Capítulo 25 — O Movimento das Sombras
O horário de almoço estava chegando ao fim e a cafeteria começava a esvaziar. Raishi e Ruby permaneciam sentados no mesmo lugar, conversando animadamente. Fazia tempo que não se viam e pareciam se divertir bastante, a ponto de chamar a atenção das garçonetes, que trocavam olhares entre si sempre que podiam, acreditando que formavam um casal.
Mas logo a calmaria se quebrou.
Um grupo de arruaceiros entrou no local e, assim que avistaram Ruby, se dirigiram imediatamente até ela. Um dos quatro se sentou ao seu lado, passou o braço em volta de seu pescoço e a puxou para perto, enquanto os outros três o incentivavam com comentários vulgares e risadas.
— Ei, gatinha, o que uma garota como você faz aqui sozinha? Está procurando diversão? Eu e meus rapazes podemos te dar isso.
Ele falava cheio de si, ignorando completamente a presença de Raishi. Os outros o incentivavam ainda mais, rindo e confirmando suas palavras.
— Com licença — disse Raishi, ainda calmo. — Acho que ela não está sozinha. Está comigo. Você me ignorou de propósito, mas tudo bem. Eu te perdoo.
Os homens o olharam com desdém. Em poucos segundos, começaram a rir e zombar dele, como se Raishi fosse uma piada.
— Você conhece esse cara? Ele está te incomodando, gatinha? — disse um dos rapazes, antes de pegar um copo de água e jogá-lo em Raishi, molhando-o. Os quatro caíram na risada com ainda mais força. — Podemos dar um jeito nele, nós vamos te proteger.
Ruby afastou-se lentamente do rapaz ao seu lado, com um sorriso calmo e enigmático no rosto.
— Você não deveria ter feio isso. — disse ela — Eu mesma faria vocês pagarem por terem arruinado o meu encontro… e, principalmente por terem feito isso com o Raishi. Mas vou deixá-lo cuidar disso por mim.
Ela retirou o braço do homem de cima de seus ombros, levantou-se e foi até Raishi, sentando-se ao lado dele com naturalidade. Os rapazes se enfureceram, agora os encarando com um tom ameaçador.
— Vou repetir — disse Raishi, com a voz mais baixa, mas carregada de tensão. — A garota está acompanhada. Se eu fosse vocês, sairia daqui agora mesmo. Façam isso antes que eu comece a me irritar.
Sua expressão, antes serena e despreocupada, transformou-se num olhar sério e sombrio. Aquilo bastou para que o tom de deboche desaparecesse dos rostos dos arruaceiros. O rapaz que havia se sentado se levantou às pressas, visivelmente nervoso, enquanto os outros tentavam se desculpar. Raishi começou a bater o dedo na mesa, de maneira ritmada e firme. O som ecoou pelo local, gerando ainda mais tensão.
O líder do grupo, sentindo a atmosfera pesar, deu meia-volta e chamou os outros para irem embora. Nenhum deles olhou para trás.
— Você é mesmo incrível! — disse Ruby, com os olhos brilhando. — Você os assustou só com o olhar! Eu mesma queria ter cuidado deles por terem feito isso com você, mas gosto de ser defendida pelo meu doce e sereno Raishi…
Ela falava orgulhosa enquanto pegava um lenço em sua bolsa. Com delicadeza, começou a secar o rosto de Raishi, demonstrando um carinho que só existia entre pessoas que compartilhavam uma história profunda. Fosse amizade, amor ou algo mais complexo, havia uma conexão ali.
— Meu coração pula de alegria sempre que vejo você assim. Você deveria ser sempre assim comigo, mas prefere bancar o difícil…
Raishi suspirou, claramente irritado com os comentários dela, levantou-se e caminhou até o balcão para pedir a conta. A atendente, visivelmente constrangida, tentava se desculpar pelo ocorrido, mas Raishi a tranquilizou com um tom calmo. Após pagar, permaneceu ali, esperando que Ruby se juntasse a ele. No fundo, ela o mexia de um jeito que ele mesmo não compreendia completamente.
Na escola, a aula de japonês seguia seu ritmo. O professor falava mais uma vez sobre a importância de se conhecer a história da língua e como aquilo era essencial para a compreensão do presente. Tão essencial que Kamito estava debruçado sobre a carteira, quase dormindo. Akane o olhou de soslaio e sorriu, divertindo-se com o estado dele. Era óbvio que aquele assunto não o cativava nem um pouco.
— Professor?! Posso ir ao banheiro?
Kamito levantou a mão, bocejando levemente. Alguns colegas riram discretamente por conta de sua voz arrastada. O professor, com o cenho franzido, o encarou por alguns segundos antes de dar permissão com um leve aceno de cabeça.
Kamito então se levantou e caminhou em direção à porta. Estava prestes a tocar a maçaneta quando sentiu algo em seu ombro direito, o toque firme de uma mão. Assustado, virou-se bruscamente para trás.
— O que foi, Kamito? Por acaso viu um fantasma?! — ironizou o professor, com os braços cruzados. — Se sua intenção é tumultuar minha aula, aconselho que se sente imediatamente.
Raivoso, o professor esperava uma explicação. Kamito, sem saber como reagir, apenas desviou o olhar, abriu a porta e saiu para o corredor. Encostou-se na parede, tentando se acalmar.
— Eu podia jurar que alguém havia encostado no meu ombro… Eu senti uma mão ali. Mas se não foi o professor… quem pode ter sido?
O azulado pensou enquanto espiava pela pequena janela da porta. Ninguém na sala ria, o ambiente estava em completo silêncio, e as cortinas balançavam levemente com o vento que entrava pelas janelas abertas. Ele parou de espiar e seguiu em direção ao banheiro, ainda tocando de leve o ombro direito.
— Será que foi apenas a minha imaginação por causa do sono?! — disse de maneira baixa, tentando não dar importância à sensação estranha que havia sentido.
Enquanto caminhava distraído, não percebeu que, de outro prédio da escola, alguém o observava com atenção. Era Coiote. Ele já estava em movimento. Assim que se sentiu satisfeito com o que viu, afastou-se da borda do telhado e desapareceu da vista.
Kamito chegou ao banheiro e lavou as mãos, ainda distraído em pensamentos. Amanhã seria o último dia de aula. Amanhã, tudo acabaria por um tempo, e ele cogitava nem aparecer. Afinal, não havia ninguém específico de quem quisesse se despedir.
Ao terminar, saiu do banheiro e começou a caminhar de volta para a sala. O corredor parecia mais longo do que de costume, e um silêncio incomum pairava no ar, nem mesmo os pássaros cantavam. Perdido em pensamentos, andava sem pressa. As únicas vozes que quebravam o silêncio eram as dos professores, abafadas atrás das portas das salas. Ele se sentia exausto daquela rotina e, principalmente, daquela solidão persistente.
Parou diante de uma das janelas e observou a tarde que se desenhava: linda, calma… e, ainda assim, tudo parecia vazio por dentro. Lutar contra Carniceiros e tentar manter uma vida normal, aquilo fazia algum sentido? Ele realmente conseguia conciliar as duas coisas? Fechou os olhos por um instante e os abriu novamente, voltando o olhar para o corredor à frente. Era hora de voltar. Já havia perdido tempo demais.
O restante do dia passou lentamente, como se o tempo tivesse decidido se arrastar de propósito. Cada aula parecia durar uma eternidade, talvez por causa da expectativa pelo fim. Quando a professora de química precisou encerrar a aula antes do previsto, a turma vibrou. Afinal, ela ministrava as duas últimas aulas. Estavam livres mais cedo. Kamito suspirou, aliviado, enquanto se recostava na cadeira. Foi então que Akane se aproximou, com uma expressão preocupada no rosto.
— Ei, Kamito?! Você está bem? Hoje você passou o dia meio perdido… — ela o fitava com seriedade, sem desviar o olhar — Fiquei preocupada. Não está escondendo nada de mim, não é?
Tocou a testa dele com a mão, procurando sinais de febre. Sua preocupação era tão evidente que sequer se importava com os olhares curiosos da turma, que os observava como se esperassem alguma cena de romance acontecer ali.
— Eu estou bem. Só estava pensando que hoje não tem nenhum daqueles assuntos para cuidar, e tanto Yujiro quanto Ryruka estarão ocupados…senti um pouco de solidão. — Ele a olhou com esperanças nos olhos — É a primeira vez depois de um tempo que estamos livres após a aula. Você não quer passear pelo parque ou tomar um sorvete? Eu pago. Vamos fazer alguma coisa.
Mais do que um passeio, o que ele queria era um momento de paz. Não queria estar sozinho naquela tarde bonita, queria estar com ela.
— Desculpa, Kamito. Eu prometi que faria compras com a Suzumi e com a Luise hoje. Você não quer vir comigo? Vai ser divertido.
Ela estava empolgada, e seu sorriso era tão sincero que fez Kamito sorrir também. Ela esperava uma resposta, mas ele já sabia o que diria.
— Não quero atrapalhar, é um momento só de vocês. — respondeu com um sorriso gentil — E eu não quero passar o resto do tempo sentado enquanto vocês escolhem roupas.
Fazia tempo que elas não saíam juntas, e ele não queria ser o motivo de atrapalhar aquilo. Ela merecia aquele tempo mais do que ele.
— Que cruel! — ela respondeu rindo com a brincadeira do mais velho — Você passaria o seu tempo acompanhado de belas garotas, Kamito! Assim nunca sairá com uma garota!
Kamito também riu. Logo depois, ela deu um passo para o lado, abrindo espaço para que ele se levantasse.
— Mas não se preocupe, eu trago alguma lembrança. Já sei até o que comprar!
— O que tem em mente? — falou enquanto caminhavam juntos para fora da sala — Assim eu posso comprar algo para você também.
O corredor estava mais movimentado do que antes. E, ainda assim, com Akane ao seu lado, o mundo de Kamito parecia mais leve, mais colorido. Como se o sorriso da garota trouxesse mais alegria ao seu mundo.
— É segredo. Não precisa comprar nada para mim, porque a sua lembrança já vem junto com a minha.
Akane estava bem misteriosa e cantarolava enquanto caminhava para a saída da escola. Quando chegamos no portão, Akane para de caminhar, pois seguiríamos direções opostas. Ela então me olha, um pouco preocupada.
Akane estava especialmente misteriosa, cantarolava enquanto caminhava em direção ao portão da escola. Quando os dois chegaram à saída, ela parou de andar. Seguiriam por direções opostas, mas, naquele instante, ela hesitou. Virou-se para Kamito, com uma expressão levemente preocupada.
— Tem certeza de que não quer vir comigo? — perguntou, em um tom doce. — A Luise vai gostar se você for.
Ele por sua vez negou com a cabeça.
— Nada disso, ela teria mais motivos para criar confusão para o meu lado. Infelizmente, eu deixo essa passar. Desculpa.
Akane aproximou-se lentamente. Kamito ficou confuso por um segundo, sem entender o motivo, até sentir os lábios dela encostarem em sua bochecha.
— P-Para você se animar um pouco… — Ela disse já corando de vergonha — Não vá arrumar confusão, viu? Quando eu voltar, prometo que passo na sua casa para assistirmos algo.
Kamito tentou estender a mão em direção a garota, mas ela logo se afasta e sai correndo enquanto sorri. Ele ficou ali, parado, sem saber como reagir. Levou a mão esquerda até a bochecha, onde sentira o beijo, e tocou o local com delicadeza. Estava envergonhado, mas sorria. Akane parecia sempre saber como ele se sentia. Sabia exatamente como fazer a tristeza ir embora. Virando-se, o rapaz seguiu seu caminho em direção à própria casa, ainda com o sorriso no rosto.
Mas, do outro lado da rua, escondido entre os carros e sombras do fim de tarde, Coiote o observava com atenção. O momento que ele tanto esperava finalmente havia chegado, e a expectativa o fazia vibrar por dentro.
No caminho, Kamito passou em frente a um antigo parquinho onde costumava brincar com Akane na infância. Parou por um instante e, levado pela nostalgia, recordou-se de lembranças boas: as risadas, os sonhos de criança e de como se conheceram.
Mas as lembranças foram quebradas por uma presença. Ele sentiu uma sombra se projetar atrás de si. Um arrepio percorreu sua nuca, a mesma sensação que tivera na escola, quando pensou ter sentido alguém tocando seu ombro.
— Você que é o Kamito Takeda?! Tenho certeza de que é. Seu jeito de idiota deixa isso estampado na sua cara. Principalmente esse seu cabelo azul.
Ele tinha um tom arrogante e ameaçador, tentando fazer de tudo para irritar o mais jovem.
— Uau! Olha só o olhar dele, estou morrendo de medo.
Kamito ironizou, com a voz carregada de sarcasmo.
— Quem é você? O que você quer comigo? A sua presença não é normal.
O garoto manteve a expressão séria, tentando entender quem era aquele sujeito e por que ele o abordava daquela forma. Ele aparentava ser mais esperto e mais forte do que um Carniceiro comum, mas era difícil de identificar ja que não tinha conseguido sentir sua presença…
— Isso não é óbvio? Eu vim para acabar com você. Estava esperando o momento certo, em que você se separasse dos seus amiguinhos. —disse o homem com um sorriso provocador — Vocês ficam correndo por aí como se fossem heróis, mas eu vim pôr um fim nisso. Não é preciso te dizer meu nome, já que você vai morrer.
Antes mesmo que Kamito piscasse, o homem desapareceu e reapareceu atrás dele. Kamito tentou se virar, mas ele começou a se mover rapidamente, mudando de lugar a todo instante. Kamito não conseguia acompanhá-lo.
— Hahahahaha!!! É só isso que você tem?! Que patético. Eu achava que você era o mais forte dos quatro, mas pelo visto eu estava errado.
Logo Coiote começou a atacá-lo de raspão propositalmente, apenas para dar a falsa impressão de que Kamito estava conseguindo se esquivar. Era cruel. Kamito não entendia o que ele queria de verdade. Tentou se afastar, mas o inimigo sempre se posicionava em locais que o encurralavam. Kamito apertou as mãos com força e engoliu o ar, tentando acompanhar os movimentos, mas ele sempre desaparecia de novo.
Sem perceber, ele surgiu bem atrás e tocou levemente seu ombro direito com a mão esquerda. Kamito sentiu um calafrio familiar e se virou, assustado. O outro sorria com um ar sádico e satisfeito. Antes que o azulado pudesse reagir, ele o agarrou e o levou dali em um único movimento veloz, deixando apenas poeira suspensa no ar.
Quando se deu conta, já estava sendo lançado contra o tronco de uma árvore. O impacto foi brutal, o suficiente para fazê-lo cuspir sangue. Caiu de joelhos, ofegante, enquanto o oponente se aproximava lentamente, rindo como se estivesse apenas se divertindo. Ele não era um Carniceiro comum, e isso começava a ficar claro.
— Não me decepcione. Vamos, use as chamas. Eu te deixo começar, que tal?
Ele falava com sarcasmo, mantendo o mesmo sorriso debochado. Seus olhos permaneciam fixos em Kamito. Famintos, ansiosos pelo que estava por vir. Ele realmente queria se divertir antes de o matar.
— Desgraçado! Por que não me mata de uma vez?! Pode parar com isso!
Kamito se levantou com dificuldade. As costas doíam intensamente e suas pernas tremiam sem controle. Não parecia haver saída. Estaria diante do seu fim?
— Nada disso. Por que acabar com a diversão logo agora?! Que tal fazermos um jogo? Eu te darei cinco minutos de vantagem. — Ele falava com seriedade perturbadora. — Você pode correr, se esconder ou tentar me matar nesse tempo. Eu só poderei me mover após o tempo esgotar. Acha que isso é justo?
Ele estava falando sério. Sua expressão sádica e ao mesmo tempo satisfeita deixava isso claro. Mantinha aquele tom provocativo apenas para tentar deixá-lo desesperado. E estava conseguindo.
Kamito não sabia o que fazer. Estava evidente que aquele homem era muito mais forte do que qualquer outro inimigo que já havia enfrentado até então. E agora, tudo o que ele tinha eram cinco minutos… que provavelmente já estavam contando.
Por um breve instante, sentiu-se aliviado por Akane não estar ali. Uma luta pela sobrevivência estava prestes a começar, e ele sabia que a sorte não estava ao seu lado.
Aquele dia mudaria sua vida para sempre. O início de algo que ele não poderia mais evitar. O dia em que seu caminho sem volta como um Manifestador Espiritual finalmente começava.

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