voltou a encarar Raishi com seriedade. Não sabia se estava preparado para o que viria, mas, se aquilo realmente pudesse ajudá-los, valia a pena ouvir.
— Agora que sabem sobre suas manifestações, também sabem que estarão em perigo. O ataque de hoje foi apenas o começo. Um aperitivo, comparado ao que está por vir. Minha proposta é treiná-los para que possam se defender e, principalmente, esconder a presença de vocês.
Raishi ainda os olhava com seriedade. Por mais assustador que fosse, sabiam que era verdade e que precisariam dominar aquela habilidade o quanto antes. O ataque de hoje não poderia se repetir.
— Aprender a controlar esses poderes? Está falando sério? Como isso seria possível?
Kamito olhou para sua mão direita. Ainda podia sentir o calor fraco emanar, quase se extinguindo. Se realmente houvesse uma forma de controlar aquilo, precisavam tentar.
— Se esse é o caso, não tenho escolha. Não posso pôr a Akane nem ninguém em perigo por conta disso!
Ele fechou a mão ao sentir a chama se apagar. Se Raishi dizia a verdade, Kamito precisava correr esse risco. Havia prometido proteger Akane, e manteria essa promessa até o fim.
— E-Eu também concordo! Embora não pareça haver outro meio, aprender a controlar isso evitará que sejamos atacados novamente. – Disse Akane determinada. Kamito sabia que ela iria até o fim, principalmente com ele ao seu lado.
— Vocês aceitaram rápido. Pelo visto, entenderam que estarão correndo extremo perigo a partir de agora.
Raishi se levantou, caminhou calmamente até o corredor, enquanto os dois o acompanhavam com o olhar, e os encarou uma última vez.
— Durante quinze dias, irei submetê-los a um treinamento intenso, no qual poderão despertar seus poderes por completo e usá-los. Estejam preparados, pois começaremos amanhã. Enviarei uma carta com o local do encontro. Arranjem uma boa desculpa para faltar à escola nesse período. Vão precisar, se quiserem ter paz novamente.
Com tranquilidade, Raishi caminhou até a porta e saiu sem dizer mais nada. Deixou-os com a esperança de que poderiam dar um jeito na situação. No entanto, o alívio vinha acompanhado do medo. Após sua saída, o silêncio dominou a casa. O som do relógio de parede, os pingos da torneira da cozinha e até mesmo as batidas do coração de Kamito podiam ser ouvidos.
A escolha estava feita, não havia como voltar atrás. Kamito olhou para Akane, que permanecia paralisada no sofá. Não havia como julgá-la, afinal, ele se sentia da mesma forma. Era como se o choque de realidade os tivesse atingido com tudo. Ele tentou respirar fundo.
— Ei, Akane, não precisa fazer isso se não quiser. Não precisa se arriscar tanto, pois eu irei proteger você. Eu prometi isso.
Ela o olhou envergonhada, com os olhos ainda marejados. Secou as lágrimas com as mãos.
— Não precisa se preocupar, Kamito. Eu também quero controlar esse poder. Não quero ser um fardo para você. Eu… Eu quero estar ao seu lado. Quero usar esse poder para ser o seu escudo. Eu também quero-te proteger. – Respondeu Akane. – Digo que irei proteger você! Foi isso que eu quis dizer! Você é muito descuidado e não conseguiria nem mesmo se proteger. – Completou a garota tentando mudas suas palavras. Mesmo sabendo o que sentia, queria manter seus sentimentos guardados.
— Acho que você tem razão. Hoje mais cedo, eu quase morri. Não posso fazer tudo sozinho, mas já disse que irei-te proteger. Aceite as minhas palavras. – Sorriu Kamito, mas logo seu sorriso desapareceu ao pensar no treinamento que os aguardaria no dia seguinte.
— Amanhã começaremos o treinamento. O problema é que ele não disse como será, nem o que faremos durante ele. Que droga, por que tanto mistério?
Ele falava aborrecido. Aquilo realmente o entristecia. Não sabiam praticamente nada, nem se quinze dias seriam suficientes para dominar tal poder. Isso deixava Kamito aflito.
— Talvez ele conte na carta. Deve ser algo grande. Ele nos deu esse tempo para absorvermos todas essas informações.
Akane falou pensativa. Parecia estar aceitando os acontecimentos de forma diferente. Ela realmente falara sério ao dizer que ficaria ao lado de Kamito e estava aceitando tudo por ambos.
Conversaram por algumas horas, até que a mãe de Akane a chamou para o jantar. Karin Yagami era uma mulher peculiar. Tinha aparência meiga e gentil, com cabelos castanhos e compridos. Parecia mais jovem do que sua idade indicava, pois se cuidava muito bem. Contudo, o que tinha de gentileza, também tinha de raiva. Odiava ser contrariada e enganada.
Kamito a acompanhou até a porta e acabou sendo convidado para o jantar. Aceitou educadamente — afinal, a mãe dela não lidava bem com recusas.
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